terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Chacina de Manaus é ponta de um imenso iceberg


A chacina no presídio de Manaus esconde um iceberg imenso: a política de segurança pública brasileira continua relegada a um segundo plano.

O sistema prisional é um dos subprodutos do que acontece em termos mais amplo na segurança pública.

A bem da verdade, os dilemas da segurança pública no Brasil nunca foram enfrentados. Nem mesmo no processo de redemocratização. A Constituição Federal de 1988 não eliminou as mazelas da justiça e das polícias. O Congresso não aprovou, desde então, nenhuma reforma para melhorar os sistemas policial e penitenciário. O Executivo, durante os governos FHC e Lula, implementou alguns “remendos novos num pano velho”, sem alterações substantivas da política de segurança. E o Judiciário? Continua a produzir uma justiça seletiva, que corrobora a impunidade – um dos motores da violência generalizada.

O resultado desse caos: quase 60 mil homicídios por ano; a quarta maior população prisional; as grandes prisões administradas por facções criminosas; o governo refém de tais organizações.

O sistema prisional é produtor da criminalidade. Não funciona como instrumento de dissuasão do crime; muito menos cumpre a função de reintegração social do egresso.

Como se não bastasse esse cenário grotesco, convivemos com altíssimos índices de reincidência criminal e elevadíssimos indicadores de crimes contra pessoa e o patrimônio.

E o problema não é dinheiro: os gastos com o sistema de justiça criminal (segurança pública e sistema de justiça) são estratosféricos. Despesas com segurança pública consomem anualmente cerca de 80 bilhões de reais. Temos um dos sistemas judiciários mais onerosos do planeta, que consome anualmente 1,3% do Produto Interno Bruto, ou 2,7% de tudo que é gasto pela União, pelos estados e municípios. Esse nível de gasto com o Judiciário só é encontrado na Suíça, cuja população é 25 vezes menor e a renda, cinco vezes maior. O custo aumenta quando somado o orçamento do Ministério Público, que não dá transparência às suas despesas. Vai a 1,8% do PIB, o equivalente a R$ 87 bilhões (US$ 26,3 bilhões). Supera o orçamento de metade dos estados.

E por que não há mudanças no sistema de justiça criminal brasileiro?

1. Porque as elites das instituições desse sistema (das polícias, do MP, do judiciário) mantém e não abrem mão de privilégios que esse modelo foi consolidando ao longo do tempo.
2. Porque os governantes, dos três poderes, se beneficiam desse modelo, à medida que cumpre funções discricionárias de controle e repressão social seletiva.

3. O sistema fundamentalmente patrimonialista, elitista, seletivo e discricionário agrada setores conservadores da sociedade e da mídia.

4. A violência, fruto desse desarranjo estrutural, atinge com muito mais intensidade os pobres, negros e jovens da periferia.

5. O descontrole produz ganhos financeiros e de poder para muitos segmentos que lucram com a situação (a indústria que fatura com a violência, desde a indústria dos seguros, passando pela indústria bélica; as empresas fornecedoras do sistema prisional, etc.).

6. Para uma sociedade desigual como a nossa, o sistema de justiça criminal funciona como instrumento de controle social dos pobres e dos “consumidores falhos”.

Para piorar e muito a situação, o sistema prisional, como informado acima, funciona numa imensa promiscuidade, refém de organizações criminosas que dominam as prisões.
Ademais, três fatores alimentam a expansão prisional, denominados como vê-se na figura seguinte.


Figura 1 - Principais fatores que alimentam e inflam o sistema prisional brasileiro



Fonte: SOUZA; MARINHO (2011); MARINHO; SOUZA (2012, p.23).

Ao centro, uma bolha, representada pelo Sistema Prisional Brasileiro e, nas extremidades, três mecanismos estruturais que alimentam tal bolha: o tradicionalismo penal/punitivo; a ineficiência na reinserção social do condenado/ reincidência criminal e os presos provisórios. Esses três grandes inputs, imbricados, alimentam a expansão e a reprodução de um sistema prisional, congregando os aspectos mais amplos da cultura punitiva brasileira: “mais sensível” aos atos delitivos cometidos por pessoas pertencentes a grupos ou classes sociais em situação de desvantagem socioeconômica.

Os governos, principalmente no plano federal, insistem nas mesmas medidas punitivas, bélicas e repressivas para tamponar os momentos caóticos, como ocorre agora, sem envidar esforços para reestruturação do sistema.

E o atual ministro da justiça propõe, em seu plano de segurança, retirar dinheiro do Fundo Penitenciário para aplicar em policiamento. Como se não tivéssemos um déficit de quase 300 mil vagas prisionais e a quarta maior população de presos do mundo. Isso sem contar as condições de violência nas prisões. Algumas, mais parecem campos de concentração nazistas.

Resultado: tudo indica que a situação vai piorar...

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