quarta-feira, 12 de março de 2014

Vídeo: os oito anos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Assista no link abaixo meu depoimento sobre os oito anos de existência do Fórum Brasileiro de Segurança Pública:

https://www.youtube.com/watch?v=5wk8hv7eRcY&list=PLwU1GX-uG1f_tnpA4RNaLnUQfaeBmujCG

Por que os rolezinhos incomodam?


Os rolezinhos (encontro de jovens da periferia em shoppings, que começou em São Paulo) ocuparam os noticiários da semana, as rodas de conversas pelos quatro cantos do país, entraram na pauta política do governo federal, chegaram à justiça e mobilizou a polícia militar para proteger o patrimônio privado. Os versos da música Comida, do Titãs, talvez possa expressar o sentimento destes jovens: “A gente quer inteiro/ E não pela metade...”. Em entrevista concedida ao site Comunidade BH em Movimento, o filósofo, cientista social e professor universitário,  Robson Sávio Reis Souza , fala sobre a reação de segmentos da sociedade e do poder público aos encontros dos jovens das periferias nos centros de compras. Para ele, c alar os rolezinhos à força, sem escutá-los, é repetir a estupidez de um sistema que reprime todos os conflitos sociais, sem resolvê-los. 
Os “rolezinhos” seriam um modismo ou um grito da juventude por mais espaço nas cidades?
Robson Sávio  - As grandes cidades brasileiras mantêm uma descomunal desigualdade social. A presença do poder público nas periferias, historicamente, se dá pela repressão, via polícia. Os guetos suburbanos continuam esquecidos, invisibilizados, apesar da esplêndida cultura popular que, resistente, é uma riqueza pulsante nesses locais, onde as pessoas vivem sem dignidade e respeito; são transportadas em verdadeiras carroças superlotadas como se animais fossem; têm péssimo atendimento das políticas sociais. Acontece que os jovens das periferias, segregados territorialmente nas bordas das grandes cidades, estão se despertando e reagindo contra a hipocrisia da nossa sociedade que ainda trata os cidadãos sob duas perspectivas: os que possuem dinheiro (os homens de bens, sujeitos de direitos) e os pobres, que devem se contentar com migalhas. Olhemos Belo Horizonte: tomemos como exemplo uma escola da prefeitura que se encontra na Savassi e outra que se encontra na Pedreira Prado Lopes ou no Taquaril. É a mesma rede municipal de educação, mas esses dois equipamentos representam mundos diferentes, tratados de formas totalmente antagônicas pelo poder público e pela sociedade tradicional. Não é preciso compararmos São Paulo com o Piauí. As vergonhosas desigualdades sociais se reproduzem, impávidas, também nas grandes cidades brasileiras, frutos de uma urbanização sociopática. Por isso, os jovens da periferia estão corretíssimos ao publicizarem essa falsa democracia (porque não é inclusiva) e exigirem uma cidade para todos, e não para alguns. Para o horror de segmentos conservadores que estão acostumados com o poder público voltado exclusivamente para atender os interesses das elites, em detrimento dos interesses coletivos.  
A reação das administrações dos shoppings seria uma preocupação com a segurança ou preconceito?
Robson Sávio     O Brasil tem um empresariado ridicularmente conservador e atrasado. Os empresários só querem o lucro fácil e a qualquer custo. Não respeitam os direitos dos cidadãos. Reclamam dos impostos (porque são a forma de o Estado arrecadar recursos para investimentos sociais) e não têm vergonha ao venderem seus produtos com juros e lucros exorbitantes. Em qualquer país dito “civilizado” um lucro de 5% é considerado razoável. No Brasil, os bancos roubam a taxas de juros de 120% ou mais; os comerciantes embutem nos preços 40 ou 50% de lucro. E tudo dentro da lei, porque a lei é feita pelos homens de bens para se autoprotegerem de suas ladroagens legalizadas. É claro que a reação dos donos dos shoppings, essas catedrais pornográficas do consumo, é puro preconceito e discriminação sócio-racial. E os jovens escolheram o alvo certo ao utilizar desses enclaves do consumismo para denunciarem esse estado de coisas que se mantém baseado na discriminação e numa  apartheid  social próprios de um capitalismo do século 19, exploratório e colonial, como é o nosso caso.
Os jovens que forem barrados nos shoppings mesmo estando em pequenos grupos, devido às suas características e roupas que usam, podem acionar a justiça por preconceito ou discriminação?
Robson Sávio     Podem. Mas, provavelmente, não terão êxito. Sejamos francos: o sistema de Justiça, principalmente a justiça criminal, que temos é incapaz de ouvir o clamor dos pobres. É uma justiça elitista, aristocrática, que existe para ratificar o que está aí e, eventualmente, num ou noutro espasmo, processar alguma ação digna desse nome. Uma justiça a manter a população sob a tutela de uma elite atrasada e perversa. Não somente no Brasil, mas infelizmente trata-se de uma tendência do Ocidente, tudo está a serviço do capitalismo que segrega e discrimina os pobres. O problema maior é que o capitalismo brasileiro é do século 19. Portanto, pura ilusão pensarmos que alguma modificação social procedente do “andar de baixo” terá respaldo pela justiça encastelada e inquisitorial que temos; não obstante os belos artigos da Constituição de 1988 que garantem igualdade de direitos. Penso que se dependermos do poder judiciário para mudanças estruturais na nossa sociedade, provavelmente ultrapassaremos o século 21 continuando reféns de uma justiça do século 18.
O jornal Le Monde enfoca os rolezinhos e fala sobre preconceito social e racial no Brasil. Estes preconceitos estão mais exacerbados no Brasil hoje ou é uma visão distorcida do estrangeiro?
Robson Sávio     Apesar desse estado deplorável de coisas, dado que todos pensam que vivemos na liberdade e na democracia quando cada vez mais somos escravos dos modos de vida determinados pelo consumo, o Brasil passa por mudanças substantivas. Somos uma sociedade mais plural e as instituições tradicionais não dão conta de, via repressão ou medo, inibir a livre manifestação das pessoas. Há o fenômeno da Internet e das redes sociais que ajudam as pessoas a romperem o velho e malfadado discurso uníssono da grande mídia a serviço do capitalismo perverso. Ainda temos que considerar, no caso brasileiro, o fato de que os segmentos mais pobres têm experimentado mudanças importantes nos últimos anos: acesso a políticas de transferência de renda, educação superior, moradia. E essas pessoas conseguem observar que cidadania não é simplesmente um prato de comida, mas a garantia do acesso a todos os direitos, dado que os direitos são (ou deveriam ser) de todos. Observamos que os mais pobres, paulatinamente, vencem o discurso impositivo da resignação e começam a vocalizar seus desejos e preferências. Por isso, a explicitação do racismo e dos vários tipos de preconceitos maquiados na nossa sociedade começa a aparecer com mais força e evidência. E é somente através de certo recrudescimento desses conflitos sociais (historicamente sufocados) que poderemos dar um passo rumo a uma sociedade mais justa e democrática.
Qual sua opinião sobre a justiça proibir, mesmo que liminarmente, a realização dos “rolezinhos” nos shoppings, como ocorreu no Rio e em São Paulo?
Robson Sávio     A justiça, de modo geral, está a serviço dos donos do capital. Calar os rolezinhos à força, sem escutá-los, é repetir a estupidez de um sistema que reprime todos os conflitos sociais, sem resolvê-los. Sou pessimista em relação a uma atuação democratizante da nossa justiça.
Qual a sua opinião sobre a entrada do governo nas discussões dos “rolezinhos”. Eles se transformaram em tema de segurança pública?
Robson Sávio     Muito provavelmente o tema será superficialmente discutido pelos governos, haja vista a aproximação do período eleitoral. O que os rolezinhos denunciam é uma sociedade excludente que, para ser modificada, demanda ações de governo, mas, também e fundamentalmente, mudança de concepções e modos de vida de cada um de nós, cidadãos, que devemos ver no outro um sujeito de direito e não um concorrente que precisa ser eliminado. Certamente, o tema deveria entrar na agenda da política de segurança pública numa perspectiva segundo a qual tal política deveria garantir e proteger direitos e não limitá-los. Mas, como segurança pública no Brasil ainda existe para manter “cada macaco no seu galho”, penso, com tristeza, que a velha estratégia da repressão será usada em doses cavalares se os jovens da periferia continuarem se atrevendo contra os templos de consumo dos homens de bens.
Na sua opinião, se os jovens participantes dos “rolezinhos” promovessem campanhas de boicote ao consumo nos shoppings contribuiria para mudar a opinião das administrações destes centros de compras?
Robson Sávio     Mas será que os jovens estariam dispostos a essa ação, altamente política, mas com custos enormes para uma sociedade que vive dos simbolismos lastreados no consumo e no bem-estar individual? Acho que o movimento já é importantíssimo pelo debate que ele enseja na nossa sociedade.
Fonte: Site Comunidade Movimento BH, em:
http://www.comunidademovimentobh.com.br/index.php/noticias/685-por-que-os-rolezinhos-incomodam

Seletividade das polícias e da justiça: porta aberta à barbárie


A violência no Brasil tem atingido patamares dantescos. Fruto em boa medida das profundas desigualdades socioeconômicas (“a paz é fruto da justiça”), mas também da incapacidade do Estado em agir e reagir contra a barbárie.
Como sabemos, o uso legítimo da força e da violência pelo Estado é um dos mecanismos que garantem a vida em sociedade. Como nos ensina Hobbes, o poder de coerção do Estado é decorrente de um pacto entre os cidadãos, com a finalidade de controlar aspirações ilegítimas e manifestações beligerantes. Para tanto, as instituições que processam a justiça e têm por obrigação a segurança pública (não para limitar direitos, mas para garanti-los) devem funcionar com o máximo de eficiência. Do contrário, prevalece a impunidade, a violência campeia e os interesses privados se sobrepõem aos interesses públicos e coletivos.
Assusta-me, o estado de letargia das nossas instituições do sistema de justiça criminal. O imobilismo e a seletividade desse sistema coloca em xeque nossa democracia na medida em que os cidadãos, sentindo-se desvalidos e impotentes, demandam intervenções das polícias e da justiça e não têm respostas ao seu pleito legítimo. (Sobre a seletividade, elitismo, morosidade e distanciamento do Poder Judiciário da população já tratamos neste blog).
Especificamente, tenho observado que a seletividade da atividade policial está a produzir um estado de deslegitimação da autoridade estatal, corroborando a certeza da impunidade. Por algum motivo, as polícias têm usado de critérios pouco transparentes para o atendimento às demandas individuais e comunitárias. Mesmo em eventos de grave violação de direitos a presença policial muitas vezes não se concretiza.
Estamos certos que não se trata de ação deliberada das polícias (pois se assim fosse, implicaria em crime de responsabilidade), mas o fato objetivo é que a população está a reclamar a presença do Estado como mediador dos conflitos.
Não é possível que boa parte do contingente policial esteja mobilizada para atividades burocráticas, por exemplo, deixando a população à mercê da própria (falta de) sorte. Polícia eficiente e respeitada é aquela que atua na ponta, junto a população, e não nos gabinetes. Não adianta aumento no número de policiais e viaturas se o foco da atividade policial não está direcionado para a prevenção e combate sistemáticos dos crimes, onde eles ocorrem. Crimes de oportunidade, por exemplo, explodem quando há baixa vigilância; ou seja, quando a polícia não está presente nas ruas. (Inúmeras atividades burocráticas e administrativas exercidas por policiais poderiam ser realizadas com sucesso por outros agentes públicos, liberando os operadores da segurança para aquilo que são sua especialidade).
Se há um problema de gestão da atividade policial que ele seja corrigido, para o bem dessas instituições que só gozarão de legitimidade se agirem na garantia dos direitos dos cidadãos. Por outro lado, se há omissão dos governos na garantia dos recursos necessários para o exercício da atividade policial trata-se de crime contra a democracia que precisa ser devidamente esclarecido e corrigido.