quarta-feira, 30 de março de 2016

Uma inocente julgada por ladrões


A coalizão de direita, aos poucos, vai conseguindo seu intento. O golpe vai avançando, liderado pelo filhote mais ilustre da ditadura, o grupo Globo (e seus parceiras da velha mídia); parte do empresariado subserviente do capitalismo global e incompetente desde sempre, porque nunca construiu uma indústria nacional autônoma e voltada aos interesses dos brasileiros, guiado pela Fiesp; grupos da classe média - saudosos da supremacia da Casa Grande e um bando de políticos que “se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão”.

Muitos confiam numa reversão da empreitada golpista pelo Supremo Tribunal Federal. É bom lembrar de 1964 e não alimentar muitas ilusões. Quanta inocência pensar em isonomia e independência da justiça brasileira! Há uma casta jurídica consolidada no país (formada por advogados de banca, e um grupo significativo de promotores, magistrados e policiais) que não abre mão de privilégios e tem no sistema de justiça as salvaguardas para se manterem no poder. Por isso, o STF facilmente se curvará aos ditames dos varões de Plutarco aninhados na Câmara dos Deputados. Tudo em nome de uma pseudo-independência dos poderes. Acreditar em independência e harmonia entre os poderes no Brasil é como acreditar noutra lenda iluminista: a superioridade da razão.

Muitos queremos crer que a história julgará e condenará os golpistas. Por isso esbravejamos, “não vai ter golpe!” Mas, a bem da verdade, na história do Brasil os crimes contra a democracia, como outros crimes praticados pelos ricos (evasão fiscal, sonegação de impostos, apropriação indébita de bens públicos, grilagem de terras e tantos outros) sempre compensaram. Os golpistas planejaram e executaram as rupturas institucionais em 1930, 1937, 1964 e, mais recentemente, em 1984, quando deputados, a maioria filhotes da ditadura, impediram a eleição direta para presidente. 

Nunca um golpista foi condenado. Como nossa história sempre é contada a partir da visão das elites vencedoras e nosso sistema educacional não se importa com formação à cidadania, apaga-se, maquia-se e desdenha-se facilmente a verdade.

Tragicamente, quando no poder, o PT não foi firme na luta pela memória e pela verdade e foi incapaz de reformar o sistema de segurança pública: essa estrutura jurídico-policial criada para incriminar, perseguir, vigiar e punir os pobres, os trabalhadores, os movimentos sociais, os negros, as mulheres e outras minorias. Ao contrário, o PT manteve intocados os torturadores e assassinos incrustados nessas estruturas e que desde sempre deram o devido respaldo à coalizão de direita.

Mas, qual o crime praticado por Dilma? Pedaladas fiscais? Contem-me outra história. Se esse for o crime, nenhum governador se livraria da perda de mandato; sem contar que presidentes anteriores, que cometeram os mesmos erros, nunca foram sequer questionados. Dinheiro de empresas abastecendo sua campanha? Deixem de ser hipócritas! Todos os partidos e os salvadores que se apresentam nesse momento estão na mesma vala-comum e a “lista da Odebrecht” não deixa dúvidas a esse respeito. Obstrução à justiça? Onde estão as provas? Não há posição do Judiciário sobre esse fato. Recessão econômica? Em boa medida, a crise política fabricada artificialmente pela coalizão de direita aprofundou a decadência econômica atual. 

Ademais, quem garante que os moralistas sem moral que se postam como solução para a crise terão condições de superar os impasses econômicos, pela sua magnitude. Só o farão se estuprarem os direitos trabalhistas, como constam alguns programas apresentados por víboras do PMDB e do PSDB, descaradamente.

A comissão do impeachment, um clube de gatunos, salvo exceções, e o presidente da Câmara, sujeito inclassificável, não têm moral para julgarem sequer um serial killer confesso. Quanto mais, uma presidenta eleita democraticamente.

Agora, no mar da lama da corrupção, o que resta é a traição. Ratos saindo dos porões à caça de migalhas do banquete de usurpadores da nação que se postam como salvadores da pátria. E o PMDB, o histórico cafetão da política nacional, cumpre, mais uma vez, sua sina de vendilhão do templo da democracia.


Para todos os efeitos, é uma vergonha observar, meio impotente, uma mulher honesta e justa, sem nenhum crime comprovado, ser traída e julgada por figuras como Eduardo Cunha, Michel Temer e Renan Calheiros: os três mosqueteiros que, segundo inúmeras denúncias, seriam especializados na pilhagem do erário. Vergonha maior é observar que gatunos graduados na ladroagem de outros tantos partidos, que só pensam em si e nos seus interesses, já negociam até as próprias vísceras para se safarem da enxurrada de denúncias e escândalos que envolvem suas biografias e almejam participar, incólumes, do banquete fétido de um próximo governo ilegítimo.

E mesmo que o impeachment seja enterrado, a governança política do país, na atual conjuntura, parece ser uma espada de Dâmocles rente ao pescoço de Dilma Rousseff. Aliás, com o sistema político destroçado nessa guerra fratricida pelo poder, haveria salvação para qualquer governo no futuro?


Ao invés de uma saída política negociada, uma recomposição de diferentes forças políticas em prol dos interesses nacionais, visando uma saída segura e constitucional da crise, os profetas do caos preferem lançar o país num mar turvo de incertezas acerca de nosso futuro como nação. O preço será alto demais. E certamente, serão os mesmos de sempre a pagarem essa conta.