segunda-feira, 25 de maio de 2020

Armar o país: a “guerra santa” bolsonarista


(Montagem: Brasil 247)

Uma das partes mais chocantes da famigerada reunião ministerial de 22 de abril de 2020 é a confirmação de Bolsonaro que pretende armar o Brasil e impor uma ditadura: "Olha como é fácil impor uma ditadura no Brasil. Por isso eu quero que o povo se arme, a garantia de que não vai aparecer um filho da puta e impor uma ditadura aqui”.

Bolsonaro (e sua família) é um presidente visceralmente ligado às milícias; tem como principais bases de apoio o militarismo autoritário (mobilizado em segmentos das Forças Armadas e nas polícias estaduais) e um grupo considerável de fascistas (estimado em cerca de 15% da população) que já está armado (nas redes sociais e nas ruas). Sua eleição selou a aliança mais perversa da história republicana: dos setores ultraconservadores da sociedade brasileira (os radicais da extrema-direita) com o que há de pior no submundo da política (as redes de corrupção sistêmica que operam nos esgotos das negociatas público-privadas e que movimenta as relações mais espúrias desse país).

A tradicional falta de controle de armas, responsável por uma guerra que produz cerca de 60 mil homicídios por ano tende, com o projeto armamentista ditatorial de Bolsonaro, a se desaguar numa carnificina de proporções incalculáveis. Como lembra Janio de Freitas nesse domingo, “Bolsonaro sabe que o povão maltratado, humilhado, explorado e roubado em todos os seus direitos, no dia em que também tivesse ou tiver armas, não teria dúvida sobre o alvo do fogo de sua dor secular. Adeus ricos, adeus classe média alta”. Portanto, abram os olhos os privilegiados que pensam que a guerra bolsonarista é somente contra os pobres.

O bolsonarismo está amalgamado, entre outras, na seguinte coalizão: armamentistas, militaristas e obscurantistas religiosos. Esses novos cruzados se apoiam em ideologias toscas, cujo principal expoente é o astrólogo Olavo de Carvalho e o articulador midiático Steven Bannon (via gabinete do ódio no Brasil). No campo religioso duas teologias sustentam os “cavaleiros do apocalipse”.

A teologia da prosperidade, um bálsamo para o neoliberalismo, prega um deus que abençoa aqueles que tem dinheiro; que o pobre é pobre por sua falta de fé, ou seja, a vítima se transforma no algoz. Seus adeptos acreditam que a solução para as mazelas sociopolíticas é individual, baseada na meritocracia e que desigualdade e justiça são discursos “vitimistas”.

Por outro lado, a chamada “teologia do domínio”, derivação do teonomismo (teocracia cristã), se baseia no pressuposto de que o domínio da terra foi usurpado pelo diabo (no delírio obscurantista dos bolsonaristas religiosos, os comunistas, esquerdistas, socialdemocratas, cientistas, progressistas, feministas, movimento LGBT+ etc). Assim, é tarefa da “igreja dos bons cristãos” tomar esse domínio de volta. A estratégia para essa retomada é dominar todas as áreas de influência da sociedade (política, educação, cultura, judiciário), a fim de estabelecer o domínio de Jesus na terra. Isso explica a aliança geopolítica entre Trump (e os seus financiadores estadunidenses -- que também financiam alguns dos setores do neopentecostalismo ultraconservador em toda a América Latina), Netanyahu (porque  muitas lideranças evangélicas creem que a promessa bíblica da Terra Santa ao povo judeu é literal e eterna, portanto os adeptos do "dispensacionalismo", o retorno dos Judeus à Terra Santa - ou seja, o estabelecimento de Israel - é necessário para a volta de Cristo) e Bolsonaro (com os seus religiosos do “deus acima de tudo”). Vejam, não por acaso, que o triunvirato (Trump, Netanyahu e Bolsonaro) é armamentista e apoiado no militarismo e no discurso religioso ultraconservador.

Qualquer estudioso sabe: a aliança entre militarismo e religião nunca produziu bons resultados na história da humanidade. Mas, caminhamos a passos largos para um arremedo de neocristandade. Os três líderes, colocando-se como legítimos representantes de deus (certamente de Mamom) – porque estão seguros do apoio dos poderes econômico, militar e religioso – não contam com derrotas e, como numa guerra, agem como comandantes dispostos a arrebentar com todas as porteiras. Por isso, precisam armar seus exércitos.

Algumas frases de Bolsonaro na dita reunião confirmam seu propósito como o “messias” dessa nova cruzada: “Vamos unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã. Combater a ideologia de gênero, conservando nossos valores. (...) Com a benção de Deus, o apoio da minha família e a força do povo brasileiro trabalharei incansavelmente para que o Brasil se encontre com seu destino e se torne a nação que todos queremos."

É dentro desse contexto que devemos compreender a explicitação de Bolsonaro em relação a armar a população para esse “bom combate” do bem contra o mal. Trata-se, na sua visão e de sua principal base de apoio (militares e religiosos), de uma guerra santa que precisa de um exército armado. Empreitada que, na visão de Bolsonaro, seus ideólogos e parte de seus adeptos, surtiria resultados positivos com a união entre milicianos, militares e religiosos, armados até os dentes.


domingo, 10 de maio de 2020

Um novo pacto ‘por cima’ para tirar Bolsonaro?

Foto: Marcos Corrêa/PR
Tenho observado atentamente a cena política nos últimos dias. Movimentos no STF, parte da mídia empresarial, algumas corporações poderosas…  Nesse 1° de maio, aquela transmissão, via redes sociais e TVT, do dia do trabalhador para tentar agradar a gregos e troianos no “universo” trabalhista, com repercussão a noite numa longa reportagem global, no JN, a mostrar, inclusive e excepcionalmente, um perigosíssimo sapo barbudo e comunista que inventou a corrupção no Brasil e em toda a via láctea.
As lideranças do mundo do trabalho (e alguns penetras escolhidos seletivamente, como FHC) pareceriam sinalizar às elites nacionais que um pacto (para apear o trainee de ditador) é melhor que uma ruptura… Renúncia… impeachment negociado…
Um rápido olhar no passado mostra que a pactuação “por cima” sempre foi a saída à brasileira em momentos de grave crise política: melhor acomodar, mesmo que temporariamente, todos os interesses que enfrentar as consequências de rupturas radicais que, dolorosas para todos, podem mudar substantivamente a estrutura historicamente violenta e excludente da sociedade brasileira.
Foi assim na proclamação da República; com Getúlio; no golpe civil-militar e no processo de abertura democrática, no impeachment de Collor. (Em certa medida, até o golpe contra Dilma teve negociação entre as elites política e judiciária. Envergonhados, parte dos golpistas aceitaram não retirar os direitos políticos da ex-presidenta).
Em todos esses episódios há um rosário de argumentos a justificarem as pactuações.

Alguém poderá dizer: mas, nesse momento dramático da vida nacional — para nos livrarmos do perverso que hoje comanda o país –, vale qualquer negócio.
Se é assim, há outras saídas para além da pactuação a acomodar interesses totalmente opostos. É forçoso constatar que, de imediato, não há base social progressista para processos revolucionários de baixo para cima.
E um dtalhe: falta combinar com a turma do outro lado. Afinal, o bolsonarismo costura uma aliança estratégica entre militarismo (bases das polícias e FFAA) e neopentecostalismo (evangélico e católico). Preparam uma “guerra santa” para “redimir a cultura e a família judaico-cristã das garras do comunismo chinês”. Uma narrativa marcada por emoção, apelo à religiosidade, sentimentos em relação a valores familiares. Nada de racionalidade. Mas, discurso altamente mobilizador.
Lembremos: a união entre militarismo e religião — que não trouxe benefícios à humanidade em nenhuma ocasião — também é conhecida nessas plagas. Afinal, 1964 é logo ali.
No início do governo Bolsonaro, neste Dom Total, chamávamos a atenção sobre as relações entre religião, militarismo e elites judiciárias na assunção e possível sustentação do governo. Veja aqui: http://robsonsavio.blogspot.com/2018/12/o-tripe-republicano-tupiniquim.html
Veremos os próximos capítulos…