sábado, 4 de junho de 2016

O Papa Francisco se preocupa com a situação política do Brasil. Será que ele está sozinho?

Fotomontagem. Da esquerda para a direita: Papa Francisco com Esquivel; com Letícia Sabatela e a juíza Kenarik; com os bispos do CELAM e, finalmente, recebendo o livro "Resistência ao Golpe")

Nos últimos dois meses, de fontes diversas e confiáveis, ignoradas solenemente pela mídia golpista, ficamos sabendo da preocupação do Papa Francisco com a situação política do nosso país. (Aliás, desde o início do ano passado o pontífice já teria se manifestado várias vezes junto a órgãos da igreja católica no Brasil acerca de sua apreensão com o desenrolar da crise política e econômica).

No final de abril, o escritor argentino Adolfo Pérez Esquivel, prêmio nobel da paz em 1980, revelou, em entrevista ao jornalista Darío Pignotti, do jornal Página 12, que levou à presidenta Dilma Rousseff o apoio do Papa Francisco: “o papa Francisco está muito preocupado com o que está acontecendo no Brasil; tudo isso vai trazer consequências negativas para toda a região e teremos um grave retrocesso democrático”.

Ainda, segundo Esquivel, numa conversa sobre os acontecimentos no Brasil, o Papa afirmou que o impeachment não passa de um golpe brando. O papa também teria lhe dito que Dilma é uma mulher honesta, denunciada por corruptos.

Poucos dias depois, em 9 de maio, a atriz Letícia Sabatella e a juíza Kenarik Boujikian Felippe participaram de um encontro oficial com o papa Francisco, no Vaticano. Na ocasião, entregaram a ele uma carta denunciando a ilegalidade do impeachment da presidenta. A carta foi assinada pelo advogado Marcello Lavenère, membro da Comissão Justiça e Paz, um organismo ligado a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB). O texto considera o impedimento de Dilma um “golpe parlamentar de Estado”, manipulado pela mídia, sem fundamento legal e afirma que essa conjuntura poderá afetar outros países da América Latina. Na ocasião, o Papa, novamente, teria expressado inquietação com o desenrolar do processo golpista.

Em 19 de maio, numa reunião com a presidência do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM) – órgão colegiado dos bispos de toda a América Latina – o  Papa Francisco, mais uma vez, advertiu que pode ​​estar acontecendo "golpes de estado suave” em alguns países da região, notadamente se referindo às deposições arbitrárias de presidentes ocorridas em Honduras, Paraguai e, agora, em curso, no Brasil. Na ocasião, Francisco expressou sua preocupação com os problemas sociais dos países da América Latina em geral.

Num encontro com juízes no Vaticano, nesta sexta, 03 de junho, o Papa Francisco recebeu um exemplar do livro “A resistência ao golpe de 2016”, das mãos do procurador de Justiça Rômulo de Andrade Moreira, da Bahia.

Nenhum dos acontecimentos acima mencionados foram desmentidos pelo Vaticano. Portanto, podemos concluir que são informações fidedignas.

O Papa Francisco tem demonstrado, em reiteradas ocasiões, sua angústia em relação a uma onda direitista e neoliberal que está eliminando em diversos países as conquistas sociais alcançadas nas últimas décadas. Neste sentido, o Papa tem advertido com toda a firmeza acerca dos governos serviçais da atual fase do capitalismo rentista, especulativo e concentrador de riqueza e renda. Trata-se de um modelo político-econômico da “economia que mata”, do “capital transformado em ídolo”, da “ambição sem limites do dinheiro que comanda” tudo, nas palavras do Pontífice. Ora, o governo interino brasileiro encaixa-se milimetricamente nessa categoria.

Francisco já deixou claro que “a distribuição justa dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera filantropia; é um dever moral”. No encontro com movimentos populares, na Bolívia, ano passado, exclamou: "Digamos sem medo. Queremos uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema já não se aguenta, os camponeses, trabalhadores, as comunidades e os povos tampouco o aguentam. Tampouco o aguenta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco".

No caso brasileiro, acrescente-se o fato de o papa conhecer a presidenta Dilma. Ele certamente sabe que, apesar de erros na condução do governo, trata-se de uma mulher honesta e honrada. Situação diametralmente oposta em relação às coalizões que tocaram o “golpe brando”, formadas pelos grupos empresariais, políticos, midiáticos, judiciários e elitistas que, historicamente, sempre se locupletaram às custas do suor, da dor e do sacrifício dos pobres e dos trabalhadores brasileiros. Como revelara a Esquivel, “Dilma é uma mulher honesta, denunciada por corruptos”.

Conhecedor da história, do sofrimento e da exclusão social dos pobres, dos trabalhadores e das minorias nos países latino-americanos, o Papa não se omite em posicionar contrariamente ao “golpe brando” que, articulado através de conchavos de elites e em flagrante desrespeito ao voto popular, impõe no Brasil um governo neoliberal e elitista, comprometido com os interesses do capital e não das pessoas.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e o momento atual

         Se por um lado o Papa Francisco tem deixado transparecer seu incômodo acerca do golpe brando em curso, o que acontece em relação a hierarquia católica brasileira?

Durante o ano passado e até o mês de abril deste ano, antes do início do processo de impedimento, a CNBB divulgou uma série de notas oficiais sobre o momento político nacional.

Em 8 de dezembro de 2015, um comunicado do episcopado brasileiro afirmava: “neste momento grave da vida do país, a CNBB levanta sua voz para colaborar, fazendo chegar aos responsáveis o grito de dor desta nação atribulada, a fim de cessarem as hostilidades e não se permitir qualquer risco de desrespeito à ordem constitucional. Nenhuma decisão seja tomada sob o impulso da paixão política ou ideológica. Os direitos democráticos e, sobretudo, a defesa do bem comum do povo brasileiro devem estar acima de interesses particulares de partidos ou de quaisquer outras corporações. É urgente resgatar a ética na política e a paz social, através do combate à corrupção, com rigor e imparcialidade, de acordo com os ditames da lei e as exigências da justiça”. (Grifos nossos).

 Outra nota, de 28 de outubro de 2015, conclamava: “somos todos convocados a assegurar a governabilidade que implica o funcionamento adequado dos três poderes, distintos, mas harmônicos; recuperar o crescimento sustentável; diminuir as desigualdades; exigir profundas transformações na saúde e na educação; ampliar a infraestrutura, cuidar das populações mais vulneráveis, que são as primeiras a sofrer com os desmandos e intransigências dos que deveriam dar o exemplo. Cada protagonista terá que ceder em prol da construção do bem comum, sem o que nada se obterá.  É preciso garantir o aprofundamento das conquistas sociais com vistas à construção de uma sociedade justa e igualitária. Cabe à sociedade civil exigir que os governantes do executivo, legislativo e judiciário recusem terminantemente mecanismos políticos que, disfarçados de solução, aprofundam a exclusão social e alimentam a violência, entre os quais o estado penal seletivo, as tentativas de redução da maioridade penal, a flexibilização ou revogação do Estatuto do Desarmamento e a transferência da demarcação de terras indígenas para o Congresso Nacional.” (Grifos nossos).

Em 10 de março deste ano, novamente uma nota oficial da entidade pontuava: “importante se faz reafirmar que qualquer solução que atenda à lógica do mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e se desvia do caminho da justiça”. (Grifos nossos).

A última das notas sobre o momento político, datada de 13 de abril, durante a realização da 54ª Assembleia Geral da entidade, afirmava: “a forma como se realizam as campanhas eleitorais favorece um fisiologismo que contribui fortemente para crises como a que o país está enfrentando neste momento. Uma das manifestações mais evidentes da crise atual é o processo de impeachment da Presidente da República.Conferência Nacional dos Bispos do Brasil acompanha atentamente esse processo e espera o correto procedimento das instâncias competentes, respeitado o ordenamento jurídico do Estado democrático de direito. A crise atual evidencia a necessidade de uma autêntica e profunda reforma política, que assegure efetiva participação popular, favoreça a autonomia dos Poderes da República, restaure a credibilidade das instituições, assegure a governabilidade e garanta os direitos sociais.” (Grifos nossos).

Porém, sabe-se que durante essa assembleia geral, ocorrida entre os dias 6 e 15 de abril, em Aparecida (SP), houve uma intensa discussão entre o bispado acerca das interpretações da crise política brasileira e o processo de impeachment. Visões e discursos diametralmente opostos fizeram do encontro, segundo fontes extraoficiais, um dos momentos mais tensos da hierarquia católica nas últimas décadas. Impactados com a tensão e receosos de uma quebra da colegialidade (um arranjo político que mantém, formalmente, a unidade do episcopado nacional), parece que a CNBB optou por um silêncio sepulcral desde então.

Não obstante, cabe uma primeira indagação: tendo em vista os posicionamentos da CNBB, expressos nas notas acima mencionadas, e frente às várias ações e medidas anunciadas pelo governo interino, que implicarão em cortes nos programas sociais (atingindo frontalmente os mais pobres), precarização do emprego e da previdência (atingindo os trabalhadores, aposentados, beneficiários do Benefício de Prestação Continuada e pensionistas), restrição de direitos, criminalização de grupos e movimentos sociais, haveria uma palavra do episcopado brasileiro em relação às medidas anunciadas pelo governo interino?

A ação política da Igreja católica, a ampliação das bancadas evangélicas e o recrudescimento dos discursos religiosos moralistas e fundamentalistas

É fato que a Igreja católica tem perdido prestígio político nos últimos tempos, apesar de se manter como instituição com grande credibilidade, conforme atestam pesquisas sobre confiança nas instituições. Por outro lado, fala-se muito da atuação conservadora e fundamentalista da bancada evangélica nos governos e parlamentos. Mas, a bem da verdade, o tradicionalismo moral que tem marcado a atuação da Frente Parlamentar Evangélica, por exemplo, só avança, em boa medida, graças ao apoio daqueles parlamentares que se autodeclaram católicos.

Segundo pesquisa feita pelo Portal G1, no início dessa legislatura, o catolicismo era a religião predominante entre os 513 deputados federais. De 421 deputados que responderam ao questionário proposto numa enquete pelo Portal, 300 (ou seja, 71,2%) se declararam católicos. Outros 68 (16%) afirmaram ser evangélicos, oito (1,9%) disseram ser adeptos do espiritismo e apenas um deputado (0,23%) afirmou ser judeu. Outra pesquisa, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), apontou que a bancada evangélica tem 75 deputados federais e três senadores. Portanto, cerca de 15% dos deputados são da bancada evangélica. Significa que os outros 85% não são evangélicos. (Leia mais sobre esse tema, aqui).

De acordo com Magali Cunha, docente da Universidade Metodista de São Paulo - que estuda e pesquisa a bancada evangélica -, o movimento de protagonismo dessa bancada em direção ao conservadorismo é um capítulo recente da história do parlamento brasileiro: “é o forte tradicionalismo moral que tem marcado a atuação da Frente Parlamentar Evangélica, que trouxe para si o mandato da defesa da família e da moral cristã contra a plataforma dos movimentos feministas e de homossexuais e dos grupos de Direitos Humanos, valendo-se de alianças até mesmo com parlamentares católicos, diálogo historicamente impensável no campo eclesiástico”.

Em relação à ação da Igreja católica na política institucional, atualmente os clérigos são proibidos de exercerem mandatos políticos. Se o fizerem, devem pedir temporariamente licença do exercício da ordem sacerdotal.  A Igreja católica estimula os chamados “leigos” a exercerem os cargos públicos nos governos, parlamentos e partidos políticos. Porém, tal estímulo não implica numa ação efetiva com vistas a incidir na escolha, acompanhamento e avaliação daqueles “fiéis” que são eleitos e assumem cargos e funções públicas.

Na “vida como ela é”, como dizia Nelson Rodrigues, sabe-se que apesar de oficialmente a Igreja católica não apoiar partidos nem candidatos, os arranjos informais, principalmente em períodos eleitorais, são comuns na relação entre clérigos e candidatos de variados partidos. Os apoios de parte substantiva do clero ocorrem de diversas formas e estratégias, desnecessárias de serem descritas aqui.

Note-se, também, que o discurso de isenção política da hierarquia católica acaba por favorecer, em grande medida, uma postura descomprometida com aqueles políticos e partidos que, tradicionalmente, são beneficiados por uma legislação político-eleitoral altamente favorável à eleição e manutenção em cargos públicos dos caciques partidários e das elites político-econômicas não comprometidas com transformações sociais. Acontece, que o seguimento de Jesus Cristo, para ser genuíno e autêntico, exige participação ativa no trabalho de transformação da sociedade, conforme podemos observar na Doutrina Social da Igreja.

Para complicar ainda mais, os pouquíssimos candidatos eleitos que provêm dos setores populares e de movimentos sociais e eclesiais comprometidos com os mais pobres e excluídos acabam abandonados pela instituição, sob o argumento segundo o qual a Igreja não se envolve com a política partidária. O resultado dessa estratégia é perceptível: uma miríade de políticos eleitos, autodenominados católicos, cujas práticas nos governos e nos parlamentos são uma lástima e não representam, nem de longe, os ideais cristãos de justiça, solidariedade, igualdade, fraternidade, dentre outros.

O fato objetivo é que muitos governantes e parlamentares são eleitos com votos arregimentados em espaços eclesiais católicos. Nos governos e nos parlamentos significativa parte desses católicos tem se aliado às bancadas evangélicas, com interesses pouco confessáveis.

Diferentemente das Igrejas pentecostais e neopentecostais que assumiram uma postura francamente agressiva em relação à ocupação do poder, seja no executivo ou no parlamento, elegendo representantes, salvo exceções, com visões de mundo e sociedade conversadoras, machistas, moralistas e eivadas de preconceitos, a Igreja católica insiste na tese que não se mistura com política partidária.

Paradoxalmente, a os dirigentes católicos afirmam que a política é a arte do exercício do bem comum, mas, na prática, passam uma mensagem dúbia, que pode levar muitos fiéis a interpretarem a política como “coisa suja”.

Portanto, aqui, cabe uma segunda pergunta, tendo em vista os argumentos acima: será que a igreja católica não se envolve, mesmo, com a política institucional? Porque, e importante lembrar que o envolvimento político se dá pela ação ou omissão; pelo posicionamento ou não posicionamento, etc. Ou seja, ninguém, nem pessoa nem instituição, é neutro.


Por fim, tendo em vista as preocupações do Papa Francisco com a situação política brasileira; o fato de o governo interino ter anunciado uma série de medidas a penalizarem os pobres, trabalhadores, minorias e, finalmente, a postura liberal conservadora daqueles que se autodenominam católicos no Congresso, uma última pergunta: qual seria a mensagem da Igreja à sociedade brasileira neste momento após o início do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff?