domingo, 23 de julho de 2017

A Espanha ensina: reforma trabalhista que arrocha trabalhador prejudica também o país

Imagem: Internet

Durante esses dias na Espanha, em estudos na Universidade de Salamanca, tive a oportunidade de conversar com uma senhora que, sendo funcionária de uma empresa terceirizada, faz trabalhos de faxina numa das escolas que hospedam estudantes.

Vamos chama-la de “Maria”. Ela tem 48 anos. Seu marido, de 51, está desempregado há dez anos, porque não consegue se recolar no “mercado de trabalho”. Por isso, Maria é a única a sustentar sua família. Recebe, da empresa terceirizada - que não lhe garante nenhum direito -, em torno de 600 euros por mês; aproximadamente R$ 2.300,00.

Para o trabalhador brasileiro que recebe 937 reais por mês pode parecer muito. Mas, uma refeição na Espanha não sai por menos de 25 reais.

Maria disse que a vida da família era muito boa. Até que o governo espanhol começou a fazer uma série de “reformas” depois da crise econômica, há cerca de 10 anos. E ela sentencia: “as reformas acabaram com a vida e os direitos dos trabalhadores. Os ricos continuam cada vez mais ricos. Nós, os trabalhadores, cada vez mais pobres.”

Porém, disse ela, “ainda nos resta um bom sistema de saúde pública; uma boa educação e segurança públicas."

Maria contou casos de vários amigos familiares que perderam suas casas hipotecadas por bancos nos últimos dez anos.

A situação de Maria não é exceção. Além do problema migratório, a pobreza volta a rondar o velho continente. Nas ruas das cidades europeias começamos a ver pedintes. Alguns deles, com cartazes, se humilhando, a suplicarem ajuda até para se alimentarem. Coisa impensável há duas décadas atrás.

Com intensidades diferentes, as reformas trabalhistas mundo afora têm sido uma cruel ofensiva do capitalismo rentista e improdutivo contra os direitos dos trabalhadores, implantadas por governos neoliberais, a partir dos anos de 2000.

Todas as alterações que se processaram (com mais intensidade a partir de 2008) tiveram como desculpa a crise econômica; e se transformaram, na prática, na mais colossal espoliação da mão-de-obra por um lado e de concentração de riqueza e renda, por outro.

Os oito homens mais ricos do mundo possuem tanta riqueza quanto as 3,6 bilhões de pessoas que compõem a metade mais pobre do planeta, segundo a ONG britânica Oxfam.

Da mesma forma, 28 grandes grupos financeiros manejam quase dois trilhões de dólares por ano. O balanço desses megaconglomerados financeiros (que tem, entre outros, o Goldman Sachs, o JP Morgan Chase, o Bank of America, o Citigroup, o Santander, entre outros) mostra um patrimônio (não produtivo) de 50 trilhões de dólares, sendo que o PIB mundial está na casa dos 75 trilhões. Ou seja, esses conglomerados detêm cerca de 68% de todo o fluxo mundial do capital.

Então, vamos ao ponto: quem governa o mundo e ganha com a precarização do trabalho e das aposentadorias e com o aniquilamento das políticas sociais são esses grupos e esses bilionários. 

Vejamos, por exemplo, os dados da destinação do orçamento público brasileiro, publicados pela “Auditoria da Dívida Cidadã”, referentes ao ano de 2014. 

Naquele ano, o governo federal gastou R$ 978 bilhões com juros e amortizações da dívida pública, o que representou 45,11% de todo o orçamento efetivamente executado no ano. Essa quantia corresponde a 12 vezes o que foi destinado à educação, 11 vezes aos gastos com saúde, ou mais que o dobro dos gastos com a Previdência Social.


Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida Pública


E para essa engenharia funcionar, os governos (leia-se, os três poderes dos estados nacionais) estão literalmente de joelhos aos ditames do capital.

Nem mesmo durante os governos petistas conseguiu-se reverter a lógica da imposição dos ditames do capitalismo em relação aos interesses nacionais.

Imaginemos, então, o que ocorre em governos que se aliam a esse modelo de submissão ao rentismo: o que vale é o dinheiro; não as pessoas. Assim são os governos como o de Temer, no Brasil.

Como todos sabem, foram as elites econômica, política, midiática e empresarial que, através de um golpe perverso, se articularam para colocar no centro do poder a turma que é preposta do capitalismo internacional. “Com o Supremo, com tudo”, como disse Romero Jucá.

Mas, voltemos ao caso da Maria. Como noticiou recentemente o “El País”, a reforma tocada por Temer e seu grupo inclassificável no Congresso se inspirou na reforma trabalhista espanhola.

Mas, nos últimos tempos, a Espanha está a mudar, radicalmente, de discurso. Segundo o periódico espanhol, “depois de cinco anos de austeridade, o Governo do Partido Popular – centro-direita – envia agora uma mensagem aos empresários: os salários dos trabalhadores precisam ser melhorados e o aumento, ainda em 2017 – que os sindicatos patronais e de trabalhadores não conseguem pactuar –, deve permitir que as famílias recuperem seu poder aquisitivo. O Governo busca, agora, corrigir a situação criada por ele mesmo ao aprovar cinco anos atrás uma polêmica reforma trabalhista, bastante contestada pelos sindicatos de trabalhadores e pelos partidos de esquerda. ”

A reportagem confirma as percepções de Maria: a reforma trabalhista espanhola levou à perda de qualidade do trabalho (diminuindo a competitividade da indústria) e uma piora na remuneração (dos trabalhadores).

Em síntese, além de prejudicar por demais os trabalhadores, a reforma trabalhista colocou a Espanha numa situação perigosa frente aos demais países da União Europeia, à medida que a qualidade do trabalho é ingrediente fundamental para a competitividade e eficiência das empresas. Capitalistas minimamente inteligentes, liberais na teoria e na prática, sabem que trabalho semiescravo e precarizado não combina com modernidade.

Em países onde os trabalhadores são sujeitos de direitos, de fato, ampliam-se, recentemente, os debates sobre a concentração da riqueza em detrimento da precarização das condições de vida da maioria da população. Afinal, condições insalubres e desumanas podem levar a um caminho perigoso: as revoltas. Imaginemos a situação brasileira, onde já vivemos uma brutal escalada da violência e da criminalidade.


No Brasil, que não conseguiu sequer garantir o estado de bem-estar social aos trabalhadores, o alerta de Leonardo Boff é verdadeiro: “se os golpistas levarem até o fim seu projeto de privatizações radicais a ponto de desgraçarem a vida de boa parte da população, poderemos conhecer revoltas sociais. Num sentido melhor, fazem sentido as palavras do editor da Carta Capital, Mino Carta: o golpe de uma quadrilha a serviço da Casa Grande teve o condão de despertar a consciência nacional. Cuidado: uma vez despertada, esta consciência pode alijar seus opressores e buscar um outro caminho.”

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Um juiz medíocre; uma sentença pífia; uma justiça de botequim

Foto: Internet

A sentença do Torquemada das Araucárias é uma afronta ao decantado estado democrático de direito que, no caso brasileiro, é um conto da carochinha a contentar a classe média. Porque os pobres, a maioria da população, não participam dos benefícios dessa engenharia que garante os interesses de uns poucos.

Como todos sabem, a peça-chave do dito estado democrático de direito é a lei. A lei foi uma criação do estado liberal-democrático para a garantia dos direitos do cidadão.

Quando um juiz transforma a lei num conjunto de regras discricionárias a ampliar o direito penal a serviço da sua ideologia, ele deixa de ser juiz e passa a ser um falastrão de botequim. Quer plateia, aplausos, justiciamento; menos justiça.

Um juiz não está legitimado para ser legislador. Ele não pode interpretar a lei a seu bel-prazer. Ele não pode sobrepor convicções pessoais e de classe sobre os princípios elementares da dignidade humana – origem e razão de ser da lei. Quando um magistrado age como um tirano, sua sentença não tem legitimidade e não deve ser cumprida.

Quem lê a sentença de Moro fica atordoado com a miséria do seu conteúdo. Mas, Moro paga o preço de ter se colocado como cavalheiro errante da globo e das elites nacionais.

Se no Brasil os tribunais respaldarem seus desatinos, caberá a Lula os recursos aos tribunais internacionais que, ainda, respeitam os princípios basilares do estado liberal-democrático.

Infelizmente, desde que o STF se apequenou como um tribunal constitucional e se assoberbou na condição de um tribunal penal seletivo, muitos juízes no país deixaram de ser cumpridores da lei e passaram a ser carrascos da lei.

No caso de Moro há agravantes: age, também, como uma marionete a distrair o povo nos momentos de tensão política, a desviar os fatos relevantes com suas sentenças pífias.

Ademais, serviçal de interesses escusos, quer retirar Lula da disputa presidencial. Ou seja, age como um tirano que se impõe no tapetão, à fórceps.

É o que acaba de ocorrer: no dia que um bando de assaltantes do poder estuprou a CLT (coisa que nem os militares ousaram fazer), o juiz-global-tucano expediu uma sentença ridícula para tirar a atenção da população ao fato que realmente interessa.

Afinal, a luta popular que nos congrega é contra uma coalizão de perversos que não se preocupa com a Nação. Um bando cuja permanência temporária no poder se concretiza na realização do serviço sujo a beneficiar o capital financeiro.

Um governo ilegítimo e fundamentalmente corrupto que só se sustenta porque tem sócios poderosos na justiça, na mídia e no parlamento. Todos comprometidos com o desmonte do estado social brasileiro.

Pois bem: para tirar a atenção dessa afronta aos direitos trabalhistas, a malfadada “reforma” da CLT, condenada até mesmo pela Organização Internacional do Trabalho, o aparecido togado resolveu aparecer. Tirou de dentro da sua cartola a sentença que aguardava o momento oportuno para ser midiatizada e distrair o povo.

Pois bem. Fica cada vez mais claro que nos resta somente a desobediência civil e o recurso à rebelião.

Até mesmo a tradição política liberal conservadora admite (desde John Locke), o direito que todo cidadão tem de se contrapor aos tiranos; o direito de lutar de todas as formas contra os usurpadores do poder que se impõem através de um estado de terror, da força, da censura ou das violências contra as garantias sociais e individuais.

Voltando a Moro: sua parcialidade e seletividade são retumbantes. Seus dias como torquemada terão fim quando o Brasil retomar seu caminho verdadeiramente democrático.


quarta-feira, 5 de julho de 2017

Aécio, Gilmar e Temer: o triunvirato apocalíptico que governa o Brasil

Fotomontagem: Metrópoles

Vamos pôr os pintos nos is: o trio que hoje controla os três poderes da república das bananeiras é formado por três cavaleiros do apocalipse.

Na versão original do livro do Apocalipse, a visão profética do apóstolo João enxerga quatro cavaleiros: Peste, Guerra, Fome e Morte. Na nossa versão tupiniquim, o quarto cavaleiro, a morte, se concretiza no funeral de uma república e dos seus poderes agonizantes; portanto, é o resultado da ação dos outros três cavaleiros.

Aécio certamente representa a peste: uma infecção aparentemente incontrolável, a contaminar com uma cegueira inexplicável amplos setores conservadores e elitistas da nossa sociedade que não percebem o abismo que ele cavou para o país desde sua derrota eleitoral em 2014. Ele controla o tucanato, fiel da balança a sustentar um governo ilegítimo, sem credibilidade e que afronta o Brasil e os brasileiros. Como toda a peste, produz uma destruição enorme, mas, para o bem da Nação, terá que ser controlada e extirpada.

Gilmar, a guerra, é aquele que tenciona todos os poderes; beligerante, usa das estratégias mais ardilosas e perversas para conseguir seus intentos. Como um comandante vaidoso, age sem hesitação; não tem pudor nem temor. Para auferir conquistas, não teme as atitudes mais inescrupulosas à luz do dia. Convive e banqueteia tranquilamente com os outros dois cavaleiros com toda a certeza da impunidade. Afinal, pontifica num poder que, como escreveu o professor Fábio Konder Comparato, é “submisso às elites, corrupto em sua essência e comprometido com a injustiça”. Sabe que pode contar com muitos dos seus pares nas suas aventuras antidemocráticas. A bolinha do sorteio supremo que o diga... Afinal, numa certa república das bananeiras muitos diabos não vestem prada; vestem toga.

Temer, a fome, apesar de aparentemente poderoso, é o mamulengo dos donos do poder (rentistas, empresários, latifundiários, banqueiros). Ele negocia ardilosamente uma série de políticas antissociais num país marcado pela desigualdade. Suas “reformas” significarão mais carestia, precarização do emprego e das condições de vida para a maioria dos brasileiros. Teleguiado pelo representante do rentismo, o poderoso Henrique Meireles, sua sombra oculta, não tem nenhum escrúpulo em liderar uma coalizão parlamentar de gatunos (dirigida por um bandoleiro atualmente preso) que desfigura e macula a Constituição Federal de 1988 a favorecer descaradamente a Casa Grande e os interesses dos "guerreiros do norte" - que se consideram os proprietários dessas plagas. Mesmo atolado num lamaçal, age como um espírito desnorteado, moribundo e agonizante, mas apegado ao que lhe resta.

O triunvirato que hoje governa o país se uniu por motivos particulares e nada republicanos. Os três navegam num mesmo barco furado que vaza excremento por todos os lados; são odiados pelo povo; mas, precisam somar forças para se sustentarem no poder.

Assim como nos dois triunviratos da Roma antiga, o fim dos três cavaleiros do apocalipse tupiniquim não será glorioso. Apesar de aparentemente unidos e momentaneamente vitoriosos, Aécio, Gilmar e Temer sabem que essa união estratégica e o poder momentâneo dela auferido escondem uma imensa repulsa popular que os lançará, mais cedo ou mais tarde, no abismo dos degredados. Daqueles que traíram uma Nação e seu povo.


E não nos contentemos com o argumento segundo o qual a história fará justiça...