A chacina no presídio de Manaus esconde um iceberg imenso: a política de segurança
pública brasileira continua relegada a um segundo plano.
O sistema
prisional é um dos subprodutos do que acontece em termos mais amplo na
segurança pública.
A bem da
verdade, os dilemas da segurança pública no Brasil nunca foram enfrentados. Nem
mesmo no processo de redemocratização. A Constituição Federal de 1988 não
eliminou as mazelas da justiça e das polícias. O Congresso não aprovou, desde
então, nenhuma reforma para melhorar os sistemas policial e penitenciário. O Executivo,
durante os governos FHC e Lula, implementou alguns “remendos novos num pano
velho”, sem alterações substantivas da política de segurança. E o Judiciário? Continua
a produzir uma justiça seletiva, que corrobora a
impunidade – um dos motores da violência generalizada.
O resultado desse caos: quase 60 mil homicídios por ano; a quarta
maior população prisional; as grandes prisões administradas por facções
criminosas; o governo refém de tais organizações.
O sistema prisional é produtor da criminalidade. Não funciona
como instrumento de dissuasão do crime; muito menos cumpre a função de reintegração
social do egresso.
Como se não bastasse esse cenário grotesco, convivemos com
altíssimos índices de reincidência criminal e elevadíssimos indicadores de crimes
contra pessoa e o patrimônio.
E o problema não é dinheiro: os gastos com o sistema de
justiça criminal (segurança pública e sistema de justiça) são estratosféricos.
Despesas com segurança pública consomem anualmente cerca de 80 bilhões de reais.
Temos um dos sistemas judiciários mais onerosos do planeta, que consome
anualmente 1,3% do Produto Interno Bruto, ou 2,7% de tudo que é gasto pela
União, pelos estados e municípios. Esse nível de gasto com o Judiciário só é
encontrado na Suíça, cuja população é 25 vezes menor e a renda, cinco vezes
maior. O custo aumenta quando somado o orçamento do
Ministério Público, que não dá transparência às suas despesas. Vai a 1,8% do
PIB, o equivalente a R$ 87 bilhões (US$ 26,3 bilhões). Supera o orçamento de
metade dos estados.
E por que não há mudanças no sistema de justiça criminal
brasileiro?
1. Porque as elites das instituições desse sistema (das polícias, do MP, do judiciário) mantém e não abrem mão de privilégios que esse modelo foi consolidando ao longo do tempo.
2. Porque os
governantes, dos três poderes, se beneficiam desse modelo, à medida que cumpre
funções discricionárias de controle e repressão social seletiva.
3. O sistema fundamentalmente patrimonialista, elitista, seletivo e discricionário agrada setores conservadores da sociedade e da mídia.
4. A violência, fruto desse desarranjo estrutural, atinge com muito mais intensidade os pobres, negros e jovens da periferia.
5. O descontrole produz ganhos financeiros e de poder para muitos segmentos que lucram com a situação (a indústria que fatura com a violência, desde a indústria dos seguros, passando pela indústria bélica; as empresas fornecedoras do sistema prisional, etc.).
6. Para uma sociedade desigual como a nossa, o sistema de justiça criminal funciona como instrumento de controle social dos pobres e dos “consumidores falhos”.
Para piorar e muito a situação, o sistema prisional, como
informado acima, funciona numa imensa promiscuidade, refém de organizações
criminosas que dominam as prisões.
Ademais, três fatores alimentam a expansão
prisional, denominados como vê-se na figura seguinte.
Fonte: SOUZA; MARINHO (2011); MARINHO;
SOUZA (2012, p.23).
Ao centro,
uma bolha, representada pelo Sistema Prisional Brasileiro e, nas extremidades,
três mecanismos estruturais que alimentam tal bolha: o tradicionalismo
penal/punitivo; a ineficiência na reinserção social do condenado/ reincidência
criminal e os presos provisórios. Esses três grandes inputs, imbricados, alimentam a expansão e a reprodução de um
sistema prisional, congregando os aspectos mais amplos da cultura punitiva
brasileira: “mais sensível” aos atos delitivos cometidos por pessoas
pertencentes a grupos ou classes sociais em situação de desvantagem
socioeconômica.
Os governos, principalmente no plano federal, insistem nas
mesmas medidas punitivas, bélicas e repressivas para tamponar os momentos
caóticos, como ocorre agora, sem envidar esforços para reestruturação do
sistema.
E o atual ministro da justiça propõe, em seu plano de
segurança, retirar dinheiro do Fundo Penitenciário para aplicar em
policiamento. Como se não tivéssemos um déficit
de quase 300 mil vagas prisionais e a quarta maior população de presos do
mundo. Isso sem contar as condições de violência nas prisões. Algumas, mais
parecem campos de concentração nazistas.
Resultado: tudo indica que a situação vai piorar...
Nenhum comentário:
Postar um comentário