sexta-feira, 20 de março de 2015

Duas notas no início de um ano infernal

O ano de 2015 só está começando. E já sabemos que será um ano infernal. Começamos refletindo sobre a crise hídrica. Em São Paulo, o governo tucano continua afirmando que o desabastecimento não existe. Todos sabem que daqui há mais ou menos quatro meses, se continuar como está, o Sistema Cantareira vai secar. 

Em Minas, com medo dos resultados das urnas, os tucanos omitiram a gravidade da situação, principalmente da RMBH. No Rio, o governo peemedebista omite o fato de o rio Paraíba do Sul, que abastece quase todo o estado, estar próximo ao colapso. No cenário nacional, o governo petista, mesmo sabendo do risco de um apagão, continua dizendo que não há problemas. Se tivéssemos governos responsáveis, seria a hora de nossas lideranças fazerem um pronunciamento público à nação. É preciso admitir o quadro periclitante de nossas hidroelétricas e represas e clamar à população para que cumpra o seu dever de economizar. 


O fato é que esse modelo de desenvolvimento que privilegia o bem-estar individual em detrimento dos recursos ambientais mostra a perversidade desse processo violentador.


Dois fatores foram cruciais para esse quase caos: os eventos climáticos, ocasionados, em boa medida, pelo modelo de desenvolvimento que violenta a natureza, e o fato de que, nos últimos 20 anos, os consumidores vorazes da classe média brasileira saltaram de 30% para cerca de 70% da população. Isso representou uma extraordinária demanda de consumo num curtíssimo período. Agora só falta algum preconceituoso culpar os pobres por terem ascendido à classe média. O fato é que esse modelo de desenvolvimento que privilegia o bem-estar individual em detrimento dos recursos ambientais mostra a perversidade desse processo violentador.

Agora olhemos para Brasília: a Câmara dos Deputados elegeu como presidente Eduardo Cunha. (Nem vou comentar a situação do Senado, que tem Renan Calheiros como presidente e que está se transformado num locus dos decadentes da política, salvo poucas exceções). O currículo de Cunha, os interesses dele e os grupos que ele defende sintetizam a qualidade de muitos daqueles que nos representam e lideram nossas instituições democráticas. Enquanto mantivermos esse modelo político-eleitoral que privilegia o capital-eleitor em detrimento do cidadão, vamos continuar reféns de uma pseudodemocracia cujos eleitos não representam de fato o povo.


Um Parlamento estruturado no chamado presidencialismo de coalizão que tem se transformado num balcão de negócios espúrios. Um Executivo refém dos tentáculos do capital, quase ajoelhado diante dos ditames da deusa-economia e de costas para a ecologia e a política e um Judiciário elitizado, surdo aos clamores populares, patrimonialista, insulado, seletivo e discricionário.


Vejamos a decadência das nossas instituições: um Parlamento estruturado no chamado presidencialismo de coalizão que tem se transformado num balcão de negócios espúrios. Um Executivo refém dos tentáculos do capital, quase ajoelhado diante dos ditames da deusa-economia e de costas para a ecologia e a política e um Judiciário elitizado, surdo aos clamores populares, patrimonialista, insulado, seletivo e discricionário. Socorro!

Mas, atenção: o fato de o Congresso Nacional, por exemplo, estar povoado de parlamentares de duvidosa reputação (acho que devo ser mais polido na definição!) não significa que devemos desdenhar as instituições democráticas; clamar pelo fechamento do Legislativo Federal; torcer para que as instituições se fragilizem ainda mais (afinal, instituições fracas = democracia fraca). Significa, entre outras questões, que devemos analisar porque o eleitor tem votado em políticos de "qualidade" tão duvidosa... Será que eleições regulares, sem educação política do cidadão/eleitor, são suficientes para a consolidação democrática?

Podemos fingir, acreditando nesse tipo de democracia. Mas não há futuro promissor enquanto o Brasil não enfrentar o personalismo, o elitismo, o autoritarismo, o burocratismo, o patrimonialismo,... e continuar adiando a tarefa de reformar nossas instituições pouco republicanas.



... Não há futuro promissor para a nossa democracia enquanto o Brasil não enfrentar o personalismo, o elitismo, o autoritarismo, o burocratismo, o patrimonialismo...

(Partes deste artigo também foram publicadas na revista Vox Objetiva e no jornal Santuário de Aparecida).