terça-feira, 31 de janeiro de 2017

A Justiça para gregos e troianos


Os fascistas de plantão (na mídia, nas ruas e nas redes) sempre deixam externar, nos seus comentários e suas meias-verdades, que desejam vingança e nunca justiça.

Outrora, defendiam a berros, à la merval, a transparência nas divulgações das delações, quando atingiam sobremaneira o PT. Porque não querem justiça e, sim, vingança, agora, dado que a camarilha golpista, que apoiam, está toda atolada no lamaçal da corrupção, a começar pelo presidente, seus ministros e seus apoiadores - inclusos os tucanos bicudos e de alta plumagem -, os fascistas acham "justo" a chefe da suprema corte, em mais uma ação discricionária e digna de repulsa, decretar sigilo nas delações da Odebrecht.

A Constituição Federal garante o interesse público e ressalta o direito da sociedade de ter informação sobre processos penais. Entendo que, enquanto prevalece, como regra geral, o princípio da publicidade dos autos, não se pode, com falácias, utilizar de outra estratégia. Só cabe sigilo em processos que invadam a intimidade das partes, conforme estabelecido em lei.

Enquanto o STF USAR DE DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS NAS SUAS AÇÕES não temos nenhum dever de acreditar na isonomia e no interesse da justiça, na justiça.

Temos todo o direito de duvidar e colocar sob suspeita os atos de quaisquer juízos, do primeiro ao mais elevado grau, que, usando de argumentos AD BACULUM ou altamente questionáveis, queiram mostrar eficiência para contentar gregos e troianos, como se a justiça fosse uma donzela da casa vermelha a agradar clientes de todos os gostos e desejos...

Às vésperas da eleição das mesas diretoras da Câmara e do Senado, quando se monta nova estratégia parlamentar para dar sustentação ao governo golpista, o Supremo, mais uma vez, mostra que colabora e dá respaldo a consolidação da ruptura democrática. Que fique registrado à história de qual lado a mais alta corte e a juristocracia tupiniquim sempre estiveram...

Infelizmente, do poder judiciário, historicamente o menos transparente e mais avesso à publicidade e à prestação de contas ao povo, pode-se esperar tudo, inclusive nada.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

As prisões brasileiras: produtoras de criminalidade


As cenas dantescas de presos decapitados nos presídios de Manaus e do Rio Grande do Norte escancaram a situação vergonhosa do sistema prisional brasileiro.  A desumanidade que caracteriza as prisões brasileiras é regra.
Ineficiente (o custo médio do preso, por mês, gira em torno de dois mil reais e o índice de reincidência é altíssimo); violento (gangues e facções criminosas disputam poder e prestígio dentro das prisões); poroso (a corrupção de agentes públicos é constantemente denunciada) e perigoso (a qualquer momento vítimas inocentes podem ser presas fáceis desse barril de pólvora, seja em motins, rebeliões, fugas, etc.), o sistema prisional brasileiro está completamente obsoleto.
Uma solução adotada em alguns países na imposição de sanções aos infratores, como no Reino Unido, por exemplo, é restringir as prisões exclusivamente para criminosos que oferecem risco à sociedade, ampliando a utilização de penas e medidas alternativas (à prisão), com rígido acompanhamento dos condenados pelo Estado e pela sociedade. 
 Há um consenso entre os estudiosos de que as possibilidades de recuperação de quem cometeu um delito considerado leve ou de médio teor ofensivo são comprovadamente muito maiores quando o condenado não cumpre sua pena em regime fechado. Além disso, as chances de a pessoa reincidir são menores, em torno de 12%, infinitamente inferiores aos índices de reincidência exibidos pelos egressos das prisões. Outro fator positivo é que, embora a aplicação de penas e medidas alternativas não represente um esvaziamento imediato dos presídios, impede o agravamento da superpopulação carcerária.
Portanto, governos e sociedade precisam discutir um novo modelo prisional: prisões, voltadas exclusivamente para a detenção de indivíduos de alto poder ofensivo e que favoreçam a ressocialização dos detentos; penas e medidas alternativas ampliadas para crimes de baixo e médio teor ofensivo; investimentos públicos nos programas de prevenção à criminalidade, principalmente voltados para a juventude; Judiciário mais célere e menos seletivo; capacitação permanente dos agentes penitenciários; combate sistemático a corrupção e a violência no e do sistema carcerária.
Mas, o primeiro passo nessa empreitada de longo prazo é calibrar a máquina de encarceramento que opera no Brasil: essa estrutura fordista do nosso (feudal) sistema de justiça criminal, que prende muito e prende mal. Enquanto essa máquina não for calibrada para dissuadir a prática do crime e não perseguir e punir criminosos seletivamente eleitos (o índio, depois o negro, o pobre e, agora, o usuário de droga) continuaremos com prisões superlotadas, dominadas por gangues e produtoras de novos criminosos à sociedade. Gestão prisional eficiente é fundamental; mas é um segundo passo.

E atenção: este artigo foi escrito originalmente em 2014. Com pouquíssimos ajustes, a principal diferença é a seguinte: onde está escrito "nos presídios de Manaus e do Rio Grande do Norte" estava dito, anteriormente, "no presídio de Pedrinhas, no Maranhão". Prova que pouco foi feito e que as mudanças estruturais sequer são pautadas nos momentos de crise.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Escusas à memória de Teori. Certeza que o STF apoiou e consagrou o golpe.

Charge: Aroeira

Em artigo recente, publicado aqui fiz algumas críticas ao falecido ministro Teori Zavascki. Entre elas, que o eminente membro do STF ao postergar o afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara tornou-se peça fundamental para a consolidação do fajuto impeachment de Dilma Rousseff.

No mesmo artigo fiz uma ressalva, que transcrevo:

Não quero crer que Teori tenha agido dessa forma por vontade e decisão próprias. Acontece, que ele faz parte de um grupo altamente hermético que agiu, o tempo todo, numa mesma direção.

E ainda ponderei:

Talvez, seu trabalho e suas qualidades técnicas e jurídicas poderiam se diferenciar dos demais membros do STF justamente nesse momento, quando seu papel de relator se tornaria central. E talvez, por isso mesmo, tenha ocorrido esse estranhíssimo acidente. Mas, ambas as hipóteses dificilmente poderão ser comprovadas.

Agora, li um texto publicado no blog do Marcelo Auler, aqui, reproduzindo um artigo do ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão. Nele, o também subprocurador-geral da República afirma:

Mas, sou testemunha de que Teori não descansou. Insistiu com os colegas semanas a fio na necessidade de se afastar Eduardo Cunha. Só logrou, porém, sucesso depois de consumado o afastamento processual de Dilma Rousseff no procedimento de impeachment que corria no congresso. Sentiu-se mal por isso, mas não era dono das circunstâncias políticas que dominavam aquele momento.

Tenho todos os motivos para acreditar em Aragão e no seu testemunho. E, portanto, reconhecer que, provavelmente, tenha produzido um juízo apresado sobre Teori Zavascki, pelo menos nesse episódio.

Porém, o que mais me chamou à atenção no texto do subprocurador-geral da República foi a confirmação, cada vez mais cabal, que o STF não somente criou todas as condições para o golpe como, também, sacramentou a vilania dos bandoleiros da nossa democracia; dos rapineiros de 54 milhões de votos.

O Supremo, desgraçadamente, está na mesma vala-comum dos demais poderes: sem honra e sem créditos. Alguns de seus membros já perderam o pudor e sequer primam por manter aparências.

São muitos os fatos e evidências a indicarem, lamentavelmente, que os capa-pretas da mais alta corte da justiça (aqueles que deveriam ser os guardiões da Constituição), foram cúmplices, mais uma vez, de um golpe de estado, como já ocorrera antes, em 1964. Como asseverou Fábio Konder Comparato, um dos juristas respeitadíssimo (aqui), a justiça em nosso país é um poder submisso às elites, corrupto em sua essência e comprometido com a injustiça.

Temos insistido sobre o papel estratégico que a juristocracia tupiniquim desempenhou no golpe de estado (veja aqui).  Entre as muitas reformas que precisam ser feitas para colocar o Brasil no patamar de uma república de fato, uma delas, sem dúvida, é a do sistema de justiça.

A Constituição Federal de 1988 – que produziu tantos avanços institucionais - deixou de reformar três sistemas: policial,  prisional e de justiça. Mera coincidência?


Teori, o técnico, foi peça-chave para o êxito do golpe

Na terra da hipocrisia, todo morto vira santo.  E Teori, como sempre acontece com os mortos, se tornou forte candidato a herói nacional e/ou a santo da república das bananeiras.

Mas, não esqueçamos que o STF e a juristocracia nacional (cujos maiores expoentes são Gilmar, Janot e Moro) foram fundamentais para o êxito do golpe neste país. 

Discute-se o futuro da lava-jato como se a justiça brasileira fosse isenta e isonômica. E muitos creem que Teori era um outsider dessa casta. Pobre país que deposita confiança num sistema de justiça altamente politizado e cheio de interesses pouco confessáveis. 

Mas, rememoremos a história do juiz que, logo ao chegar no Supremo, foi designado o relator da lava-jato. Usando da presunção de inocência, dispositivo pouco utilizado pelo STF nos últimos tempos, suponhamos que naquele primeiro momento, ainda neófito na Corte, ele seria intocável, como deu a entender Romero Jucá na conversa grampeada com Machado.

Mas, como sabemos, as instituições totais moldam as pessoas. E como nos lembra Foucault, tais instituições produzem pessoas disciplinadas, conformadas e mansas. 

Assim, duas decisões tomadas por Teori foram fulcrais para o andamento e a consolidação do golpe. Primeiro, ele ficou chocando por vários meses o pedido da PGR de afastamento do carcará Eduardo Cunha, o primeiro e estratégico condutor do processo golpista. Tempo suficiente para a mídia cumprir seu papel de promotora do golpe junto à base social conservadora, insuflando as manifestações domingueiras. Com isso, o nobre e impoluto presidente da Câmara [à época] teve tempo suficiente para articular a votação escrota do fajuto impeachment naquela casa legislativa; aquele espetáculo deprimente numa tarde de domingo. 

Suponhamos que Teori, como um magistrado “técnico”, tenha demorado na sua decisão por cumprir ritos processuais. Ou por prudência. Ora, como é possível cumprir ritos quando a democracia e a Constituição eram violentadas por segmentos da pior espécie?

Teori também foi o responsável pelas análises das ilegalidades cometidas pelo juiz de Curitiba contra o ex-presidente Lula. Lembremos que esse fato, também vitaminado pela mídia golpista, foi um ponto fundamental de inflexão para o recrudescimento dos setores interessados em alavancar a camarilha golpista ao poder.

Apesar de ter criticado Moro – e a direita só lembra dessa parte da história (afinal aparências valem mais que conveniências), surpreendentemente o "juiz técnico do STF" avaliou que os atos ilegais, imorais e de sabotagem política não constituíam impedimento para que o togado bem treinado pelos “irmãos do norte” julgue o ex-presidente.

Não quero crer que Teori tenha agido dessa forma por vontade e decisão próprias. Acontece, que ele faz parte de um grupo altamente hermético que agiu, o tempo todo, numa mesma direção.

Talvez, seu trabalho e suas qualidades técnicas e jurídicas poderiam se diferenciar dos demais membros do STF justamente nesse momento, quando seu papel de relator se tornaria central. E talvez, por isso mesmo, tenha ocorrido esse estranhíssimo acidente. Mas, ambas as hipóteses dificilmente poderão ser comprovadas. 
 
Para todos os efeitos, Teori – que tinha muitas qualidades, entre elas a discrição e a ponderação - sempre esteve na mesma sintonia daqueles que deram o suporte jurídico e constitucional para o golpe parlamentar-midiático-empresarial e elitista. 

Afinal, o PT também é golpista?



Essa é a pergunta que não quer calar.  Afinal, políticos pragmáticos do PT, e não são poucos, acham que os brasileiros são otários.

Mesmo depois do golpe à democracia (e não ao partido, que fique bem claro), o PT aceitou seguir com sua prática de coalizões com o PMDB (e como diz o ditado, “quem dorme com porco amanhece na lama”) e votou junto ao núcleo golpista para a eleição da presidência da Câmara dos Deputados. Nesse caso, não somente aliou-se aos golpistas, para assegurar “governabilidade” ao impostor, como votou favoravelmente a um dos políticos mais conservadores e retrógrados do parlamento, de um partido que abriga políticos dos mais desprezíveis, o DEM.

Lembremos que o partido fez o mesmo tipo de aliança nas eleições municipais de 2016. E ameaça repetir a patifaria deslavada agora, nas eleições à mesa do senado e da câmara.

Quais seriam as vantagens do PT ocupar postos nas mesas diretoras da câmara e senado, compondo com a direita golpista nas duas casas?

- Teria alguns membros presidindo comissões. Na prática, isso é numa nulidade, haja vista uma ampla coalizão parlamentar que vota hermeticamente contra o povo, como já comprovado em inúmeras outras situações, desde 2014.

- Ficaria próximo dos presidentes da Câmara e do Senado, que definem as pautas de votação. Acontece, que quem conhece o processo legislativo sabe da falácia desse argumento. A pauta de votação é prerrogativa do presidente ou o conjunto dos líderes, juntamente com o presidente. Então, o que isso significaria? Talvez, um espaço para a prática do puxa-saquismo (ou talvez outros compromissos e acertos), como ocorreu recentemente com o vice-presidente do PT, no Senado, no episódio da suspensão de Renan Calheiros da presidência, pelo ministro Marco Aurelio.

- Teria uns minguados cargos a mais para, como é de praxe e amplamente denunciado pela direita e com razão, alocar os fisiológicos e os lambe-botas, aqui inclusos alguns que perderam os cargos depois do golpe.

Mas, certamente, o que mais ganharia com essa postura - característica do cretinismo parlamentar - seria o desprezo do cidadão que tem um pingo de vergonha na cara.

Provavelmente, o que deseja a turma que transformou o PT (desde que foi assunto ao poder central) numa irmã siamesa do PSDB é contribuir com aqueles que tentam arrancar a dignidade e a honra de militantes do partido e das esquerdas, desmobilizando a já desidratada luta popular contra o golpe. Isso, sim, é um crime!

Com as desculpas das mais esfarrapadas, esses políticos são tão corruptos quanto aqueles que (eles) denunciam. Afinal, corrupção não é somente a rapinagem financeira (da qual o PT não está livre, como sabemos).  É todo o tipo de conchavo que privilegia os ganhos pessoais ou de grupos em detrimento de interesses públicos e coletivos. A bem da verdade, essa turma deseja manter privilégios, sabotando o eleitor que votou num partido que prometia ética e decência.

Em relação a outros partidos de esquerda não vou gastar minha bílis para tecer comentários...

Afinal, não existe máscara, práxis política, síndrome de Estocolmo ou discurso vitimista capazes de justificar apoios aos partidos que arquitetaram uma violência tão grave à democracia, como um golpe de estado. 


E não adianta vir com o mimimi, dizendo que o PT é a bola da vez e por isso só apanha. Se em boa medida o partido está num fosso e se seus grão-mestres insistem nos velhos erros, digo: o PT fez por merecer!

sábado, 14 de janeiro de 2017

Governo Obama, que apoiou o golpe, não deixa saudades


No último dia 10 de janeiro, Obama fez seu discurso de despedida. Repetindo a fórmula que deu certo nesses oito anos de governo, um pronunciamento cheio de frases de efeito (como aquela que alavancou sua primeira eleição: yes, we can) e uso apelativo à emoção do expectador.

Quando foi assunto à Casa Branca, pensávamos que ele seria um presidente capaz de alterar, mesmo que minimamente, a relação imperialista dos EUA com o mundo.

Com simpatia e muita mídia, sorriso farto no rosto, sempre posando de bom mocinho, ele cumpriu à risca o ritual de um presidente americano: promoveu guerras, apoiou golpes na América Latina (inclusive no Brasil), esteve do lado de Wall Street todo o tempo.

Durante seu governo, ficamos sabendo que a espionagem americana usurpa a independência e autonomia dos países, bisbilhota vidas de autoridades mundo afora e trama guerras, golpes e intervenções: especialidades de um país que se acha “dono do mundo”.

Como donzela traída depois que o episódio foi vazado, via Edward Snowden, Obama disse que reverteria essa política invasiva. Conversa para boi dormir!

No caso brasileiro, a reversão se deu no apoio escancarado ao golpe. E são vários os que confirmam essa empreitada norte-americana, depois que o governo Obama fez esses experimentos golpistas também em Honduras e Paraguai. Basta lermos os recentes depoimentos de Snowden ou nos vários textos e documentos publicados por Glenn Greenwald, que revelou os documentos secretos obtidos por WikiLeaks e disse: “Não tenho dúvida de que o Brasil é o grande alvo dos Estados Unidos". Também o famoso cineasta Oliver Stone, quando esteve aqui, ao passado, declarou: "[o impeachment] é, verdadeiramente, a definição de um golpe de Estado. E os Estados Unidos apoiaram. Eles reconheceram o novo governo imediatamente".

Mas, se quisermos, podemos recorrer ao especialista mais conceituado em política exterior do Brasil e suas relações internacionais, o historiador Moniz Bandeira, para entender a intervenção golpista dos Estados Unidos em nosso país: “Esse golpe, entretanto, deve ser compreendido dentro do contexto internacional, em que os Estados Unidos tratam de recompor sua hegemonia sobre a América do Sul, ao ponto de negociar e estabelecer acordos com o presidente Maurício Macri para a instalação de duas bases militares em regiões estratégicas da Argentina. O processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff não se tratou, portanto, de um ato isolado, por motivos domésticos, internos do Brasil”.

Obama continuou sendo o “senhor da guerra” para a alegria da poderosíssima indústria bélica: somente em 2016, os Estados Unidos lançaram 26.171 bombas em sete países, disse o especialista norte-americano em política externa e segurança nacional, Micah Zenko, no site oficial do Conselho de Relações Exteriores. Deveria devolver o prêmio Nobel da Paz que ganhou quando o mundo achava que ele seria diferente e melhor.

Cumpriu seu papel de "imperador" da matilha rentista que domina o mundo. Sequer fechou Guantánamo (ícone das bárbaras violações aos direitos humanos, patrocinadas pelos guerreiros do norte).

É verdade a hostilidade de uma parte dos brancos racistas norte-americanos contra Obama; é verdade que ele criou o ObamaCare - uma conquista os segmentos mais pobres daquele país. É verdade que ele agiu com energia para evitar a intervenção contra o Irã. É verdade que seu segundo mandato foi inviabilizado por um Congresso conservador, que vetou praticamente todas as suas propostas. Isso não diminui suas responsabilidades e não atenua seus fracassos.

Internamente - numa democracia que é ótima para o americano de classe média, empregado e preferencialmente dono de uma arma -, Obama foi um bom presidente. (E também essa será, provavelmente, a avaliação dos estudiosos que adoram falar de democracia procedimental, diga-se de passagem).

Para os demais americanos, inclusive os pobres, os negros - que continuaram sendo mortos pela polícia americana - e os imigrantes que vivem em seu país, seu governo mantém a marca dos governos americanos do pós-guerra: controle e repressão. Aliás, os vários homicídios de negros pela polícia, durante seu governo, mostram que sequer no âmbito doméstico Obama quis (ou teve condições, sendo um pouco generoso) de escrever uma história diferente.

Em seu discurso, Obama falou muito de democracia. Acertou em algumas dessas frases de efeito, quando disse, por exemplo, que “a democracia pode cambalear quando entregue ao medo”.  Mas, sem ter muito a apresentar aos conterrâneos e ao mundo, apostou em ratificar o lugar de “lobo mau” para Trump (como se o mundo desconhecesse o pedigree do novo presidente americano). Para todos os efeitos, somos maduros o suficiente para entendermos que nem sempre a versão de Chapeuzinho Vermelho espelha a verdadeira história.

E por falar em democracia -  a menina-dos-olhos dos norte-americanos -, trata-se de um belo “conto da carochinha” que teimamos em acreditar. Cumprindo os ritos formais (eleições regulares, liberdade de expressão e opinião, mídia livre, poderes pretensamente autônomos), os regimes democráticos simplesmente institucionalizaram, nos últimos 30 anos, governos eleitos para servirem de prepostos daqueles que dominam o mundo: os rentistas que concentram riqueza e renda. Todos a serviço do grande capital.

Portanto, Obama será lembrado como o 44º presidente dos Estados Unidos. E, para nós, como o presidente cujo governo apoiou mais um golpe no Brasil. Sendo assim, bye, bye, Mr. Barack Obama!


Entrevista "Brasil de Fato MG" sobre sistema prisional brasileiro

Penitenciária de Manaus, onde foram executados 56 presos no início deste ano.

“POBRES E NEGROS SÃO AS PRINCIPAIS VÍTIMAS DO SISTEMA PRISIONAL”, AFIRMA ESTUDIOSO

VIOLÊNCIA: Percentual de aprisionados no país cresce 15 vezes mais que a população

Wallace Oliveira - BdeF Minas

A população carcerária no Brasil já ultrapassou mais de 600 mil pessoas. A cada dia um preso é assassinado. Só em 2016, foram mais de 370 mortes violentas nesses estabelecimentos, segundo dados públicos. Nos últimos dias, no Amazonas e em Roraima, o país presenciou o maior massacre em unidades prisionais desde a chacina de Carandiru. Entretanto, governos, meios de comunicação e a maioria da população insistem em apontar como solução medidas que, aplicadas ao longo de décadas, já se mostraram fracassadas: aumento das prisões, punição e violência promovida pelo Estado, em um modelo que atinge seletivamente os mais pobres, negros e jovens da periferia. Para discutir esse assunto, o Brasil de Fato MG conversou com o cientista social Robson Sávio, coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, o NESP, e associado pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Sávio também é membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos de Minas Gerais e coordenador-adjunto da Comissão da Verdade em Minas.


Brasil de Fato MG: O que se pode dizer sobre os presídios em funcionamento em Minas Gerais atualmente? Qual a condição das pessoas que estão nesses presídios? Eles são adequados à recuperação?
Robson Sávio: A população carcerária cresce absurdamente no Brasil. Entre 2005 e 2012, portanto em sete anos, esse aumento foi 74%, enquanto a população brasileira cresceu apenas 5,3% no mesmo período, segundo o IBGE. Em Minas Gerais, o número de presos foi multiplicado por sete: cresceu 624% nesse período. Hoje, o estado tem quase 70 mil presos, sendo que mais de 40% sequer tem uma sentença definitiva (os chamados presos provisórios). A superlotação do sistema prisional de Minas é da ordem de 111%. Ademais, temos problemas estruturais, como a questão da qualificação dos agentes prisionais. Com exceção dos presos que estão abrigados nas Associações de Proteção e Assistência ao Condenado, as Apacs, a situação do sistema tradicional reproduz o caos do sistema prisional brasileiro. Nessas condições precárias, com vínculos familiares e sociais rompidos, entregues às facções que comandam as prisões, não há que se falar em “recuperação”. As taxas de reincidência criminal no país chegam a 80% e Minas não foge à regra.

Brasil de Fato MG: O primeiro presídio privado do país, gerido por PPP, está em Ribeirão das Neves (MG). O modelo foi anunciado como forma de se promover a segurança, eficiência e uma condição digna para os detentos. Justificativas semelhantes aparecem no PLS 513/2011, sobre a contratação de parceria público-privada para construir e gerir estabelecimentos penais. Como você vê esse modelo?
Robson Sávio: O presídio administrado por PPP de Neves tem a função de ser uma espécie de fotografia bonita para justificar a sanha privatista que ronda o sistema prisional mineiro e brasileiro. Nele, não há superlotação; os presos são seletivamente escolhidos, porque têm que trabalhar. Há condições para o exercício laboral, assistência médica, jurídica e social. Ora, se essas mesmas condições, determinadas pela Lei de Execução Penal (e não cumpridas pelo Estado), fossem implementadas nas prisões do sistema tradicional, não teríamos esses locais transformados em quartéis-generais do crime organizado. Ademais, os presos do presídio privado de Neves são monitorados por sistemas eletrônicos dos mais modernos; tudo para controlar a unidade prisional e evitar fugas e rebeliões. E o custo, muito mais alto que o sistema tradicional. Ou seja, o estado investe muito no seu cartão-de-visita a justificar a privatização dos presídios e deixa à míngua uma imensa quantidade de presos.  Como temos uma expansão da indústria do preso com o adensamento da massa carcerária - e muitos homens de bens e empresas ganham com isso (inclusive com o caos e o descontrole estatal do sistema) -, os presídios privados estão se transformando num novo filão para o ganho de capitalistas que só pensam em dinheiro; nunca nas pessoas. A carnificina de Manaus prova que prisões terceirizadas tendem a complicar ainda mais a questão prisional.

Brasil de Fato MG: Na última semana, Temer e o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, anunciaram medidas para amenizar a crise no sistema prisional. A principal ação seria um gasto de mais de R$ 400 milhões para construir novos presídios e aumentar a segurança dos que já existem. Qual a sua avaliação sobre essas medidas?
Robson Sávio: Há uma máquina de aprisionamento no país. A sociedade, vingativa e mal informada, acha que a prisão é o lenitivo para todos os crimes; o poder judiciário (cujos juízes, promotores e advogados sequer conhecem a realidade prisional) age seletivamente, entupindo as cadeias de usuários e microtraficantes de drogas e ladrões de galinhas - que serão as presas fáceis das organizações criminosas que comandam o sistema. Aliás, dos quatro países com as maiores populações carcerárias do mundo, o Brasil é o único que desde 2008 aumentou seu número de presos. Este dado revela que existe uma clara preferência do Judiciário brasileiro pelo encarceramento em massa e que os juízes que prendem não se sentem responsáveis pela tragédia que é o nosso sistema penitenciário. Por fim, o poder executivo colabora com essa máquina do aprisionamento, seja através da ação seletiva das polícias (que prendem muito e prendem mal) ou não tomando as medidas necessárias para uma gestão e controle eficientes do sistema. Ora, construir mais prisões nessas condições é colaborar com o adensamento das facções criminosas, com a indústria do preso e da insegurança (que enriquece muitas pessoas e instituições) e não resolve absolutamente em nada a situação atual nem futura.

Brasil de Fato MG: Quando se discute o combate à criminalidade no Brasil, por que tantas pessoas preferem vingança e punição à reeducação?
Robson Sávio: Temos uma cultura punitiva, que começa dentro de casa, espraia-se nas relações interpessoais e sociais, passa pela educação formal e ratifica a crença segundo a qual a punição é melhor que a prevenção, a negociação, a mediação de conflitos, etc. Ademais, nosso modelo educacional não educa para a solidariedade, responsabilidade, cidadania. É cada um por si e Deus por todos. Nessas condições, com um sistema de justiça altamente seletivo, polícias violentas e poderes públicos sem credibilidade, parece que a única solução é tentar de todas as maneiras se dar bem e torcer para que a lei valha somente para o outro que, quando erra, deve ser severamente punido. De uma maneira geral, todos achamos que o outro é perigoso e que nós e os nossos somos os bons. Acontece, que o outro também pensa assim sobre nós. Quem entra, então, para o sistema de justiça criminal? Primeiro critério de entrada, a renda; segundo, a etnia e terceiro o acesso à justiça. Assim, pobres, negros e jovens da periferia sem advogados são as principais vítimas desse sistema. Quem tem bons advogados, é branco, classe média serve-se dessa legislação propositalmente confusa e com inúmeros recursos e conseguirá, na maioria das vezes, se livrar das armadilhas do sistema de punição e vingança social, concretizado no sistema prisional.

Brasil de Fato MG: Que alternativas podemos pensar ao atual sistema prisional?
Robson Sávio: São medidas de médio e longo prazo: separar os membros de facções criminosas para evitar novos massacres; reformar nossas polícias e a justiça; controlar as prisões; tirar os presos condenados das delegacias; separar presos perigosos dos demais; ampliar as vagas no sistema prisional (não com a criação de mais prisões, mas com a liberação de vagas ocupadas por presos provisórios); estimular a participação da comunidade nos processos de ressocialização; ampliar programas de prevenção ao uso de drogas, oferecendo oportunidades a jovens em situação de vulnerabilidade fora das prisões e de tratamento de dependentes dentro das prisões; criar programas de acompanhamento e orientação para egressos; intensificar a aplicação das penas e medidas alternativas, com fiscalização eficiente do poder público; oferecer acompanhamento jurídico dos processos dos condenados;  manter os condenados no seu local de origem, visando o não rompimento de vínculos familiares e sociais; proporcionar a todos os presos com sentença definitiva a oferta de trabalho e educação. A empreitada é grande. Mas, precisa ser enfrentada. O resto é conversa pra boi dormir.


Fonte: Brasil de Fato MG, edição 168, de 13/01/2017, página 11.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Por que Alexandre de Moraes não é exonerado?


Como explicar a permanência do ministro que foi desmentido duas vezes pela governadora de Roraima (depois de negar ajuda federal ao estado prestes a conviver com uma carnificina nas prisões, como ocorrera de fato); de mostrar total desconhecimento sobre o caos na penitenciária de Manaus [1]; que é o responsável pela militarização da política de drogas; que se usa da Lava Jato como degrau político [2] e que pretende desviar recursos do Fundo Penitenciário para atividades policiais? [3]

Alexandre de Moraes faz em Brasília o que fazia com desenvoltura em São Paulo, quando secretário estadual de segurança pública. Naquele estado, a política de segurança pública é tida como exitosa pela exponencial redução dos homicídios.

Porém, o custo da redução é questionável. Pairam graves suspeitadas, levantadas por qualificados pesquisadores e operadores de segurança pública, sobre o papel do PCC – que nasceu nas prisões paulistas -, na regulação das disputas geradoras de homicídios.

Segundo minha colega do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a professora Camila Nunes, da UFABC, uma das maiores estudiosas do PCC, além de ocupar um lugar de destaque na economia criminal, sobretudo no tráfico de drogas, o PCC se constitui como uma instância de mediação e regulação de conflitos – principalmente, mas não só, daqueles relativos às atividades ilícitas. Regulando disputas, dirimindo contendas, mediando acordos, julgando e estabelecendo punições, o PCC acaba por exercer o controle sobre práticas individuais e coletivas e é neste sentido que a posição hegemônica que ocupa no cenário criminal paulista pode estar relacionada com a acachapante queda das taxas de homicídios a partir do início da década de 2000. Contudo, a manutenção da hegemonia do PCC é dependente de um equilíbrio precário que envolve relações tensas e ambíguas com o poder público, sobretudo com as forças policiais e a administração prisional. A “pacificação” (drástica redução dos homicídios) das prisões e da periferia paulista tem forte conexão com este equilíbrio precário e dele é dependente. 

É importante dizer, também, que São Paulo, governado há duas décadas pelo tucanato, é um dos estados com as maiores taxas de letalidade policial. Segundo Philip Alston, que foi relator especial da ONU para execuções sumárias, as polícias de São Paulo utilizam a força letal e não a inteligência para controlar o crime; mais do que isso, esta força letal é utilizada para a proteção do patrimônio e não da vida. [4] Isso sem considerar uma polícia que, geralmente, é truculenta em relação a manifestações de movimentos sociais e dócil quando se trata de manifestações de grupos de direita.

Ou seja, há hipóteses razoáveis a atribuírem que a redução dos homicídios em São Paulo é fruto de pelo menos três custos altíssimos: a criação e consolidação do PCC, depois da política de encarceramento em massa; o controle das prisões por essa facção criminosa e o aumento da violência policial.

Na condição de secretário de segurança de São Paulo, Moraes pontificava sem ser incomodado. Nunca admitia críticas, principalmente se os questionamentos originavam de pesquisadores e estudiosos, qualificados pelos brucutus da segurança pública como inexperientes e palpiteiros.

Recentemente, já como ministro da justiça, Moraes protagonizou uma dessas cenas de ataques descabidos a quem ousou criticar sua “política de drogas”. A convite do Ministério da Justiça, um grupo de especialistas da área da segurança pública participou de uma audiência com o ministro para analisar a proposta do Plano Nacional de Segurança pública, em meados de dezembro de 2016. Uma das participantes, minha colega Julita Lemgruber - referência nacional e internacional na área da segurança pública; a primeira mulher a dirigir o sistema prisional do País, no Estado do Rio de Janeiro; ex-ouvidora de polícia do mesmo Estado, com inestimável produção acadêmica e trajetória admirável -, criticou a proposta do plano nacional de segurança, principalmente em relação à guerra às drogas. Na ocasião escreveu: estive na última segunda, dia 12 (de dezembro), com outros especialistas em segurança pública (éramos cinco pessoas) em reunião para ouvir o Ministro da Justiça apresentar seu Plano Nacional de Segurança Pública. Já me sentei, ao longo dos meus mais de 30 anos trabalhando nessa área, com vários ministros e ouvi vários planos. Este, definitivamente, é o pior de todos. Ao invés da promessa de focar na redução de homicídios, o que já seria uma tarefa hercúlea, o plano quer até erradicar as plantações de maconha no Paraguai. Seria cômico se não fosse trágico. E, pior, o Ministro está querendo desviar o Fundo Penitenciário para aumentar sete vezes o contingente da Força Nacional, mesmo levando em conta que seu plano vai contribuir para agravar a superlotação do sistema penitenciário. Muito grave!

Em redes sociais oficiais e no site do Ministério da Justiça, Moraes desqualificou a estudiosa de forma violenta. Várias entidades, entre elas o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Instituto Sou da Paz, o Instituto Igarapé e o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania do Rio de Janeiro (Cesec), publicaram nota pública repudiando as declarações do ministro contra uma pesquisadora que “é uma referência ética que honra e orienta aqueles que buscam um Brasil mais seguro e pacífico”.

Aliás, sobre o Plano Nacional de Segurança Pública, lançado às pressas nessa sexta (06/01), mapeei jornais neste fim de semana e percebi uma quase unanimidade nas críticas ácidas por parte de especialistas, estudiosos, operadores, promotores e até magistrados [5]. Somente alguns lambe-botas dessa imprensa venal fizeram elogios, mesmo assim, envergonhados. Será que todos - que estudamos e trabalhamos na área (no meu caso, inclusive já tendo presidido entidade [não empresa, diga-se de passagem] gestora de unidade prisional) - estamos errados e o ministro é o único certo? Em tempos de pensamento único é possível que ele, Temer e seus serviçais pensem assim. Curiosamente, Temer também foi secretário de Segurança Pública em São Paulo. Há 30 anos, policiais paulistas pediam sua demissão do cargo, chamando-o de "secretário sinistro". Não é à toa que muitos chamam Moraes de "sinistro da justiça".

Aliás, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária antecipará reunião para aprovar uma moção de repúdio ao referido Plano. [6]

Portanto, o que explicaria a intocabilidade de Moraes à frente do Ministério da Justiça? Para mim a resposta é óbvia: Moraes pertence ao grão-tucanato, os verdadeiros governantes dessa república das bananeiras, sob os quais Temer ocupa o posto de mamulengo. Ademais, Moraes é a encarnação de um segmento poderoso da política tucana de segurança pública, cuja experiência real se concretiza em São Paulo.



[1] Ignorando um relatório feito pelo próprio poder público sobre uma possível rebelião motivada pelo confronto entre as facções, dado que em dezembro de 2015, representantes do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura – órgão então vinculado ao extinto Ministério dos Direitos Humanos e que agora está sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça – estiveram no Compaj e em outras três penitenciárias amazonenses e num documento de 45 páginas informaram aos seus superiores e ao Ministério Público Federal que havia um forte contexto de disputas e tensionamentos entre os grupos no sistema penitenciário estadual e concluíram que “a ação da administração penitenciária é limitada e omissa diante da ação das facções criminosas”.
[2]  Na noite de domingo 25 de setembro de 2016, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, usou informações sigilosas a respeito do andamento das investigações para fazer campanha para seu partido, o PSDB, no interior de São Paulo.
[3] Michel Temer baixou no dia 20 de dezembro uma medida provisória que transfere parte de recursos destinados ao Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), verba prevista para construir e reformar unidades prisionais, para a Segurança Pública. De forma abrangente, o texto informa que será possível usar recursos para políticas de “redução da criminalidade e da população carcerária”, além de “atividades preventivas, até de inteligência policial”. A medida ainda alterou a distribuição do dinheiro arrecadado em loterias, principal fonte do Funpen. Antes, 3% da verba ia para o fundo, cujo saldo era de R$ 3,3 bilhões em outubro, segundo levantamento da ONG Contas Abertas. Agora, o repasse será de 2,1%, enquanto 0,9% vai para o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP).
[4]  Sobre esse tema ver relatório de Philip Alston, Relator Especial da ONU para Execuções Sumárias, quando da sua visita ao Brasil em 2007 (Relatório ONU – A/HCR/11/2/Add.2, 29/08/2008).  

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Chacina de Manaus é ponta de um imenso iceberg


A chacina no presídio de Manaus esconde um iceberg imenso: a política de segurança pública brasileira continua relegada a um segundo plano.

O sistema prisional é um dos subprodutos do que acontece em termos mais amplo na segurança pública.

A bem da verdade, os dilemas da segurança pública no Brasil nunca foram enfrentados. Nem mesmo no processo de redemocratização. A Constituição Federal de 1988 não eliminou as mazelas da justiça e das polícias. O Congresso não aprovou, desde então, nenhuma reforma para melhorar os sistemas policial e penitenciário. O Executivo, durante os governos FHC e Lula, implementou alguns “remendos novos num pano velho”, sem alterações substantivas da política de segurança. E o Judiciário? Continua a produzir uma justiça seletiva, que corrobora a impunidade – um dos motores da violência generalizada.

O resultado desse caos: quase 60 mil homicídios por ano; a quarta maior população prisional; as grandes prisões administradas por facções criminosas; o governo refém de tais organizações.

O sistema prisional é produtor da criminalidade. Não funciona como instrumento de dissuasão do crime; muito menos cumpre a função de reintegração social do egresso.

Como se não bastasse esse cenário grotesco, convivemos com altíssimos índices de reincidência criminal e elevadíssimos indicadores de crimes contra pessoa e o patrimônio.

E o problema não é dinheiro: os gastos com o sistema de justiça criminal (segurança pública e sistema de justiça) são estratosféricos. Despesas com segurança pública consomem anualmente cerca de 80 bilhões de reais. Temos um dos sistemas judiciários mais onerosos do planeta, que consome anualmente 1,3% do Produto Interno Bruto, ou 2,7% de tudo que é gasto pela União, pelos estados e municípios. Esse nível de gasto com o Judiciário só é encontrado na Suíça, cuja população é 25 vezes menor e a renda, cinco vezes maior. O custo aumenta quando somado o orçamento do Ministério Público, que não dá transparência às suas despesas. Vai a 1,8% do PIB, o equivalente a R$ 87 bilhões (US$ 26,3 bilhões). Supera o orçamento de metade dos estados.

E por que não há mudanças no sistema de justiça criminal brasileiro?

1. Porque as elites das instituições desse sistema (das polícias, do MP, do judiciário) mantém e não abrem mão de privilégios que esse modelo foi consolidando ao longo do tempo.
2. Porque os governantes, dos três poderes, se beneficiam desse modelo, à medida que cumpre funções discricionárias de controle e repressão social seletiva.

3. O sistema fundamentalmente patrimonialista, elitista, seletivo e discricionário agrada setores conservadores da sociedade e da mídia.

4. A violência, fruto desse desarranjo estrutural, atinge com muito mais intensidade os pobres, negros e jovens da periferia.

5. O descontrole produz ganhos financeiros e de poder para muitos segmentos que lucram com a situação (a indústria que fatura com a violência, desde a indústria dos seguros, passando pela indústria bélica; as empresas fornecedoras do sistema prisional, etc.).

6. Para uma sociedade desigual como a nossa, o sistema de justiça criminal funciona como instrumento de controle social dos pobres e dos “consumidores falhos”.

Para piorar e muito a situação, o sistema prisional, como informado acima, funciona numa imensa promiscuidade, refém de organizações criminosas que dominam as prisões.
Ademais, três fatores alimentam a expansão prisional, denominados como vê-se na figura seguinte.


Figura 1 - Principais fatores que alimentam e inflam o sistema prisional brasileiro



Fonte: SOUZA; MARINHO (2011); MARINHO; SOUZA (2012, p.23).

Ao centro, uma bolha, representada pelo Sistema Prisional Brasileiro e, nas extremidades, três mecanismos estruturais que alimentam tal bolha: o tradicionalismo penal/punitivo; a ineficiência na reinserção social do condenado/ reincidência criminal e os presos provisórios. Esses três grandes inputs, imbricados, alimentam a expansão e a reprodução de um sistema prisional, congregando os aspectos mais amplos da cultura punitiva brasileira: “mais sensível” aos atos delitivos cometidos por pessoas pertencentes a grupos ou classes sociais em situação de desvantagem socioeconômica.

Os governos, principalmente no plano federal, insistem nas mesmas medidas punitivas, bélicas e repressivas para tamponar os momentos caóticos, como ocorre agora, sem envidar esforços para reestruturação do sistema.

E o atual ministro da justiça propõe, em seu plano de segurança, retirar dinheiro do Fundo Penitenciário para aplicar em policiamento. Como se não tivéssemos um déficit de quase 300 mil vagas prisionais e a quarta maior população de presos do mundo. Isso sem contar as condições de violência nas prisões. Algumas, mais parecem campos de concentração nazistas.

Resultado: tudo indica que a situação vai piorar...