Imagem: Internet |
Durante esses dias na Espanha, em
estudos na Universidade de Salamanca, tive a oportunidade de conversar com uma
senhora que, sendo funcionária de uma empresa terceirizada, faz trabalhos de
faxina numa das escolas que hospedam estudantes.
Vamos chama-la de “Maria”. Ela
tem 48 anos. Seu marido, de 51, está desempregado há dez anos, porque não consegue
se recolar no “mercado de trabalho”. Por isso, Maria é a única a sustentar sua
família. Recebe, da empresa terceirizada - que não lhe garante nenhum direito -,
em torno de 600 euros por mês; aproximadamente R$ 2.300,00.
Para o trabalhador brasileiro que
recebe 937 reais por mês pode parecer muito. Mas, uma refeição na Espanha não
sai por menos de 25 reais.
Maria disse que a vida da família
era muito boa. Até que o governo espanhol começou a fazer uma série de “reformas”
depois da crise econômica, há cerca de 10 anos. E ela sentencia: “as reformas
acabaram com a vida e os direitos dos trabalhadores. Os ricos continuam cada
vez mais ricos. Nós, os trabalhadores, cada vez mais pobres.”
Porém, disse ela, “ainda nos
resta um bom sistema de saúde pública; uma boa educação e segurança públicas."
Maria contou casos de vários
amigos familiares que perderam suas casas hipotecadas por bancos nos últimos
dez anos.
A situação de Maria não é exceção. Além do problema migratório, a pobreza volta a rondar o velho continente. Nas
ruas das cidades europeias começamos a ver pedintes. Alguns deles, com cartazes,
se humilhando, a suplicarem ajuda até para se alimentarem. Coisa impensável há duas
décadas atrás.
Com intensidades diferentes, as
reformas trabalhistas mundo afora têm sido uma cruel ofensiva do capitalismo rentista e improdutivo contra os
direitos dos trabalhadores, implantadas por governos neoliberais, a partir dos anos de 2000.
Todas as alterações que se
processaram (com mais intensidade a partir de 2008) tiveram como desculpa a
crise econômica; e se transformaram, na prática, na mais colossal espoliação da
mão-de-obra por um lado e de concentração de riqueza e renda, por outro.
Os oito homens mais ricos do
mundo possuem tanta riqueza quanto as 3,6 bilhões de pessoas que compõem a
metade mais pobre do planeta, segundo a ONG britânica Oxfam.
Da mesma forma, 28 grandes grupos
financeiros manejam quase dois trilhões de dólares por ano. O balanço desses
megaconglomerados financeiros (que tem, entre outros, o Goldman Sachs, o JP
Morgan Chase, o Bank of America, o Citigroup, o Santander, entre outros) mostra
um patrimônio (não produtivo) de 50 trilhões de dólares, sendo que o PIB
mundial está na casa dos 75 trilhões. Ou seja, esses conglomerados detêm cerca
de 68% de todo o fluxo mundial do capital.
Então, vamos ao ponto: quem
governa o mundo e ganha com a precarização do trabalho e das aposentadorias e com o aniquilamento das políticas sociais são esses grupos e esses bilionários.
Vejamos, por exemplo, os dados da destinação do orçamento público brasileiro, publicados pela “Auditoria da Dívida Cidadã”, referentes ao ano de 2014.
Naquele ano, o governo federal gastou R$ 978 bilhões com juros e amortizações da dívida pública, o que representou 45,11% de todo o orçamento efetivamente executado no ano. Essa quantia corresponde a 12 vezes o que foi destinado à educação, 11 vezes aos gastos com saúde, ou mais que o dobro dos gastos com a Previdência Social.
Vejamos, por exemplo, os dados da destinação do orçamento público brasileiro, publicados pela “Auditoria da Dívida Cidadã”, referentes ao ano de 2014.
Naquele ano, o governo federal gastou R$ 978 bilhões com juros e amortizações da dívida pública, o que representou 45,11% de todo o orçamento efetivamente executado no ano. Essa quantia corresponde a 12 vezes o que foi destinado à educação, 11 vezes aos gastos com saúde, ou mais que o dobro dos gastos com a Previdência Social.
Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida Pública |
E para essa engenharia funcionar, os governos (leia-se, os três poderes dos estados nacionais) estão literalmente de
joelhos aos ditames do capital.
Nem mesmo durante os governos petistas conseguiu-se reverter a lógica da imposição dos ditames do capitalismo em relação aos interesses nacionais.
Nem mesmo durante os governos petistas conseguiu-se reverter a lógica da imposição dos ditames do capitalismo em relação aos interesses nacionais.
Imaginemos, então, o que ocorre em governos que se aliam
a esse modelo de submissão ao rentismo: o que vale é o dinheiro; não as pessoas. Assim são os governos como o
de Temer, no Brasil.
Como todos sabem, foram as elites
econômica, política, midiática e empresarial que, através de um golpe perverso,
se articularam para colocar no centro do poder a turma que é preposta do
capitalismo internacional. “Com o Supremo, com tudo”, como disse Romero Jucá.
Mas, voltemos ao caso da Maria. Como
noticiou recentemente o “El País”, a reforma tocada por Temer e seu grupo
inclassificável no Congresso se inspirou na reforma trabalhista espanhola.
Mas, nos últimos tempos, a
Espanha está a mudar, radicalmente, de discurso. Segundo o periódico espanhol, “depois
de cinco anos de austeridade, o Governo do Partido Popular –
centro-direita – envia agora uma mensagem aos empresários: os salários dos
trabalhadores precisam ser melhorados e o aumento, ainda em 2017 – que os
sindicatos patronais e de trabalhadores não conseguem pactuar –, deve permitir
que as famílias recuperem seu poder aquisitivo. O Governo busca, agora,
corrigir a situação criada por ele mesmo ao aprovar cinco anos atrás uma polêmica
reforma trabalhista, bastante contestada pelos sindicatos de trabalhadores e
pelos partidos de esquerda. ”
A reportagem confirma as
percepções de Maria: a reforma trabalhista espanhola levou à perda de qualidade
do trabalho (diminuindo a competitividade da indústria) e uma piora na
remuneração (dos trabalhadores).
Em síntese, além de prejudicar
por demais os trabalhadores, a reforma trabalhista colocou a Espanha numa
situação perigosa frente aos demais países da União Europeia, à medida que a
qualidade do trabalho é ingrediente fundamental para a competitividade e eficiência
das empresas. Capitalistas minimamente inteligentes, liberais na teoria e na
prática, sabem que trabalho semiescravo e precarizado não combina com modernidade.
Em países onde os trabalhadores são
sujeitos de direitos, de fato, ampliam-se, recentemente, os debates sobre a
concentração da riqueza em detrimento da precarização das condições de vida da
maioria da população. Afinal, condições insalubres e desumanas podem levar a um caminho perigoso: as revoltas. Imaginemos a situação brasileira, onde já vivemos uma brutal escalada da violência e da criminalidade.
No Brasil, que não
conseguiu sequer garantir o estado de bem-estar social aos trabalhadores, o
alerta de Leonardo Boff é verdadeiro: “se os golpistas levarem até o fim seu
projeto de privatizações radicais a ponto de desgraçarem a vida de boa parte da
população, poderemos conhecer revoltas sociais. Num sentido melhor, fazem
sentido as palavras do editor da Carta Capital, Mino Carta: o golpe de uma
quadrilha a serviço da Casa Grande teve o condão de despertar a consciência
nacional. Cuidado: uma vez despertada, esta consciência pode alijar seus
opressores e buscar um outro caminho.”
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