quarta-feira, 30 de março de 2016

Uma inocente julgada por ladrões


A coalizão de direita, aos poucos, vai conseguindo seu intento. O golpe vai avançando, liderado pelo filhote mais ilustre da ditadura, o grupo Globo (e seus parceiras da velha mídia); parte do empresariado subserviente do capitalismo global e incompetente desde sempre, porque nunca construiu uma indústria nacional autônoma e voltada aos interesses dos brasileiros, guiado pela Fiesp; grupos da classe média - saudosos da supremacia da Casa Grande e um bando de políticos que “se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão”.

Muitos confiam numa reversão da empreitada golpista pelo Supremo Tribunal Federal. É bom lembrar de 1964 e não alimentar muitas ilusões. Quanta inocência pensar em isonomia e independência da justiça brasileira! Há uma casta jurídica consolidada no país (formada por advogados de banca, e um grupo significativo de promotores, magistrados e policiais) que não abre mão de privilégios e tem no sistema de justiça as salvaguardas para se manterem no poder. Por isso, o STF facilmente se curvará aos ditames dos varões de Plutarco aninhados na Câmara dos Deputados. Tudo em nome de uma pseudo-independência dos poderes. Acreditar em independência e harmonia entre os poderes no Brasil é como acreditar noutra lenda iluminista: a superioridade da razão.

Muitos queremos crer que a história julgará e condenará os golpistas. Por isso esbravejamos, “não vai ter golpe!” Mas, a bem da verdade, na história do Brasil os crimes contra a democracia, como outros crimes praticados pelos ricos (evasão fiscal, sonegação de impostos, apropriação indébita de bens públicos, grilagem de terras e tantos outros) sempre compensaram. Os golpistas planejaram e executaram as rupturas institucionais em 1930, 1937, 1964 e, mais recentemente, em 1984, quando deputados, a maioria filhotes da ditadura, impediram a eleição direta para presidente. 

Nunca um golpista foi condenado. Como nossa história sempre é contada a partir da visão das elites vencedoras e nosso sistema educacional não se importa com formação à cidadania, apaga-se, maquia-se e desdenha-se facilmente a verdade.

Tragicamente, quando no poder, o PT não foi firme na luta pela memória e pela verdade e foi incapaz de reformar o sistema de segurança pública: essa estrutura jurídico-policial criada para incriminar, perseguir, vigiar e punir os pobres, os trabalhadores, os movimentos sociais, os negros, as mulheres e outras minorias. Ao contrário, o PT manteve intocados os torturadores e assassinos incrustados nessas estruturas e que desde sempre deram o devido respaldo à coalizão de direita.

Mas, qual o crime praticado por Dilma? Pedaladas fiscais? Contem-me outra história. Se esse for o crime, nenhum governador se livraria da perda de mandato; sem contar que presidentes anteriores, que cometeram os mesmos erros, nunca foram sequer questionados. Dinheiro de empresas abastecendo sua campanha? Deixem de ser hipócritas! Todos os partidos e os salvadores que se apresentam nesse momento estão na mesma vala-comum e a “lista da Odebrecht” não deixa dúvidas a esse respeito. Obstrução à justiça? Onde estão as provas? Não há posição do Judiciário sobre esse fato. Recessão econômica? Em boa medida, a crise política fabricada artificialmente pela coalizão de direita aprofundou a decadência econômica atual. 

Ademais, quem garante que os moralistas sem moral que se postam como solução para a crise terão condições de superar os impasses econômicos, pela sua magnitude. Só o farão se estuprarem os direitos trabalhistas, como constam alguns programas apresentados por víboras do PMDB e do PSDB, descaradamente.

A comissão do impeachment, um clube de gatunos, salvo exceções, e o presidente da Câmara, sujeito inclassificável, não têm moral para julgarem sequer um serial killer confesso. Quanto mais, uma presidenta eleita democraticamente.

Agora, no mar da lama da corrupção, o que resta é a traição. Ratos saindo dos porões à caça de migalhas do banquete de usurpadores da nação que se postam como salvadores da pátria. E o PMDB, o histórico cafetão da política nacional, cumpre, mais uma vez, sua sina de vendilhão do templo da democracia.


Para todos os efeitos, é uma vergonha observar, meio impotente, uma mulher honesta e justa, sem nenhum crime comprovado, ser traída e julgada por figuras como Eduardo Cunha, Michel Temer e Renan Calheiros: os três mosqueteiros que, segundo inúmeras denúncias, seriam especializados na pilhagem do erário. Vergonha maior é observar que gatunos graduados na ladroagem de outros tantos partidos, que só pensam em si e nos seus interesses, já negociam até as próprias vísceras para se safarem da enxurrada de denúncias e escândalos que envolvem suas biografias e almejam participar, incólumes, do banquete fétido de um próximo governo ilegítimo.

E mesmo que o impeachment seja enterrado, a governança política do país, na atual conjuntura, parece ser uma espada de Dâmocles rente ao pescoço de Dilma Rousseff. Aliás, com o sistema político destroçado nessa guerra fratricida pelo poder, haveria salvação para qualquer governo no futuro?


Ao invés de uma saída política negociada, uma recomposição de diferentes forças políticas em prol dos interesses nacionais, visando uma saída segura e constitucional da crise, os profetas do caos preferem lançar o país num mar turvo de incertezas acerca de nosso futuro como nação. O preço será alto demais. E certamente, serão os mesmos de sempre a pagarem essa conta. 

terça-feira, 29 de março de 2016

LEGALIDADE E RISCOS PARA A DEMOCRACIA NUMA EVENTUAL RUPTURA INSTITUCIONAL NO BRASIL




Assista, acima, o programa Mundo Político da TV Assembleia de Minas. Conduzido pelo jornalista Marco Soalheiro, o programa entrevista o cientista social e coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, professor Robson Sávio Reis Souza. 

O entrevistado avalia os embates políticos e jurídicos em torno do processo de impeachment em curso no Congresso e afirma que, na conjuntura atual, um impedimento da presidente Dilma Rousseff pode ser caracterizado com um golpe. 

Para Robson Sávio, a ruptura institucional não tem unanimidade nem entre juristas, nem na sociedade por conter vários vícios e riscos para a consolidação da democracia. 

O entrevistado também fala sobre os principais atores políticos pro e contra o impeachment e a posição dos movimentos sociais nesse contexto de acirrada disputa política.




Veículo: TV Assembleia de Minas Gerais
Programa: Mundo Político
Apresentador: Marco Antônio Soalheiro
Entrevistado: Robson Sávio Reis Souza
Duração: 26 minutos
Datas de exibição: dias 28 e 29/03/2016

segunda-feira, 28 de março de 2016

Da Agência Brasil: Para intelectuais estrangeiros, democracia brasileira está ameaçada

Manifesto já tem mais de mil adesões

Por Felipe Pontes - Da Agência Brasil
Um manifesto online, assinado por 51 acadêmicos especializados em estudos sobre o Brasil em universidades estrangeiras, diz que a democracia brasileira encontra-se “seriamente ameaçada” pelo atual clima político. O documento, que convoca intelectuais estrangeiros a aderirem ao texto, já recebeu mais de mil subscrições até a manhã desta segunda (28), desde que foi lançado, há quatro dias.
Idealizado pelo historiador James Green, da Universidade Brown, em Rhode Island, nos Estados Unidos, e o sociólogo brasileiro Renan Quinalha, pesquisador convidado na Brown, o manifesto reconhece a legitimidade e a necessidade do combate à corrupção por meio de inquéritos como os da Operação Lava Jato, mas acusa o que seriam abusos na condução da investigação e afirma que “setores do judiciário, com o apoio de interesses da grande imprensa, têm se tornado protagonistas em prejudicar o Estado de Direito”.
“Tomamos a iniciativa de organizar esse abaixo-assinado por conta da grave situação política que o Brasil atravessa hoje. Recebemos uma chamada de acadêmicos brasileiros pedindo solidariedade na defesa da democracia e atendemos prontamente a esse chamado”, disse Green, por email, à Agência Brasil. “Nossa intenção foi somar a comunidade acadêmica internacional às diversas iniciativas que estão se proliferando pelo Brasil.”

Green é autor dos livros Além do Carnaval – A Homossexualidade Masculina no Brasil do Séc. XX (Unesp, 2000) e Apesar de Vocês – Oposição à Ditadura Brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985(Companhia das Letras, 2009), que analisa as relações Brasil-EUA no período e conta a história de pessoas que combateram o regime militar brasileiro a partir do país norte-americano.
O texto é assinado, entre outros, por brasilianistas como Barbara Weinstein (New York University), autora de diversos livros sobre o Brasil pós-colonial; Elizabeth Leeds (Massachussets Institute of Technology – MIT), que é também cofundadora e presidente de honra do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; e Jean Hébrard, professor na Ecóle de Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. Assinam ainda intelectuais brasileiros que no momento atuam fora do país, como o especialista em literatura brasileira Pedro Meira Monteiro, que leciona na Universidade Princeton, em Nova Jersey, nos Estados Unidos, e o historiador Sidney Chalhoub, professor convidado na Universidade Harvard, em Massachussets (EUA).
Impeachment
No manifesto, os acadêmicos enxergam um sério risco de que a retórica contra a corrupção esteja sendo usada para desestabilizar um governo democraticamente eleito, citando que o mesmo expediente fora utilizado antes da queda do ex-presidente João Goulart (1964), dando espaço à ditadura militar subsequente. À Agência Brasil, Barbara Weinstein criticou o processo de impeachment em curso no Congresso.  
“Caso surjam evidências de algo mais sério do que 'contabilidade criativa', ou se você puder encontrar uma maioria de dois terços da Câmara dos Deputados que se acredite nunca ter cometido qualquer ato que possa ser descrito como 'corrupto' ou 'desonesto', então talvez eu possa considerar legítimo que eles decidam se Dilma permanece no cargo ou é impedida”, disse Weinstein. “Acho muito improvável.”
Para Chalhoub, um dos historiadores brasileiros de maior projeção internacional, “o processo de impeachment tem bases muito frágeis, como já mostraram vários juristas. E está sendo conduzido por parlamentares sobre os quais pesam acusações de gravidade ímpar. Destituir uma presidenta desse modo fragiliza a democracia, é um golpe contra ela, traduz apenas o inconformismo dos derrotados nas eleições de 2014. Esse é um momento decisivo da democracia brasileira”, disse ele à Agência Brasil.
Dos mais de mil subscritos no abaixo-assinado disponível no site Avaaz, grande parte é composta por acadêmicos do México e da Argentina, mas há intelectuais de países diversos, como África do Sul, Índia, Japão e Turquia.

Leonardo Isaac Yarochewsky: O impeachment da presidente Dilma Roussef é golpe

Por Leonardo Isaac Yarochewsky

Desde o momento em que o Presidente da Câmara dos Deputados recebeu a denúncia de impeachment contra a Presidenta da República Dilma Rousseff instaurou-se na sociedade e, notadamente, no meio jurídico acirrado debate sobre a natureza jurídica do impeachment e sua legalidade no caso. Ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram chamados a se manifestar sobre o impeachment, sua natureza e legalidade. De igual modo vários juristas, também, se manifestaram através de artigos, pareceres e declarações sobre o tema.
Mesmo para aqueles que entendem que a natureza do impeachment é predominantemente política, para se evitar qualquer flerte com o golpismo, o julgamento deve ser guiado pelos princípios fundamentais do direito, hipótese outra representaria afronta ao próprio Estado democrático de direito. Seria, portanto, neste contexto, inimaginável e igualmente absurdo o Parlamento julgar a Presidenta da República por conduta que não esteja prevista em lei (princípio da legalidade) como crime de responsabilidade.
O princípio da legalidade – nullum crimen nulla poena sine lege praevia -  é pedra angular do direito penal. Além de ser um princípio constitucional limitador do poder punitivo estatal – o juiz só poderá julgar de acordo com o que está previsto na lei e nos limites da mesma – trata-se de o princípio político que remonta a separação dos poderes.
Sustenta-se aqui, que o processo de impeachment tem natureza mista: política/jurídica. Segundo a ministra do STF Carmem Lúcia o impeachment tem natureza política e jurídica-penal. Sendo assim, mais do que nunca deve está restrito aos princípios constitucionais, processuais e penais. Portanto, em hipótese alguma poderá a Presidenta da República ser “impichada” sem que seja comprovado, sem qualquer sombra de dúvida, a prática de crime de responsabilidade de acordo com a lei.
Não é despiciendo lembrar que não há uma definição precisa e determinada dos “crimes de responsabilidade” que leve em conta os princípios fundamentais bem como da dogmática penal.
Neste particular, a taxatividade penal como corolário do princípio da legalidade é afrontada. A incriminação vaga e indeterminada de certos fatos, deixa incerta a esfera da licitude, comprometendo a segurança jurídica do cidadão. Na realidade, a incriminação vaga e indeterminada faz com que não haja lei definindo como delituosa certa conduta, pois, ao final, a identificação do fato punível fica ao arbítrio do julgador¹.
Quando a ministra Carmem Lúcia, ministro Dias Toffoli e outros afirmam que o impeachment não é golpe porque está previsto na Constituição da República, é preciso apreender e fazer a leitura correta da afirmação. Não satisfaz neste processo a previsão constitucional para afastar qualquer tentativa golpista. É imperioso que o devido processo legal, contraditório e ampla defesa sejam norteadores da decisão que será tomada pelo Congresso Nacional. No regime presidencialista a insatisfação popular não pode por si só levar ao impeachment do governante máximo do país.
Para o respeitável professor de direito público da UnB Marcelo Neves, “a DCR 1/2015, recebida pelo Presidente da Câmara dos Deputados, é inconsistente e frágil, baseando-se em impressões subjetivas e alegações vagas. Os denunciantes e o receptor da denúncia estão orientados não em argumentos jurídicos seguros e sustentáveis, mas sim em avaliações parciais, de caráter partidário ou espírito de facção. Aproveitam-se de circunstanciais dificuldades políticas da Presidente da República em um momento de grave crise econômica, desconhecendo, estrategicamente, o apoio que ela vem dando ao combate à “corrupção” e a sua luta diuturna para conseguir a aprovação de medidas contra a crise econômica no Congresso Nacional. Denunciantes e receptor afastam-se não apenas da ética da responsabilidade, mas também de qualquer ética do juízo, atuando por impulsos da parcialidade, do partidarismo e da ideologia, em prejuízo do povo brasileiro”.
De igual modo, como já referido, não se pode marginalizar os princípios da legalidade e da taxatividade em matéria penal.
Neste sentido, valioso o parecer cientifico apresentado pelos consagrados professores Juarez Tavares e Geraldo Prado, in verbis: “As pressões pela ‘flexibilização dos mandatos presidenciais’ via ampliação das hipóteses de impeachment, para abranger situações não enquadráveis, taxativamente, no art. 85 da Constituição – ou ainda para alargar o conceito de ‘crime de responsabilidade’ – atentam contra o significado da proteção constitucional ao voto direto, secreto, universal e periódico. É neste sentido que Martinez investe contra o que denomina como “tergiversação jurídica”, que afeta a segurança jurídica do sistema democrático ao permitir o emprego do “juízo político” “como um mecanismo de responsabilidade política, de controle da atuação cotidiana do presidente” e termina por afirmar tratar-se de um recurso inconstitucional. No Brasil a questão ganha contornos mais delicados dado o fenômeno que os cientistas sociais observam, relativamente a ‘atitudes ambivalentes perante a democracia’. “
Continuam os eminentes juristas: “O estudo de caso de emprego abusivo do “juízo político” na América Latina aponta para algumas condutas comuns, em particular, mas não exclusivamente, em processos que chegaram à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em geral o abuso de poder concernente ao impeachment pode ser constatado pela: a) deliberada não aplicação dos critérios dogmáticos de definição dos “crimes de responsabilidade”; b) violação sistemática das garantias do devido processo”.
É necessário atentar que embora caiba ao Congresso Nacional, conforme já dito, processar e julgar a Presidenta da República deve tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado Federal se submeterem aos princípios constitucionais, as leis e as normas pertinentes à matéria. Forçoso ressaltar, ainda, que diante de um Estado de direito - que originariamente apresentava como características básicas: i. submissão ao império da lei; ii. separação harmônica dos poderes; iii. enunciado e garantia dos direitos individuais² - a “voz das ruas” por mais sedutora que seja, principalmente, para parlamentares, não pode em hipótese alguma suplantar o direito e as leis.
Por tudo, o pretendido impeachment da Presidenta da República Dilma Rousseff é golpe. Golpe porque não há crime de responsabilidade; golpe porque a “voz das ruas”  amplificada pela mídia não está acima da lei e nem da “voz das urnas”; golpe porque pretende transformar uma insatisfação momentânea e política em motivos irracionais, políticos e passionais para derrubar a Presidenta eleita com cerca de 55 milhões de votos; golpe porque há um inegável processo de criminalização da Presidenta Dilma, do ex-presidente Lula e do Partido dos Trabalhadores; por fim, é golpe porque não está de acordo com a lei, com o direito e com a justiça.
_______________________
¹FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
² SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista, doutor em Ciências Penais e professor de Direito Penal da PUC-Minas.


Fonte: Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2016.

quinta-feira, 24 de março de 2016

ÁUDIO: QUESTÃO DE LADO


manifestacao-lula-casa-civil-2016

PROGRAMA: "Cidadania nas ruas e nas redes"
Veículo: Rádio Sinpro Minas
Duração: (9 minutos e 23 segundos)


O momento atual que vivemos no Brasil é o tema dessa edição do programa do professor Robson Sávio. 

Ao fazer uma comparação do golpe em curso no país  com o que ocorreu  em 1964, ele  faz um levantamento sobre quem são os representantes da coalizão de direita que está incitando a violência no Brasil, atacando os avanços sociais  com apoio da grande mídia. 

O professor ressalta que todos eles  representam o interesse do capital internacional que  não aceita a autonomia do Brasil, querendo nos manter na eterna colônia. E destaca os grupos que sempre estiveram do lado dos trabalhadores em defesa da soberania brasileira. São movimentos sociais, sindicatos, artistas, intelectuais etc que realmente querem um país livre, socialmente justo e enconomicamente inclusivo.

OUÇA O ÁUDIO, AQUI >>>

domingo, 20 de março de 2016

UMA QUESTÃO DE LADO


Dilma não é Jango e, a bem da verdade, os governos do PT nunca se comprometeram com as reformas de base. Feita essa ressalva, qualquer brasileiro(a) que fizer um esforço de reflexão e análise do momento histórico que vivemos perceberá muitas semelhanças com o cenário do golpe CIVIL-militar de 1964. 

Hoje, como antes, trata-se de um movimento que insiste em se impor, mesmo na ausência de provas cabais de dolo contra os acusados.

No golpe em curso há o lado da direita, formado pelas mesmas instituições e personalidades que tramaram 1964. 

a) Mídia: representa os interesses do capital externo que não aceita a autonomia do Brasil e quer nos manter eterna colônia. Encabeçam essa rede de ilegalidade e manipulação as organizações globo, veja, folha e estadão (a promoverem e insuflarem o golpe); 

b) os empresários do pato amarelo (liderados pela fiesp): representam um segmento empresarial cuja mentalidade sempre foi subserviente ao capitalismo internacional; nunca tiveram competência de implantar uma indústria autônoma e genuinamente nacional e sempre foram serviçais do capitalismo do centro (por isso, gostam é de Miami);
 
c) políticos de reprovável reputação, incapazes de propor um projeto de país, voltados somente para protegerem seus feudos/capitanias hereditárias; denunciados inúmeras vezes por práticas ilícitas e que têm a desfaçatez de discursarem contra a corrupção (Cunha, Aécio, Temer, Caiado, Alckmin, Serra...). (E é um escárnio constatar que a maioria dos membros da comissão do impeachment recebeu doações de empresas denunciadas na operação lava-jato.);
 
d) radicais de direita, incluindo religiosos (Bolsonaro, Malafaia e outros que estão entrando em cena), prontos a disseminarem o ódio e incitarem a violência real e simbólica;
 
e) segmentos da classe média que defendem privilégios (de classe/casta) e não a ampliação universal dos direitos (ao invés de lutarem contra a concentração de renda nas mãos de poucos ricos, preferem atacar os avanços sociais que incluíram à cidadania os empobrecidos); 

f) intelectuais e artistas que fizeram fama e fortuna às custas da universidade pública e dos incentivos culturais bancados pelo erário em prol de uma educação e cultura elitizadas; que vivem dos favores das elites no poder; adeptos e defensores da velhaca "lei e ordem" burguesas; 

f) e uma casta jurídica que na ditadura se fortaleceu e, paradoxalmente, se consolidou após os poderes dados a esse grupo pela CF de 1988 (parte do judiciário, MP, polícia e advogados de banca). Gilmar, Janot, Moro e o japonês da PF são as sub-celebridades desse grupo. (É lamentável um juiz do STF ser mencionado aqui. Mas, num dos últimos debates no Supremo sobre o rito do impeachment, ao dirigir-se a Gilmar, o ministro Barroso afirmou: “não sou um comentarista político; sou um defensor das instituições”. Precisa dizer algo mais?).


Constatamos que milhões de brasileiros(as), assim como ocorreu em 1964, assistem passivos as disputas em curso. Não se trata de omissão e não devem ser culpabilizados. Afinal, esses brasileiros não são protagonistas nas lutas sociais e políticas porque nunca puderam ocupar esse lugar. Sempre foram tratados como sub-cidadãos, inclusive pelo sistema educacional brasileiro que, desde o início da república adotou Augusto Comte e nunca aceitou Paulo Freire. Uma educação que não ensina a pensar, questionar, refletir; prefere ensinar a obedecer; disciplinar mentes e corações a abaixarem a cabeça para as ideias prontas dos vencedores e dominadores que escreveram nossos livros de história.

Pois bem: existem outros lados. Num deles estão os movimentos sociais e sindicatos (autônomos) que sempre tiveram do lado dos trabalhadores. Também há artistas, políticos, magistrados, promotores, intelectuais e profissionais liberais da classe média que sempre militaram na defesa da soberania brasileira e autonomia de seu povo. Para além de partidos e pessoas preocupam-se com um país verdadeiramente livre, socialmente justo, economicamente inclusivo. Soma-se agora nesse lado uma potente rede de mídia alternativa e segmentos historicamente alijados da sociedade que conquistaram um lugar ao sol nos últimos tempos (movimentos negro, feminista, juventude, LGBT, urbanos, rurais, culturais e outros). 

A opinião publicada pela mídia, serviçal dos ricos e poderosos de sempre, não quer que os cidadãos entendam que há lados nessa disputa e nessa história (a história do presente e a história do passado). Prefere anunciar aos quatros cantos, como cornetas do apocalipse, uma terra arrasada; propaga o caos e uma crise pré-fabricada com argumentos impositivamente criados para justificar saídas antidemocráticas.

Como em 1964, a direita - pelo seu poderio econômico - tem uma potência estrondosa. Mas, a história não perdoa. Por mais que os segmentos poderosos imponham seus domínios, há sempre uma potência insurgente e revolucionária nas bases e essa força popular sempre reconstrói e dá dinamismo à história, revelando seus personagens e interesses...

Por fim, vale a reflexão de um dos intelectuais que muito admiro e que conhece profundamente a história política do Brasil. E tem lado. 

De Wanderley Guilherme dos Santos:

O grampo da presidente da República Dilma Rousseff, sob a responsabilidade direta do juiz Sergio Moro, e sua divulgação preferencial pelo sistema Globo não permite outra interpretação: tentativa de interferência no processo político nacional, com incitação à convulsão social. Sua ação, associada à permanente propaganda do sistema Globo de rádio, televisão e internet, estimulando a desordem, inclusive através de análises e comentários imperitos sobre matéria jurídica de elevada gravidade, dogmaticamente interpretando notícias fragmentadas e, finalmente, mentindo reiteradamente, comprovam que o País ingressou na ilegalidade, que o juiz Sergio Moro, partidariamente contaminado, perdeu o senso da legalidade jurídica, e que o monopólio do sistema Globo de comunicação é incompatível com a ordem constitucional.


Como escreveu Juca Kfouri, prefiro “defender claramente a permanência de um governo fraco, mas legítimo, para que não prevaleçam os métodos obscuros de instituições fortes, mas autoritárias. ”



sexta-feira, 18 de março de 2016

Uma manifestação com cheiro, cor, suor e sabor de povo


Todos têm direito de se manifestarem nas democracias. Mas, nem todos podem falar que determinada manifestação representa o povo ou os interesses populares.

Certamente, pelo seu perfil e pauta elitistas, as manifestações domingueiras não representam o conjunto da população brasileira, apesar de serem legítimas...

Pois bem: hoje fui à manifestação em defesa da democracia; contra o golpe da direita (de ontem e de sempre); na defesa de um governo legítimo; contra a parcela da justiça que só atende a Casa Grande; exigindo a ampliação de políticas sociais e afirmativas; em favor da proteção ao patrimônio nacional.

Essa, sim, é uma manifestação popular. Com povo nas ruas:


Lá, encontrei trabalhadores do campo e da cidade; profissionais liberais; desempregados, sem-teto e moradores de rua.

Encontrei militantes de movimentos sociais, pastorais, étnicos, feministas, culturais...

Encontrei com as juventudes, notadamente a juventude mais pobre, negra e sofrida. Gente alegre e lutadora, batendo seus tambores e exibindo suas faixas. Querem a ampliação dos programas sociais e de ação afirmativa e uma escola pública de qualidade, para todos e todas.

Encontrei com amigos e amigas da comunidade LGBT. Eita gente guerreira que luta contra o preconceito e a discriminação diuturnamente.

Encontrei com religiosos e religiosas de várias denominações que louvam o Cristo que vive no meio dos pobres. Que são mansos como pombas e prudentes como serpentes... (Aliás, vi uma jararaca sendo carregada por manifestantes).

Encontrei gente de partidos variados. Obviamente, partidos que têm compromisso com o Brasil e a democracia; apesar de vicissitudes que há em todos os partidos. 



Também conversei com intelectuais, pesquisadores, sindicalistas e pequenos empresários - que enxergam para além do seu bolso e seu nariz. E que pensam no país e no seu povo; não em Miami.

Encontrei com artistas famosos, não tão famosos e também artistas das ruas. 

Gente de todas as idades, etnias, cores e credos. ESSE É O POVO BRASILEIRO. Multiétnico, com suas diferenças e sua criatividade. Vida que pulsa... Gente lutadora e que não tem medo de enfrentar a vida... e as batalhas!



Se tem alguém com um carrinho de criança, com uma sacola ou um bengala, todos se dispõem a ajudar e são solidários. Todos andam no mesmo passo e compasso... Quem vai atrás não precisa ir cabisbaixo. Todos se tratam como iguais...

Se tem alguém com algum problema, todos se dispõem a ajudar. Porque a vida do povo é assim: solidariedade, partilha, alegria, suor e lágrimas. E uma cervejinha gelada, também. Porque ninguém é de ferro.

Mas, com certeza, não vi uísque e nem champanhe. Isso é bebida de gente de um outro Brasil.

Até mesmo a Polícia Militar, desta vez, está de parabéns. Fez o que se espera de uma instituição cujo dever é proteger a vida, as pessoas, as liberdades, as garantias constitucionais. E, não o patrimônio ou o direito de alguns em detrimento dos demais. 

Manifestação popular é assim: tem solidariedade, partilha, alegria. 

Tem gosto, cheiro, cor, suor e sabor de gente... 

E tudo termina com ato cultural: é MPB, samba, funk e um banho na praia da estação. Porque alegria é melhor que ódio.

Essa sim é uma manifestação do povo; com cara do povo. Expressa aquilo que o conjunto majoritário da população deseja. 

UM PAÍS DE E PARA TODOS E TODAS!

quinta-feira, 17 de março de 2016

Agora, os golpes são mais sofisticados

"Defender claramente a permanência de um governo fraco, mas legítimo, para que não prevaleçam os métodos obscuros de instituições fortes, mas autoritárias." (Juca Kfouri).


Como não há espaço para golpes como nas décadas de 1960/70, hoje o sopapo autoritário é mais sofisticado. 

E enquanto isso...

- Eduardo Cunha, Aécio, Temer, Renan e outros continuam livres, leves e soltos comandando o rito do impeachment. 

- Togados assistem impávidos a destruição das instituições democráticas. 

- O estado policial e judicial substitui a política. A quem interessa essa "nova ordem"?

- O estado de DIREITO vai para o ralo. 

- Grupos raivosos da velha ordem, aos berros, se impõem. 

- Mídia fascista promove o caos, a justificar a volta da velha ordem, pela força e/ou violência, ou pela desfaçatez da legalidade da casa grande.

Com o sistema político destroçado e sem nenhuma credibilidade, dias muito difíceis virão.

Terei muita vergonha de contar essa história para os meus netos, porque meus filhos encontram-se tão envergonhados e abismados como eu.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Lula e a superação do jogo no qual todos perdem


 A entrada de Lula no governo Dilma é motivo de críticas ácidas à direita e à esquerda. Para alguns, trata-se de “tábua de salvação”; para outros, o começo, para valer, de um governo que atende as demandas de setores da esquerda. Uma liderança que colocará em prática o plano de governo apresentado por Dilma aos brasileiros na campanha de 2013.

O fato objetivo é que, até agora, o aprofundamento da Operação Lava-Jato (que começou muito bem, mas depois bandeou para a discricionariedade e arbitrariedade, com ações seletivas do juiz Sérgio Moro, a omissão na correção de rumos pelos tribunais superiores, a cobertura enviesada e criminosa da mídia nativa e a radicalização dos discursos) derivou numa enorme erosão do sistema político. E, na democracia, a anulação das instituições políticas abre caminho para todo o tipo de aventura.

A bem da verdade, todos estão perdendo com a situação atual. Ao contrário da papagaiada midiática, que só atribui perdas para o PT, Lula e Dilma, o fato é que as oposições não têm projeto de país e agenda capaz de suplantar a devastação político-econômico-ética e encontra-se na mesma situação de desespero. Nesse caos, perdem também as empresas, com o aprofundamento da crise econômica; perde a sociedade (e principalmente os mais pobres) com o aumento da inflação, desemprego, etc. Somente um cego político ou um “fiel de partido”, incapaz de enxergar para além do próprio nariz, pode aplaudir esse jogo no qual todos, indistintamente, estão perdendo. Inclusive, o sistema de justiça, cada vez mais questionado e deslegitimado pela ação inconsequente de alguns magistrados e membros do Ministério Público, amparados, como sempre, pelo sistema policial da casa grande.

A delação de Delcídio acabou com as esperanças de alguns próceres da oposição de saírem ilesos dessa guerra de destruição de instituições e de reputações. É hora de negociar uma saída política e ética para o país.

Pois bem: Lula, com seus defeitos e qualidades, tem ainda um grande capital político. Não obstante a desconstrução fascista de sua imagem pela mídia e por setores obtusos da oposição, pesquisas de opinião não deixam dúvida de sua liderança. E uma das virtudes de Lula é, exatamente, sua capacidade de negociação. Até mesmo as oposições reconhecem seu carisma nessa ceara.

Não esperemos por milagres. Nem atribuamos a Lula a missão quixotesca de resolver sozinho o imbróglio atual. Mas, a sua entrada em cena poderá serenar os ânimos. 

E, se os principais atores políticos tiverem um pouco de juízo e pensarem no Brasil, e não nos seus interesses pessoais, corporativos ou imediatos, o ex-presidente poderá se tornar peça fundamental na costura de uma aliança para a superação da crise pela via da política, ao invés da saída judicial ou policial.

Todos poderão ganhar. Inclusive as oposições que terão tempo para saírem do furacão e do discurso vazio, oportunista e virulento e, com responsabilidade, poderão elaborar um projeto para o país. E disputa-lo no tempo certo; ou seja, nas eleições de 2018.

Por fim, não podemos aceitar que um juiz de primeira instância pode tudo, inclusive violar a lei, impunemente. Será que as instâncias superiores do judiciário (que poderiam controlar arroubos autoritários) estão covardemente amedrontadas e imobilizadas pelo tribunal supremo midiático e reféns da opinião publicada? Se isso ocorre, a justiça brasileira está flertando com a ditadura da toga.

Se quisesse agir dentro da legalidade, o Sérgio Moro sequer autorizaria a gravação. E, no limite da irresponsabilidade, enviaria a gravação para o STF analisar e tomar providências. 

Na democracia, a imprensa, notadamente a rede globo, e o judiciário não são partidos políticos.

Sérgio Moro quer fazer justiça com as próprias mãos. Comporta-se como um fora da lei. Isso é inaceitável e repugnante!

Lembrar de Ruy Barbosa é importante: "a pior ditadura é a do judiciário".





Bartira Macedo de Miranda Santos: A caça ao Lula, o combate à corrupção e o juiz que está escrevendo o epitáfio do direito processual penal brasileiro


A próxima cartada de um dos segmentos da coalizão conservadora, a casta jurídica, virá, em breve, via OAB. O novo presidente da entidade e boa parte dos presidentes das seccionais querem o impeachment a qualquer custo. 

Ainda bem que a casta jurídica não comporta todos os advogados e advogadas. Muitos, inclusive dentro da OAB (que tem importantes contribuições à democracia brasileira), como a querida amiga Bartira Macedo De Miranda Santos pensam e agem para além dos interesses corporativos e na defesa do estado democrático e de DIREITO (para todos e todas). 

Por isso, sugiro seu excelente artigo:

Por Bartira Macedo de Miranda Santos – 16/03/2016
Pavão misterioso
Pássaro formoso
Um conde raivoso
Não tarda a chegar
Não temas minha donzela
Nossa sorte nessa guerra
Eles são muitos
Mas não podem voar…
O espetáculo midiático que se tornou os processos da chamada Operação Lava Jato, com sistemáticas violações ao devido processo legal desde o seu início, e que culminou com a transmissão ao vivo da condução desnecessariamente coercitiva do ex-Presidente da República Federativa do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, e o desastroso pedido de sua prisão preventiva, nos mostra que, ao menos para o processo penal, a Idade Média não terminou. Está-se a reproduzir uma estrutura de poder penal inquisitorial em que, escolhido o acusado, passa(va)-se a procurar as provas da sua culpa e, em seguida, a executar a sentença de morte (real ou simbólica), exatamente como se caçavam as bruxas. Milhares delas foram julgadas, condenadas e mortas. Para os inquisidores daquela época, havia na bruxaria um perigo muito grande, que precisava ser combatido e eliminado. A emergência do combate ao mal, representado pelas bruxas, abria caminho para o exercício do poder de punir sem limites, para toda sorte de atrocidades e violações. Atualmente, a bruxaria é substituída pelo combate à corrupção.
O objetivo deste artigo é indagar se, após a denominada operação Lava Jato, ainda teremos uma parte do ordenamento jurídico brasileiro ao qual poderemos chamar de “Direito Processual Penal”, caracterizado pelos devidos limites ao poder punitivo.
A caça às bruxas
Os historiadores das ideias penais atribuem a Heinrich Kramer e James Sprenger a proeza de terem instaurado a primeira estrutura discursiva do poder punitivo. Isso porque o livro Malleus Maleficarum (Martelo das Feiticeiras ou Martelo das Bruxas), escrito entre 1485 e 1486, o terrível manual dos inquisidores, ensinava como reconhecer uma bruxa, como combater os malefícios causados por elas e como julgá-las. Evidentemente, nos dias atuais, não parece crível a existência de bruxas, mas, no século XV, duvidar da existência delas era crime de heresia; aquele que ousasse defender uma mulher acusada de bruxaria, tornava-se, necessariamente, acusado de ser seu cúmplice. Muitos maridos, filhos e pais foram mortos tentando defender suas esposas, mães e filhas. Havia uma histeria coletiva. O livro foi best-seller durante mais de duzentos anos, tempo no qual foi o mais publicado depois da Bíblia. Estima-se que foram vendidos cerca de trinta mil exemplares nos países de língua inglesa, espalhando-se como uma praga. É, pois, o livro que apresenta um primeiro discurso punitivo integrado (que(m) punir, porque punir e como punir) e que instaura uma estrutura discursiva que ainda hoje persiste, consubstanciado na busca da verdade e na luta do bem contra o mal/pecado/crime, diante de uma grave emergência que põe em perigo toda a sociedade.
As bruxas eram, sobretudo, mulheres livres,  que expressavam poder, detentoras de saberes médicos, políticos ou religiosos, velhas, viúvas, solteiras, camponesas, parteiras ou curandeiras, conhecedoras de ervas e anatomia, e que, diante de algum insucesso ou catástrofe, eram acusadas de serem culpadas por, p. ex., crianças que nasciam mortas, tempestades, pragas, doenças, corrupção ou, simplesmente, de dançarem nua à luz do luar ou de voarem à noite. Tudo isso era considerado indício de bruxaria e bastava uma notícia vaga de que em tal lugar existia bruxa para dar início a um procedimento.
A primeira parte do Malleus Maleficarum apresenta argumentos e evidências que provam a existência das bruxas. A segunda parte, ensina o clero como reconhecer a bruxaria em sua própria comunidade. A terceira parte, a mais infame de todas, constitui um verdadeiro manual jurídico, um guia prático de como acusar, torturar, condenar e matar uma bruxa. Na maior parte, não bastava enterrá-las. Era preciso queimá-las e espalhar as suas cinzas para que não emergissem das sepulturas. Há vários casos em que as filhas também eram acusadas e queimadas tais como suas mães, pois se acreditava que desde cedo toda filha de bruxa era iniciada nas artes da feitiçaria.
Henrry Kramer mais tarde ficou conhecido como o mestre da manipulação. Ele foi o verdadeiro autor doMalleus Maleficarum e inseriu o nome de James Sprenger, uma autoridade eclesiástica, para impingir credibilidade ao livro. Kramer também falsificou uma “nota de aprovação” da Universidade de Colônia, Alemanha. Kramer ainda inseriu no livro, a Bula do Papa Inocêncio VIII, que ele comprou no ano de 1484, que não faz nenhuma referência ao Malleus Maleficarum, mas que conferia aos autores Henry Kramer e James Sprenger amplos e ilimitados poderes para prender e punir qualquer pessoa, de qualquer classe social, sem qualquer impedimento. Tais poderes eram necessários – diziam – para afastar os obstáculos que tornam morosos a “boa” obra dos Inquisidores, empenhados em não deixar viver nenhuma bruxa. O “sucesso” do livro ajudou a enviar 60 mil vítimas à morte.
O fato é que o Malleus Malleficarum é um dos livros mais ultrajantes da história da humanidade e não podemos esquecer que as mulheres torradas nas fogueiras da Inquisição o foram sob acusações que hoje sabemos vis e que haviam muitos outros interesses religiosos, políticos, econômicos e estruturais por detrás de cada acusação de bruxaria e de cada comunidade atingida pelo pânico do medo das bruxas, seus julgamentos e condenações atrozes. Estava sendo moldada a sociedade moderna patriarcal e a correspondente submissão das mulheres.
Quando cessou a caça às bruxas, no século XVIII, houve grande transformação da condição feminina. Conforme Rose Marie Muraro, a sexualidade se normatiza e as mulheres se tornam frígidas, pois orgasmo era coisa do diabo e, portanto, passível de punição. É com a caça às bruxas que se normatiza o comportamento de homens e mulheres, tanto na área pública como no domínio privado. No final do século XVIII, a sociedade de classes já está constituída, com trabalhadores dóceis e que não questionam o sistema.
O combate à corrupção
Os discursos legitimadores do poder punitivo da Idade Média ainda permanecem e podemos percebê-los cada vez que se quer justificar a violação de direitos de determinada pessoa ou grupos. Embora haja transformações no seu conteúdo, trata-se de uma estrutura discursiva que não muda. Nas palavras Zaffaroni:
Desde a Inquisição até hoje os discursos foram se sucedendo com idêntica estrutura: alega-se uma emergência, como uma ameaça extraordinária que coloca em risco a humanidade, quase toda a humanidade, a nação, o mundo ocidental etc. e o medo da emergência é usado para eliminar qualquer obstáculo ao poder punitivo que se apresenta como a única solução para neutralizá-lo. Tudo que se quer opor ou objetar a esse poder é também inimigo, um cúmplice ou um idiota útil. Por conseguinte, vende-se como necessária não somente a eliminação da ameaça, mas também a de todos os que objetam ou obstaculizam o poder punitivo, em sua pretensa tarefa salvadora.
O discurso de combate à corrupção, por exemplo, assim como a “caça às bruxas” e todo discurso bélico no interior do sistema punitivo, encerra um sufocamento das liberdades individuais e o aniquilamento das garantias processuais devidas a toda pessoa humana. A função política do juiz penal seria a de justamente conter esses arbítrios e garantir o devido processo legall. Afinal, não podemos exigir dos criminosos que não cometam crimes, mas é de se esperar que os agentes da lei a cumpram.
Contra as trevas da justiça penal da Idade Média ergueu-se todo um arcabouço teórico após o Iluminismo, e, a partir, principalmente, da obra de Marques de Beccaria, Dos delitos e das penas, de 1764, passou-se a cultivar um direito penal liberal e um processo penal de feição acusatória, com regulação e devida limitação ao poder punitivo, conferindo direitos e garantias aos acusados. Desde o Código Criminal do Império do Brasil, de 1830, e o Código de Processo Criminal do Império do Brasil, de 1832, o nosso Direito tem, formalmente, inspiração liberal; embora, na prática, a lei sempre tenha feito o controle social penal da senzala e dos que saíram dela. No entanto, nunca faltou a luta pela efetivação dos direitos, pela liberdade, pela igualdade e pelo fim da opressão das classes sociais mais desfavorecidas. Tampouco estamos a salvo de golpes que ponham em perigo os parcos passos dados em direção a uma sociedade efetivamente democrática.
Porém, ao invés de se ampliar as garantias e a efetividade dos diretos individuais no interior do sistema penal para a universalidade dos réus, nos procedimentos da “Lava Lajato” está-se distribuindo violação de direitos para os “vips” (políticos e classes dominantes), recém alcançados pelo sistema de justiça criminal. A histeria coletiva que se apropria do discurso do combate à corrupção, vendido pela mídia como o grande problema nacional, que, dizem, põe em perigo toda a nação, vai justificando a mitigação dos direitos individuais e o recrudescimento do sistema penal em prejuízo do corpo social e de sua capacidade de se opor ao arbítrio judicial.
O que caracteriza o poder punitivo é justamente o exercício da força sobre o “outro”, considerado como perigoso e inimigo da sociedade; sem limites, chegamos à completa barbárie ou a estágios pouco civilizados, sem predomínio do Estado de Direito. A emergência do combate à corrupção está sendo o pretexto para a violação das leis e da Constituição. Mas, afastado o Estado Democrático de Direito, está aberto o caminho para que o sistema penal seja utilizado para interferir nos rumos políticos do país. O combate à corrupção passou a ser o grande pretexto para um golpe de estado.
Pois bem, em artigo publicado no dia 26/02/2016, o atual presidente do Conselho Federal da OAB, Claudio Lamachia, acredita que estamos em uma encruzilhada: ou acabamos com a corrupção, ou ela acaba com o Brasil. Nesse ponto ele tem razão: não parece possível acabar com a corrupção, mas é possível que o combate à corrupção acabe com as estruturas democráticas do Brasil. Segundo ele, é preciso “passar o país a limpo e depurar a classe política” e “esta é uma oportunidade ímpar para estabelecermos um novo padrão ético em nossa política e sociedade”. Anunciando um novo apocalipse, encerra o artigo apresentando-se para defender os interesses da sociedade, sem bandeiras partidárias. Resta-nos indagar quem faz parte da sociedade que ele se compromete a defender e que governo serviria a essa sociedade senão o que foi legitimamente eleito. Acaso estava se anunciando uma nova era?
Eis que o tom escatológico se confirmaria em seguida. Em seu discurso de posse, Claudio Lamachia anunciaum novo contrato social e insiste que precisamos da depuração da política nacional. Afirma que “algo deve ser feito, e rápido”. Afinal, “não podemos perder tudo o que, a duras penas, construímos até hoje”. E mais: “Colegas, a vida nos ensina que há uma hora de partida mesmo quando não há lugar certo para onde ir. É o marchar da história, é o caminhar da humanidade. Devemos dar o primeiro passo! A hora do Brasil começar a superar essa paralisia é agora!”.
Extremamente intrigante o discurso do novo Presidente da OAB, lido agora, alguns dias após a notícia da ilegal e abusiva condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o posterior tragicômico pedido de prisão. Enquanto o país, atônito, tentava compreender o que se passava, o Presidente da OAB protocolava um pedido de cópia da Delação Premiada do senador Delcídio do Amaral, que sequer havia sido homologada pelo STF; apressava-se em buscar subsídios para um possível pedido de impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Muitos lamentam o fim das fogueiras! O Presidente da OAB demonstra-se decidido pelo impeachment, resta apenas encontrar um fundamento.
O discurso de posse do presidente da OAB, prevendo tempos difíceis, já convocava a advocacia brasileira a cerrar fileiras com a OAB Nacional para “retornarmos a tradição brasileira de conciliação nacional”. Como quem previsse um clima de guerra, o presidente decretava: “o nosso compromisso é reunificar o Brasil”. Como assim, o país está dividido? Diz: “Está na hora de colocarmos todos os atores da sociedade brasileira na mesma mesa para conversar”. Ora, que atores? Mas não é só. “Que o Ministério Público faça a sua parte, apurando as responsabilidades civis e criminais”, “que o cidadão brasileiro faça seu dever de casa e expurgue da vida política todos aqueles políticos que não honraram a sua confiança”, “enquanto isso o Brasil tem que avançar”, “seguir em frente”. E ainda faz referência a uma guerra civil: “da sangrenta Guerra Civil norte-americana se extraiu a síntese daquilo que mais tarde se tornaria a nação mais poderosa do planeta”. E arremata: “Todos teremos que inicialmente perder um pouco para mais adiante todos ganharmos muito”. Por fim: “É hora de mudarmos os destinos do Brasil”.
O Presidente da OAB, instituição que tem por tradição defender as liberdades democráticas e as garantias fundamentais, num primeiro momento defendeu a legalidade da condução coercitiva do Ex-Presidente Lula. Diante da perplexidade da comunidade jurídica, de feição democrática, voltou atrás no dia seguinte, quando afirmou que a condução coercitiva foi desnecessária e que “não se combate o crime cometendo outro crime, que é o descumprimento das leis”.
Outros juristas tiveram falas imediatas bem mais corajosas e enfáticas na defesa do Estado Democrático de Direito. Enquanto uma legião de bestializados comemoravam a coerção do Ex-presidente, os processualistas começaram e explicar o absurdo da ilegalidade que se praticava.
O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, foi enfático: “Condução coercitiva? O que é isso? Eu não compreendi. Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão que resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado”. Colocando os pingos nos “is”, o Ministro afirmou que a condução coercitiva foi um ato de força, o que é um grande retrocesso. Juízes não são legisladores, nem justiceiros. Não se avança atropelando as regras básicas.
Dizer que o ato praticado pelo juiz Moro foi um ato de força significa dizer mais que um ato não dotado de legalidade. Muito menos se trata de uma dissidência doutrinária. Não foi um ato construído a partir de uma interpretação mais autoritária da literalidade legal, como vinham parecendo as decisões dos processos que envolvem a Lava Jato, confirmadas pelos tribunais. Ao contrário, expressa um julgador que não considera e não se vincula ao ordenamento jurídico ao qual ele deveria estar submetido. Um ato de força é um ato arbitrário, um ato de poder, bem típico do “eu prendo e arrebento”.
A Idade Média não acabou, pois ainda não saímos do “eu prendo e arrebento”. Talvez a coisa mais terrível que possa acontecer para alguém é sofrer um ato de exercício ilegal de poder. O Delegado, na Delegacia, num momento de ira ou de sanha contra alguém, determina “prende e arrebenta”. E, se der chance e oportunidade para o Promotor, ele manda prender e arrebentar também. Se for juiz, nem se fala, a todo o momento se decretam milhares de prisões sem a devida fundamentação. Esse exercício de poder penal existe há 1300 anos. Quem é pobre, favelado, negro, sabe o que é isso. E o irônico é que até nisso o povo tem o que se identificar com o Lula e o Lula tem a se identificar com o povo (povo = povão), porque nem mesmo ostentando o histórico de ex-chefe político da nação, o ex-Presidente Lula se livrou da truculência, do arbítrio e da audácia de um juiz de primeiro grau. Foi tratado como qualquer “zé-mané”, porque contra “zé-mané” é assim mesmo, eles prendem e arrebentam. O arbítrio se manifesta na intolerância com a Presidente legitimamente eleita: insatisfeitos com o seu governo, procura-se formas de antecipar a sucessão presidencial, burlando-se as eleições democráticas.
Sergio Moro, o juiz que está escrevendo o epitáfio do direito processual penal brasileiro
Há um sem número de artigos científicos sobre as arbitrariedades cometidas nos processos da Lava Jato, abordando, por exemplo, o uso da prisão preventiva como forma de coação para forçar delações “premiadas”, a imoralidade do instituto da delação premiada, violação dos limites da competência territorial, em que se vê uma verdadeira autoproclamação do “juízo universal da corrupção” e conduções coercitivas sem previsão legal; não é o caso de repeti-las aqui.
Em alguns pronunciamentos, o Juiz Moro pede apoio popular para levar adiante a sua “tarefa”. Circula um vídeo em que ele, ao final de uma palestra, diz:
“Eu estou vinculado aos fatos, às provas e à lei. E é isso que eu vou fazer nos meus processos, seja para absolver o inocente, seja para condenar o culpado. E eu me disponho a ir até o final nos meus casos. Mas esses casos envolvendo graves casos de corrupção, envolvendo figuras públicas poderosas, só podem ir adiante se contarem com a opinião pública e da sociedade civil organizada. E esse é o papel dos senhores!”.
Ora, o palestrante não precisava pedir apoio popular para cumprir a lei. O apoio popular é necessário para golpes, para mudanças de regimes, para um “novo contrato social”, como disse o Presidente da OAB. Porque aí, numa guerra civil, “todos teremos que inicialmente perder um pouco para mais adiante todos ganharmos muito”. É que em todo golpe, é preciso o apoio popular – por bem ou por mal – para a consolidação do novo regime. Caberia à OAB, representante da sociedade civil, “dar o primeiro passo”? “Mesmo quando não há lugar certo para onde ir?” Era disso que falava o presidente da OAB quando dizia que “o nosso compromisso é reunificar o Brasil”? “O que está em jogo é o futuro do país”?
O que faz a decisão do Juiz Moro, sobre a condução coercitiva do Ex-Presidente,  gerar tanta discussão e polêmica não é tanto o que ela diz, mas, sobretudo, o que ela não diz. O que ela diz não importa tanto porque o seu conteúdo não enseja uma discussão hermenêutica como ponto crucial: os dispositivos legais invocados não são aplicáveis, logo, não é o caso de se debater se está ou não correta O ponto central da polêmica é que a decisão não foi jurídica, não havia base fática para a aplicação da norma invocada (o Juiz não estava vinculado aos fatos, às provas e à lei). A decisão foi um ato de vontade, um voluntarismo solipista (Streck) que expõe o quanto estamos inseguros no direito de não sermos presos ou processados fora dos casos e formas que a lei permite. Essa é a gravidade da decisão e o motivo porque ela abala o Estado de Direito e nos põe diante de uma ditadura do Poder Judiciário. A decisão tem aparência de jurídica, tem forma jurídica; a árvore de Natal está lá, mas pesa o ponto de partida: um ato de poder e força, que se traduz em opressão e arbítrio, que expõe a falta de limites éticos no uso do poder punitivo e que transforma o processo penal em mera burocracia punitiva, como instrumento ideológico para se exercer poder político. E isso põe em discussão a configuração do processo penal, do judiciário e do próprio Direito.
Alexandre Morais da Rosa escreveu o artigo “Como é possível ensinar processo penal depois da operação ‘lava jato’?” (Conjur, em 04/07/2015). Nele, o autor afirma que coexistem, a partir de critérios diferenciados, sistemas processuais inconciliáveis em território nacional. O autor refere-se a recentes mudanças legislativas, como a delação premiada, a leniência e até, há mais tempo, a transação penal da Lei dos Juizados Especiais Criminais, pelas quais precisamos repensar como ensinamos processo penal, já que esses institutos mudam a lógica do processo penal tradicional. Antes, o mesmo autor já havia escrito “Para entender a lógica do Juiz Moro na Lava Jato” (Empório do Direito, 07/05/2015), na qual explica como Moro, a partir do direito comparado, de maneira sofisticada, promoveu a construção de seu sistema de aplicação do direito, afastando vários princípios constitucionais que ele entende que não devem ser aplicados. A Constituição da República é democrática demais para as concepções de Moro. Alexandre Morais da Rosa deixa claro que não compartilha os entendimentos do juiz da Lava Jato, mas explica a sua lógica. O problema é que o Malleus Maleficarumtambém tinha a sua lógica e suas regras, e foi com elas e com o apoio da autoridade papal que milhares de mulheres foram condenadas à morte, por um “nada” elevado à condição de maior mal da Terra.
Em resposta ao artigo de Alexandre, Lenio Luiz Streck escreveu “Como (não) se ensinava processo penal antes da ‘Lava jato’. Eis o busílis!” (Conjur, 09/07/2015), e foi certeiro: “não se ensina depois… porque não se ensinou antes”. Lenio é enfático em não aceitar o problema da decisão como um jogo de poder, ou seja, um ato de força ou um ato de escolha do juiz. O autor explica que, dos anos 1980 para cá, ocorreu uma transição não muito bem-feita, pois, após a promulgação da Constituição, deveríamos ter iniciado uma filtragem nos Códigos e nas posturas dos juristas, mas, lamentavelmente, pouquíssimo se alterou na dogmática processual-penal. É preciso compreender que antes dos juízes existe uma estrutura chamada “direito”, que não pode depender da minha ou da sua opinião pessoal.
Lenio tem razão: “Ou eu tenho um direito, ou eu não tenho – se eu tenho, o Poder Público tem o dever de reconhecê-lo. Não importa minha posição social. É assim que funciona em arranjos democráticos. E isso não pode depender da opinião que eu e você temos a respeito disso”.
A decisão de Moro contra Lula foi grave porque revela o exercício desmedido e ilimitado do poder punitivo, que se concentrou nas mãos de um único julgador, por meio de quem vai se rompendo, em alta velocidade, todas as barreiras contra o arbítrio.
Como bem disse a Associação Juízes para a Democracia (AJD), “não se combate a corrupção, corrompendo a Constituição”. Em um Estado Democrático de Direito, a atuação do juiz é pautada pela Constituição e pelas leis. Ninguém está acima da lei. É preciso respeitar a ordem democrática e de sucessão governamental. Nenhum outro ramo do Direito está mais intrincado com a democracia e a cidadania do que o Direito Processual Penal.
A sociedade brasileira conquistou, na Constituição de 1988, um amplo sistema de princípios, direitos e garantias para um processo penal acusatório, de feição democrática, como deve ser em países civilizados. Onde o acusado não pode, efetivamente, se opor à pretensão punitiva estatal, onde não há separação das funções de acusador e julgador, onde não há um sistema de limites ao poder punitivo, não há direito processual penal, mas mera burocracia punitiva e procedimento inquisitorial.
A encruzilhada que vivemos é esta: ou reafirmamos o Direito Processual Penal em prol de uma sociedade democrática, onde os acusados serão julgados conforme as regras do devido processo penal constitucional; ou poderemos ler nas decisões judiciais “Aqui jaz o Direito Processual Penal” e, com ele, a democracia.

Bartira
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Bartira Macedo de Miranda Santos é professora de Direito Penal e Direito Processual Penal da Universidade Federal de Goiás, é Pós-doutoranda pela PUC-GO e bolsista Capes. Autora do livro Defesa Social: uma visão crítica, 2015, pela Coleção Para Entender Direito (www.paraendetenderdireito.com.br).
Fonte: emporiododireito.com.br
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