sexta-feira, 31 de março de 2017

Mais um golpe, 53 anos depois



Nesse 31 de março recordamos, mais uma vez, o malfadado golpe civil-militar de 1964. E somos obrigados a falar do golpe de 2016.

Escrevo também na condição de coordenador da Comissão da Verdade em Minas Gerais, que tem, entre outros, o compromisso com a verdade, a memória e a justiça.

Nas democracias, a mudança do poder político só é legítima pela via eleitoral. Portanto, golpe é a mudança do poder político, de forma repentina, sem a deliberação ou o respaldo do povo.

Em 1964, o movimento golpista se deu com a violência das armas e o protagonismo foi dos militares. Em 2016, com violência simbólica, o protagonismo do parlamento no golpe só foi possível pelo evidente respaldo do judiciário. Em ambos os casos, a mídia, o setor financeiro e segmentos retrógrados da classe média foram os avalistas das rupturas democráticas.

Como se sabe, os golpes sempre produzem gravíssimas rupturas de ordens institucional, jurídica, econômica, social e até moral. Não é por acaso que percebemos a falta de compostura generalizada, inclusive de juízes de tribunais superiores.

E o golpe atual tem um agravante: diferentemente do golpe de 1964, quando os militares assumiram o controle e enquadram à força as demais instituições, o que vemos agora é uma disputa ensandecida entre líderes dos três poderes pelo controle do poder.

Como já registramos em outros textos, o que nos chama a atenção na ruptura democrática atual é o papel estratégico desempenhado por promotores e juízes na consolidação da ruptura democrática. Esse processo de centralidade do judiciário iniciou-se com a judicialização da política (no mensalão), derivando na politização da justiça (nas posturas e decisões de Sérgio Moro, Rodrigo Janot e Gilmar Mendes, na lavajato) e culmina com a partidarização da justiça (com a nomeação de Moraes para o STF). Fala-se, inclusive, que a presidente do Supremo, Gilmar Mendes ou Moro estariam sendo preparados para chefiar o executivo, num novo golpe dentro do golpe. Não me surpreendeu o fato de juízes e promotores começarem a se despontar em pesquisas de intenção de voto à presidência da república divulgadas nos últimos dias. Só falta o (detalhe do) respaldo popular para a consolidação da juristocracia tupiniquim no poder.

A centralidade do judiciário acontece simultaneamente à ampla campanha de criminalização da política, pela mídia, notadamente dos partidos e seus quadros. Ou seja, à medida que todos os políticos e partidos são lançados na fogueira, o poder judiciário vai aumentando sua musculatura.

Sintomático, também, o fato de, justamente quando o voto popular passou a eleger políticos e partidos de esquerda no nível central, os grupos de direita se articularam para surrupiar do povo o direito de escolher seus governantes e recolocaram as tradicionais elites, os velhacos, como dizia Ulisses Guimaraes, no centro da vida política nacional.

O fato é que as consequências das rupturas democráticas aparecem de variadas formas: disputa entre poderes, instabilidade das instituições, experimentos de golpes dentro do golpe, medidas antipopulares e antinacionais, etc.

No caso do golpe atual há que se registrar, também, algumas psicopatologias dos principais líderes golpistas nos três poderes: desejo incontido de poder, prestígio e bajulação e uma imensa fraqueza moral e ética, própria de personalidades pueris: pessoas que não têm limites; vivem num mundo paralelo; postam-se como cidadãos acima do bem e do mal e são obcecados pelo poder a qualquer custo.

Na atual fase os golpistas se articulam para recolocar o Brasil à sua condição de colônia do capitalismo rentista. Portanto, destruir os direitos sociais, econômicos e trabalhistas conquistados na Constituição Federal de 1988. Para tanto, há uma orquestração de ações nos campos político (executivo e legislativo) e jurídico-constitucional (Supremo).

É verdade que já aparecem fraturas entre os golpistas. Afinal, cobras num mesmo caixote acabam mordendo os rabos umas das outras. E vale a pena continuar torcendo para a sabotagem recíproca entre os membros dos grupos golpistas. Talvez, um racha seja a única forma de se esfacelar essa coalizão que destrói o país para a alegria do Tio Sam, o mentor do golpe, como ocorrera também em 1964.

Porém, enganam-se aqueles que pensam num futuro promissor com um país entregue à uma camarilha despudorada, antipopular e antinacional. O problema é maior é que não podemos contar com uma justiça isonômica e comprometida com a Constituição. Ademais, as instituições referenciais da sociedade também são objeto de desconfiança pública.

É preciso coragem: eleições diretas pelo voto popular são necessárias para o retorno à democracia. Mas, não são suficientes: somente com uma constituinte exclusiva para reformar os sistemas político, jurídico, econômico, de comunicação, entre outros, poderemos sair desse fosso colossal.


1964, que estava no retrovisor, voltou. É preciso reagir. Ou cairemos numa situação de barbárie.

sábado, 18 de março de 2017

PUNIR POLÍTICOS E EMPRESÁRIOS CORRUPTOS É UMA COISA. ARRUINAR A POLÍTICA, A ECONOMIA E QUEBRAR EMPRESAS É OUTRA.

Pensando bem, podemos suspeitar que agentes a serviço de interesses escusos, provavelmente dos Estados Unidos, na PF e no Ministério Público Federal primeiro trataram de quebrar a indústria do petróleo (e gás) e toda a sua cadeia produtiva e de alta empregabilidade, com a desculpa esfarrapada que estavam apurando corrupção na Petrobrás.

Depois, com a falácia que apuravam desvios ilícitos nos financiamentos de campanha eleitoral, quebraram as indústrias da construção pesada e naval.

Agora, resolveram quebrar a indústria da carne, uma das indústrias mais competitivas do país.

É importante esclarecer que a formação bruta de capital (indústria pesada) juntamente com o aumento do consumo das famílias (programas sociais, distribuição de renda) são as bases da expansão da economia capitalista.

Recentemente, técnicos do Banco Mundial, referindo-se ao que ocorre ultimamente no Brasil, disseram que nunca viram a desmontagem de políticas públicas que melhoravam a economia e a vida das pessoas pelo governo atual.

Como se não bastasse, simultaneamente, setores da juristocracia (no MP e na PF) tratam de desmontar as empresas.

Nos EEUU há inúmeros processos de desvios e corrupção na indústria bélica, sem destruição dessas empresas que são a base da economia norte-americana.

Noutra frente, a juristocracia (com a participação de juízes e tribunais superiores) destroem a política.

E a mídia oligopolizada trata de fazer o serviço sujo de manipular e selecionar o que deve ser divulgado e desmobilizar as reações populares.

Há mais um elemento a corroborar a suspeita de sabotagem à indústria nacional: segundo o ministério da agricultura, as denúncias envolvendo o setor de produção de carne já tem mais de sete anos. Por que, então, somente agora e neste contexto político marcado pelo desmonte de vários segmentos nacionais foi deflagrada a megaoperação policial?

É verdade que corrupção, o desvio de recursos públicos, as barbaridades que levam risco ao consumidor precisam ser apurados e extirpados das práticas criminosas desse capitalismo que mata.

Mas, uma coisa é apurar a participação de pessoas físicas em esquemas fraudulentos e puni-las nos limites da lei. Outra coisa, é transformar operações policiais em panfletagem midiática direcionada a acabar com o nome e a reputação das empresas, o que pode destruí-las. E, assim, destruir também uma das bases da economia.

Os empresários americanos, da UE e os chineses agradecem a camarilha golpista e seus sócios na juristocracia.

domingo, 12 de março de 2017

Abriu-se a caixa de Pandora: a política do vale-tudo




Em grupos de conversa, na sala de aula, em reuniões entre amigos sempre sou questionado sobre o abismo no qual se encontram as instituições, os atores políticos e a própria democracia brasileira depois do golpe.

Há um espanto geral, principalmente em alguns setores da classe média, um pouco mais politizada, acerca do nível de despudor, mesquinharia, ladroagem e desfaçatez que tomou conta da política nacional.
           
Como explicar uma cena política tão decadente, que parece nunca se aproximar do fundo do poço? Consolida-se a convicção segundo a qual o escândalo ou o saco de maldades de hoje sempre será abafado ou superado pelo escândalo ou pela perversão de amanhã. E, nesse jogo, parece que tudo é natural e normal.  

Como entender uma cidadania anestesiada, incapaz de reagir frente à criminalidade organizada que tomou conta do estado brasileiro? Aqui cabe o conceito de crime organizado, porque se trata de um conluio de grupos políticos imersos na corrupção que operam dentro do Estado, atuando de forma cooperada, envolvendo o judiciário e o aparelho político com vistas à construção de salvaguardas e redes de influência, objetivando a consolidação do poder econômico e político de tais grupos.

Poderíamos recorrer a uma das variáveis do mito de Pandora para tentar explicar o que acontece no Brasil. Diz o mito que uma mulher de extrema beleza foi enviada por Zeus para se casar com Epimeteu. O presente de casamento era uma caixa que continha todos os males, que ficou conhecida como “caixa de Pandora”. Uma vez que Pandora não conseguiu conter a sua curiosidade e abriu a caixa, ela libertou todos os males e desgraças sobre a humanidade.

            A trama perversa do golpe abriu a caixa de Pandora dessa república das bananeiras: escancarou não somente a podridão do sistema político, como também expôs  o nível de manipulação  e de controle que a mídia exerce sobre as instituições e a sociedade brasileira, o envolvimento de uma juristocracia elitista e conservadora com o submundo da política, o fascismo de setores da classe média, a fragmentação e as disputas dos setores democráticos e de vanguarda; enfim, a farsa de uma democracia altamente excludente, erigida e sustentada na desigualdade social e nos privilégios de elites, com instituições republicanas dominadas por grupos de interesse ensimesmados e não comprometidos com princípios basilares de um estado democrático e de direito.

            Quando a ética - que referencia as relações sociais e políticas - é quebrada abre-se o caminho para o vale-tudo. Todos os males vêm à tona e não há mais limites no trato com os negócios públicos. As leis e a Constituição passam a ser reles acessórios sistematicamente manipulados pelos grupos no poder. Como disse Jucá: “É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional. (...) Com o Supremo, com tudo.”

Os políticos já não se referenciam no povo, origem e fonte do poder. O botão do “dane-se” é ligado, como podemos observar na entrevista de Temer dizendo que não tem medo da impopularidade ou na fala do juiz Moro, segundo o qual o concurso à magistratura permite ao juiz a aplicação a lei a partir das suas convicções. É o que acontece no Brasil atual.

            Por um lado, presenciamos, quase anestesiados, um festival de desmandos e corrupção generalizados envolvendo os principais atores dos poderes públicos. Um complô midiático blinda e referenda o grupo no poder, naturalizando os comportamentos e práticas eivados de toda a sorte de perversidades. Como se tudo fosse natural, necessário e compreensível...

Têm-se a sensação de um conformismo frente à banalidade do mal, esta ocorrência tenebrosamente cotidiana da crueldade institucionalizada, mais ou menos nos mesmos moldes refletidos por Hannah Arendt.

Noutra ponta, observamos uma população inerte, sem esperança e confiança no comportamento ético dos ocupantes dos cargos públicos nos três poderes.

Ora, não é possível falar em democracia nessas condições. Afinal, o comportamento viciado e corrupto dos ocupantes dos cargos públicos além de não inspirar confiança nas instituições públicas, deslegitimando-as, acaba por estimular a violação de quaisquer valores éticos também pelos cidadãos. Afinal, as pessoas passam a repudiar as instituições pelo fato dos ocupantes dos cargos públicos não buscarem o bem comum. Os cidadãos percebem que os atores políticos trabalham contra o povo; atuam despudoradamente combatendo os interesses daqueles que são os verdadeiros titulares do poder. Ora, fica evidente que nessas condições não se pode falar em democracia.

Na política do vale-tudo não há limites; não há regras; não há pudor. É como se os golpistas, pelos seus atos, conchavos e omissões, dissessem à população: estamos no poder e podemos tudo. Uma espécie de inferno de Dante: “Deixai a esperança, ó vós que entrais”...

E é também recorrendo a Dante que encerro este texto e respondo aos meus interlocutores atônitos em relação a tudo o que acontece em nosso país. Em “A divina Comédia”, o escritor italiano Dante Alighieri propôs uma inversão da lógica medieval que imperava até então: onde tudo era atribuído ao poder divino, sobretudo o destino dos homens, Dante sugeria que era o homem quem decidia seu futuro com suas ações. Assim, a Divina Comédia é antes de tudo um livro sobre escolhas.

Assim, podemos concluir que mudança não virá com um salvador de pátria; nem brotará desse sistema político-jurídico-midiático sustentado na corrupção. A mudança está nas mãos dos cidadãos. Nossas escolhas nos manterão no inferno ou nos darão uma chance de subir ao paraíso. Ou seja, somente quando a sociedade brasileira acordar desse pesadelo anestesiante do inferno do vale-tudo que se abateu sobre nós  é que teremos condições de superar o golpe.

Não é uma empreitada fácil. Mas, parece ser o único caminho. Portanto, a resposta ao dilema vem com uma pergunta crucial: o que cada um individualmente e nos grupos sociais, eclesiais, sindicais pode fazer para fecharmos a caixa de Pandora e recuperarmos nossa democracia?

terça-feira, 7 de março de 2017

A justiça e a ruptura democrática


Charge: Duke - Internet 

Precisamos problematizar o papel estratégico desempenhado por promotores e juízes na consolidação da ruptura democrática, ou seja, do golpe parlamentar de 2016 em diante.

Inúmeros episódios têm demonstrado, sistematicamente, a postura cambiante do nosso sistema judicial. Como se não bastasse a falta de isonomia da justiça criminal brasileira, tolerante com a Casa Grande e feroz com a Senzala, temos assistido nos últimos anos um processo de protagonismo do judiciário em detrimento dos outros dois poderes.

Esse processo de centralidade do judiciário iniciou com a judicialização da política (no mensalão), derivando na politização da justiça (nas posturas e decisões de Sérgio Moro, Rodrigo Janot e Gilmar Mendes, na lavajato) e, agora, culmina com a partidarização da justiça (com a nomeação de Moraes para o STF). Fala-se, inclusive que a presidente do Supremo estaria sendo preparada para chefiar o executivo, num novo golpe dentro do golpe.

Lembremos que esse processo acontece simultaneamente à ampla campanha de criminalização da política, notadamente dos partidos e seus quadros. Ou seja, à medida que todos os políticos e partidos são lançados na fogueira, o poder judiciário vai tendo sua musculatura reforçada.

Sintomático, também, o fato de, justamente quando o voto popular e de segmentos da classe média passou a eleger políticos e partidos de esquerda no nível central, os grupos de direita, com apoio e metodologia norteamericana (já testados em Honduras e Paraguai), se articularam para surrupiar do povo o direito de escolher seus governantes e recolocaram as elites jurídicas no centro da vida política nacional.

É verdade que os poderes executivo e legislativo, nos três níveis de governo, passam por um processo de deslegitimação: a promiscuidade no financiamento das campanhas eleitorais mostra a podridão do sistema político. Mas, em democracias consolidadas os desvios de rota poderiam ser corrigidos com uma ampla reforma do sistema político, legitimando os poderes que têm no voto popular sua razão de ser e não destruindo tais poderes para entregar a Nação a elites de um poder historicamente comprometido com a Casa Grande.

No momento atual, é kafkiana a relação incestuosa que propicia uma estabilidade política baseada na chantagem entre o Judiciário (leia-se STF, PGR e lavajato) – que controla processos, delações e inquéritos -, o Parlamento e o Executivo, atolados na corrupção.

Entre inúmeros exemplos possíveis desse protagonismo exacerbado da justiça, utilizemos algumas das ações do juiz Sérgio Moro que, mesmo sendo juiz, nunca teve nenhum escrúpulo de explicitar sua afeição e proteção ao PSDB (como Mendes e Moraes, diga-se de passagem). A cena entre o juiz e Aécio Neves, megadelatado, durante uma premiação da mídia golpista causou indignação até mesmo de cidadãos acostumados a relativizar a promiscuidade entre políticos e magistrados.

Conta-se que Moro foi para os Estados Unidos aprender com os agentes da CIA e FBI como, através do sistema de justiça, dar respaldo a um golpe gestado no parlamento, com apoio empresarial, midiático e de segmentos conservadores da sociedade. As relações amistosas de cooperação entre a operação lavajato e órgãos norteamericanos, sem o crivo das instâncias definidas para esse tipo de colaboração, colocam em xeque a soberania nacional e isso não é objetivo de espanto.

Há mais de três anos, em parceria com a PGR, o TRF4 e Mendes, o togado curitibano tornou uma espécie de inquisidor oficial república. Persegue uns (Lula, o PT, etc.); protege outros (Aécio, a mulher de Cunha, etc.).

Ao mesmo tempo, Moro recebe prêmios e tratamento especial da TV globo. Assim, foi assunto à categoria de herói nacional, o exterminador do PT.

É convidado para palestras por grupos de direita no Brasil e no exterior e surfa garboso na onda conservadora que invade violentamente o mundo...

Moro, sendo juiz, já afrontou por mais de uma vez a constituição, como fez no episódio do vazamento do áudio da conversa entre Lula e uma presidenta, sem autorização do STF (apesar de se tratar de diálogo privado de quem tinha foro privilegiado). E, pasmem, os guardiões da constituição, no Supremo, nada fizeram. Aliás, Teori Zavascki, que explicitou descontentamento acerca do arbítrio do togado da república de Curitiba, morreu num misterioso acidente aéreo - que a plebe já esqueceu, porque na república das bananeiras o escândalo de hoje é divulgado seletivamente para apagar o escândalo de ontem.

Usando discricionariamente as prisões preventivas e as delações (como instrumentos de tortura psicológica, como demonstrou em artigo recente o subprocurador geral da república, Eugênio Aragão), Moro ouve dos réus aquilo que deseja ouvir e descarta o que lhe desagrada ou corrompe seus intentos higienistas...

Agora, o inquisidor dos trópicos está com uma encomendada complicada: precisa inviabilizar a candidatura da jararaca para manter Temer, tucanos e demais partícipes da camarilha golpista no comando da proa. Mesmo sabendo que o barco vaza água por todos os lados.

Moro hoje, como Joaquim Barbosa ontem, cumprem um papel crucial para a manutenção do empreendimento da Casa Grande: manter o sistema de justiça no centro das decisões políticas da república. E usar de seu cargo ou do poder da chantagem (porque toda a república está em suas mãos) para manter de joelhos todos os atores políticos, condenando seletivamente uns e redimindo a seu critério outros. 

É sintomático o fato de, recentemente, questionado por um advogado de defesa de um dos réus da lavajato, Moro ter dito: “faça concurso para juiz”. É como se ele dissesse para todos nós: somos juízes; podemos tudo.

Tomemos um outro exemplo para falar de como o poder judiciário se posta acima do bem e do mal: em 2012, quando foi preso Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, acusado de operar um caixa 2, a então ministra, hoje presidente do Supremo, Carmen Lúcia vociferava: “Caixa 2 é crime; é uma agressão à sociedade brasileira"; etc, etc. 

Agora, que foi escancarado o Caixa 2 do seu amigo, o Mineirinho, parece que Carmen Lúcia e seus pares no STF não se revoltam mais. Não vi nem ouvi nenhum ministro do Supremo aparecer indignado na TV ou nos jornais revoltados com as revelações da turma da Odebrecht...

Até o príncipe, FHC, admitiu que o também "menino do rio" recebeu recursos provenientes de Caixa 2. Afinal, ao afirmar que “há uma diferença entre quem recebeu recursos de caixa dois” e quem “obteve recursos para enriquecimento pessoal, crime puro e simples de corrupção" fica óbvio que o cacique tucano não somente admite a corrupção (recebimento de caixa 2), como também expõe mais uma vez seu cinismo envernizado e acadêmico ao diferenciar a "corrupção do bem" do PSDB, da "corrupção do MAL" (com letras garrafais) do PT.

Mas, nessas alturas do campeonato, temos perguntas e não respostas: será que o Supremo (ou pelo menos a presidenta do Olimpo) admitirá que caixa 2 sendo crime é uma agressão à democracia, independente de quem praticou a falcatrua? 

Ou devemos continuar dormindo em berço esplêndido, crentes que a justiça é isonômica na república das bananeiras?

Se a justiça agisse com isonomia a lava jato poderia ser um divisor de águas no combate à corrupção e teríamos uma república onde os três poderes poderiam coexistir em prol dos cidadãos e não para a autoproteção de seus quadros.

Mas, ao que tudo indica, e para a alegria dos verdadeiros interessados no golpe, a justiça está cada vez mais no centro do poder.