domingo, 29 de novembro de 2015

NOTA DA CNBB CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL

Nota aprovada pelo Conselho Episcopal Pastoral (Consep) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), alerta que falência e  ineficiência do sistema prisional  “não podem levá-lo à privatização”. 

O texto foi apresentado a jornalistas pelo bispo auxiliar de Brasília e secretário geral da CNBB dom Leonardo Ulrich Steiner em reunião realizada nos dias 24 e 25 de novembro. Considerando que o atual sistema prisional mostra-se falido e incapaz de cumprir suas finalidades institucionais, o comunicado alerta que tal ineficiência.



Durante a última reunião do Consep, o assessor jurídico da Pastoral Carcerária, Paulo Cesar Malvezzi Filho, apresentou aos bispos a luta da Pastoral Carcerária contra a pressão de grupos econômicos no Senado Federal para a aprovação do PLS 531/2011, que estabelece normas gerais para a contratação de parceria público-privada para a construção e administração de estabelecimentos penais. Segundo Paulo, nos presídios onde a privatização ocorreu as condições pioraram.

Leia a nota da CNBB na íntegra:

NOTA DA CNBB CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DO
SISTEMA PRISIONAL


“Eu estava na prisão, e fostes visitar-me” (Mt 25,37)
 

O Conselho Episcopal Pastoral (CONSEP) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), reunido em Brasília, nos dias 24 e 25 de novembro de 2015, acompanha, com preocupação, a tramitação, no Senado Federal, do PLS n.º 513/2011 que estabelece normas gerais para a contratação de parceria público-privada para a construção e administração de estabelecimentos penais.
Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, a população carcerária do Brasil ultrapassa o número de 600 mil pessoas. Percebem-se escassos sinais de melhoria que atendam à finalidade de reinserção social dos apenados. Ainda permanecem graves violações de direitos e garantias fundamentais.

O atual sistema prisional, competência do Estado brasileiro, mostra-se falido e incapaz de cumprir suas finalidades institucionais.

Afirma o Papa Francisco e nós bispos com ele: “É doloroso constatar sistemas penitenciários que não buscam curar as chagas, sarar as feridas, gerar novas oportunidades. (…). É sempre mais fácil encher os presídios do que ajudar a andar para frente quem errou na vida (…). Neste período de detenção, de modo particular, é necessária uma mão que ajude a reintegração social, desejada por todos: reclusos, famílias, funcionários, políticas sociais e educativas. Uma reintegração que beneficia e eleva o nível moral de todos” (Papa Francisco).

A ineficiência do sistema prisional não pode levar à privatização. O ser humano jamais pode ter sua dignidade aviltada, pois lucro e pena não combinam. Um sistema carcerário privatizado abre possibilidades para mais e maiores penas.

Portanto, os Bispos deste Conselho manifestamos nossa rejeição ao PLS n.º 513/2011 e às propostas tendentes à privatização do sistema prisional brasileiro ou de parte dele.

Pedindo ao Pai de bondade sua proteção misericordiosa para todos, manifestamos nosso apoio irrestrito à Pastoral Carcerária, em sua missão de anunciadora da Boa Nova e defensora da dignidade da pessoa encarcerada.


Brasília, 25 de novembro de 2015


Dom Sergio da Rocha                                                              Dom Murilo S. R. Krieger

 Arcebispo de Brasília-DF                                        Arcebispo de S. Salvador da Bahia-BA
Presidente da CNBB                                                        Vice-Presidente da CNBB


Dom Leonardo Ulrich Steiner

Bispo Auxiliar de Brasília-DF

Secretário-Geral da CNBB




Fonte: CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Um outro olhar sobre a juventude

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, as mortes por causas externas correspondem a grande parcela de óbitos em, praticamente, todos os países. Essas causas ocupam sempre a segunda ou terceira colocação. Porém a sua distribuição quanto ao tipo de causa e sua concentração socioespacial é diversa.

No Brasil, o total de mortes por causas externas provocou no país cerca de 2 milhões de mortes de 1980 a 2000 - o equivalente à população de Brasília. Porém, o problema da violência não se limita aos homicídios: milhares de pessoas perdem suas vidas no Brasil por outras causas, como acidentes de trânsito e suicídios. 

Fonte: DataSenado/SIM/DataSus (2010)

No caso dos jovens, maiores vítimas da violência, outros fatores de vitimização e risco juvenil estão relacionados ao enorme número de armas disponíveis (e sem controle estatal) nas mãos desse segmento e o adensamento do tráfico de drogas (motivando disputas sangrentas entre gangues), principalmente nas periferias das grandes cidades. Esses elementos associados contribuem para o aumento da morte dos jovens e respondem por altas taxas de letalidade dessa população. Há em nosso país, infelizmente, um genocídio da juventude negra, dado que esse segmento étnico-racial é o alvo preferencial da violência letal.

Sobre drogas e juventudes, uma breve nota: a criminalização do uso de drogas tem um efeito perverso no círculo da violência letal. Estigmatizados como perigosos "bandidos", adolescentes e jovens pobres e negros, usuários e microtraficantes, são assassinados, internados (às vezes compulsoriamente) e presos enquanto os grandes produtores, distribuidores e financiadores do lucrativo comércio das drogas continuam impunes e acima de quaisquer suspeitas. A guerra contra o tráfico é um engodo que não diminui essa atividade criminosa, ao contrário, a insufla. Em relação a imensa maioria dos adolescentes e jovens que têm trajetórias com drogas há que se dizer: são usuários e vítimas. Precisam de acolhimento, tratamento, políticas de prevenção, redução de danos e restituição de vínculos familiares e sociocomunitários. Antes de se constituírem como "objeto" discricionário das políticas de segurança pública, deveriam ser sujeitos preferenciais das políticas sociais.

Proporção de homicídios, no Brasil, da população jovem por cor/raça. Uma disparidade inicial entre brancos e negros vai sendo acentuada ao longo dos anos. Baseado no Mapa da Violência de Waiselfisz (2012).


As políticas sociais e, dentre elas, as ações de segurança pública, principalmente as voltadas para a prevenção à criminalidade juvenil, não podem continuar a ratificar o preconceito que rotula os jovens como sendo um problema, pois se eles são os principais autores da violência (devido, entre outros motivos, a uma série de desvantagens socioeconômicas), são também as principais vítimas. 

Sem romantismos, é necessário articular os programas e as políticas públicas focados nos adolescentes e nos jovens, com o objetivo de ouvir esses sujeitos, entender suas angústias e transformar suas reivindicações em demandas legítimas.

É preciso entender que não há somente um modelo e uma forma de vivência da juventude. Na verdade, existem juventudes, no plural, que vivem e labutam dentro de contextos sociais dos mais diversos.

Outra ação necessária é dar conta de que as novas configurações do mundo, da sociedade, das famílias supõem novos contratos sociais mais flexíveis e baseados na negociação, na compreensão, no diálogo, na valorização da diversidade e não mais na imposição de normas ditadas pelos adultos.

Existe uma reflexão de que é possível construir outro olhar sobre os jovens e as juventudes e reconhecer a importância de articular instituições públicas e sociais para dividir as angústias e as responsabilidades pelo crescimento sadio dos jovens. Para isso, é preciso ter a consciência das funções e dos limites das instituições, possibilitando a construção de políticas e ações de conjunto para garantir maior proteção às crianças, aos adolescentes e aos jovens.


Assim sendo, pensar na política pública de promoção à cidadania juvenil, baseada nos pressupostos dos direitos desse segmento populacional, implica restituir direitos à grande parcela da população (notadamente os mais pobres e, dentre esses, os jovens empobrecidos - maiores vítimas da criminalidade violenta) constrangida e amedrontada com o avassalador incremento da violência histórica, mas agravada nos últimos anos em nosso país.

domingo, 22 de novembro de 2015

"O rio é doce. A Vale? Amarga"

Poema de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1984, é atual. Apesar de se tratar de outro contexto (a questão das dívidas interna, externa, eterna), o poeta itabirano já lamentava a ação extrativista das empresas mineradoras que, há séculos, destroem a paisagem mineira.

"QUANTAS LÁGRIMAS DISFARÇAMOS SEM BERRO?"



sábado, 21 de novembro de 2015

Vídeo: Programa Câmara Entrevista sobre prevenção à violência

Programa: Câmara Entrevista
Emissora: TV Câmara Municipal de BH
Entrevistado: Robson Sávio Reis Souza
Tema: Segurança pública; prevenção à violência e criminalidade; reformas nas instituições do sistema de justiça criminal; eficiência e efetividade do sistema de justiça criminal.
Datas de exibição: dias 17 a 21/11/2015
Duração: 15 minutos


Governo de Minas empossa novos membros da Comissão da Verdade

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O Governo de Minas Gerais, por meio da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania realizou nesta quarta-feira, 18, no auditório da Imprensa Oficial de Minas Gerais, cerimônia de posse dos novos membros da Comissão da Verdade em Minas Gerais (Covemg) Carlos Melgaço Valadares, Paulo Afonso Moreira e Robson Sávio Reis Souza.   
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Carlos Melgaço Valadares   

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Paulo Afonso Moreira

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Robson Sávio Reis Souza


O Secretário Nilmário Miranda e a Coordenadora da Covemg, Maria Céres Pimenta Spínola Castro agradeceram  o trabalho realizado pelos membros que deixaram a Comissão da Verdade Betinho Duarte, Carlos Delamônica e Antônio Romanelli) e expressaram suas expectativas de que, neste novo mandato, a Covemg tenha condições concretas para concluir sua missão. 
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A Coordenadora da Covemg, Maria Céres Pimenta Spínola Castro

Instituída com a finalidade de prestar esclarecimentos sobre as violações de direitos praticados no período de 1946 a 1988, que resultaram em ofensas aos direitos fundamentais dos cidadãos, a Covemg teve a sua atuação prorrogada pelo governador Fernando Pimentel, por mais dois anos, até agosto de 2017.
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Secretário Nilmário Miranda

Entre os objetivos da Covemg estão o de esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações aos direitos fundamentais; identificar e tornar públicos os locais, as instituições, as estruturas e as circunstâncias relacionadas direta ou indiretamente à prática dessas violações, inclusive as suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade civil; colaborar com todas as instâncias do poder público para apuração destes fatos e recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir ofensas a esses direitos.
Fonte: Comissão da Verdade de Minas Gerais.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Terrorismo selvagem: em Paris e em Mariana


Os ataques terroristas da França e a tragédia, também um tipo de terrorismo,  ocorrida em Mariana (decorrente da falta de responsabilidade da mineradora Samarco),  são o tema do programa apresentado pelo cientista social  e filósofo Robson Sávio. 

Ele faz uma reflexão sobre o que é o terrorismo e quem o alimenta.  Robson faz também uma reflexão  sobre o ato terrorista das empresas que visam apenas o lucro, se impondo  sobre a vida das pessoas. Assim, ele nos alerta para a importância do fim do financiamento de campanha pelas empresas e da importância da  participação da sociedade e dos movimentos sociais para o fim do domínio do capital.

Ouça o áudio AQUI >>>

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

As raízes e os resquícios do coronelismo e sua relação com a corrupção


O livro Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo, no Brasil, de Vitor Nunes Leal (1914 – 1985) é “obra fundamental para o conhecimento da realidade brasileira” (p. XVII), nos dizeres do notável Barbosa Lima Sobrinho.
Nela o autor descreve com precisão essa “instituição” brasileira, calcada na organização agrária da nossa sociedade (pelo menos até meados do século passado) e de cujas raízes ainda florescem ramos até nossos dias. O coronelismo é, em boa medida, a base das organizações partidárias tupiniquins e dele nasceram e ainda viçam muitos dos vícios da politicagem nacional.
O coronelismo, nos municípios interioranos, se traduzia “numa hegemonia econômica, social e política que acarretava, por sua vez, o filhotismo, expresso num regime de favores aos amigos e de perseguição aos inimigos”, lembra Barbosa Lima Sobrinho na introdução da obra.
Além da estrutura agrária concentradora da riqueza nas mãos dos coronéis, o coronelismo tinha como seu lócus preferencial a política municipal, onde coronel, tal como um senhor feudal, estabelecia seus domínios. Outra característica notável desse “sistema” é a predominância do poder privado sobre o público,
é sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores das terras. Não é possível, pois, compreender o fenômeno sem a referência à nossa estrutura agrária, que fornece a base de sustentação das manifestações de poder privado ainda tão visíveis no interior do Brasil (p. 20).
Ainda segundo Vitor Nunes Leal, o coronel é mais que um líder; é uma espécie de benfeitor dos pobres, dos trabalhadores (incapazes de governarem o próprio voto); por isso, o “voto de cabresto”, controlado com o uso de capangas (poder privado) e policiais (manipulação do poder público).
Qualquer que seja, entretanto, o chefe municipal, o elemento primário desse tipo de liderança é o coronel, que comanda discricionariamente um lote considerável de votos de cabresto. A força eleitoral empresta-lhe prestígio político, natural coroamento de sua privilegiada situação econômica e social de dono de terras. (…) Exerce, por exemplo, uma ampla jurisdição sobre seus dependentes, compondo rixas e desavenças e proferindo, às vezes, verdadeiros arbitramentos, que os interessados respeitam. Também se enfeixam em suas mãos, com ou sem caráter oficial, extensas funções policiais (…) com o auxílio de empregados, agregados e capangas (p. 23).

Como verdadeiro dono dos votos de seus empregados, o coronel custeia as despesas eleitorais, exercendo funções paternalistas, utilizando o dinheiro, os serviços e os bens do município nas batalhas eleitorais. Aqui também estão as origens do patrimonialismo e do familiarismo e outras formas de nepotismo, tão toleradas em nossa cultura política.




Em síntese, o coronelismo se constituía da seguinte forma: o coronel, no município, controlava a política local (geralmente era o prefeito[1]), os votos dos seus empregados (numa sociedade genuinamente agrária a maioria dos trabalhadores dependiam do latifúndio para a subsistência), as obras públicas (comumente direcionadas aos seus aliados políticos), a polícia (usada para reprimir os desafetos), etc. Esses coronéis sustentavam a política estadual (geralmente eram governistas, ou seja, situacionistas). Os chefes políticos estaduais dependiam do chefe situacionista local (o coronel) para se manterem no poder[2]. E esse ciclo vicioso se completava; ou seja, o chefe político estadual sustentava o coronel e fechava os olhos para seus desmandos no município com o intuito de se manter no poder. Por sua vez, o coronel sustentava o governo estadual com os votos de cabresto da população municipal.

A essência, portanto, do compromisso “coronelista” – salvo situações especiais que não constituem regra – consiste no seguinte: da parte dos chefes locais, incondicional apoio aos candidatos do oficialismo nas eleições estaduais e federais; da parte da situação estadual, carta-branca ao chefe local governista (de preferência o líder da facção local majoritária) em todos os assuntos relativos ao município, inclusive na nomeação de funcionários estaduais do lugar (p. 49 – 50).

O início da decadência do sistema coronelista é identificado pelo autor a partir de algumas constatações: (1) o sacrifício da autonomia municipal; (2) o enfraquecimento do poder dos donos das terras; (3) a mudança na estrutura social brasileira (do campo para a cidade – urbanização, comércio e indústria); (4) as mudanças progressivas na legislação eleitoral (principalmente a partir do Código Eleitoral de 1932[3], que criou a Justiça Eleitoral e que fortalece, segundo o autor, o regime representativo e cujos resultados objetivos foram as derrotas de algumas situações estaduais, com o declínio da influência governista); (5) a revolução de 1930; (6) o regime federativo que

ao tornar inteiramente eletivo o governo dos Estados, permitiu a montagem, nas antigas províncias, de sólidas máquinas eleitorais; essas máquinas eleitorais estáveis, que determina a instituição da “política dos governadores”, repousam justamente no compromisso “coronelista” (p. 253).

Não obstante sua decadência e enfraquecimento, práticas coronelistas ainda existem, pois efetivamente não houve uma profunda mudança na estrutura agrária brasileira: assim, o “regime dos coronéis adapta-se aqui e ali, para sobreviver, abandonando os anéis para conservar os dedos” (p. 256).
Parece evidente que a decomposição do “coronelismo” só será completa quando se tiver operado uma alteração fundamental em nossa estrutura agrária. A ininterrupta desagregação dessa estrutura – ocasionada por diversos fatores, entre os quais o esgotamento dos solos, as variações do mercado internacional, o crescimento das cidades, a expansão da indústria, as garantias legais dos trabalhadores urbanos, a mobilidade da mão-de-obra, o desenvolvimento dos transportes e das comunicações – é um processo lento e descompassado, por vezes contraditório, que não oferece solução satisfatória para o impasse. (p. 257).

O fato é que em pleno século XXI, a grande representação da bancada ruralista nas casas legislativas federais[4]os debates renitentes sobre as fronteiras do agronegócio, as constantes libertações de trabalhadores em regime de escravidão nas fazendas do interior do país por órgãos do Ministério do Trabalho, entre outros, denunciam ainda os resquícios desse sistema em nossa ordem social e política.

Nesse sentido, conclui magistralmente o autor clamando pelo espírito público tão ausente em nossa cultura política. Suas palavras, quando clamam pela moralidade pública parecem ressoar atuais: Não podemos negar que o “coronelismo” corresponde a uma quadra da evolução política do nosso povo, que deixa muito a desejar. Tivéssemos maior dose de espírito público e as coisas certamente se passariam de outra forma. Por isso, todas as medidas de moralização da vida pública nacional são indiscutivelmente úteis e merecem o aplauso de quantos anseiam pela elevação do nível político do Brasil. Mas não tenhamos demasiadas ilusões. A pobreza do povo, especialmente da população rural, e, em consequência, o seu atraso cívico e intelectual constituirão sério obstáculo às intenções mais nobres. (p. 258)

Por fim, registrando ainda sobre a contemporaneidade da obra de Leal, vale a pena suas considerações sobre o problema da corrupção eleitoral, assunto tão debatido nos últimos pleitos. Desde o Império e a Primeira República já se atribuía à corrupção eleitoral, segundo o autor, a principal responsabilidade pelos males do regime representativo (p. 240 ss).
Porém, vale a observação de Singer (1965, p. 80): a prática da compra e venda do voto, quando confrontada com uma visão da democracia como forma de governo pautada em princípios universalistas é considerada “corrupção eleitoral”. No entanto, no sistema capitalista, “tudo o que tem equivalência econômica tende a transformar-se em mercadoria (…). Assim, os cargos eletivos são cada vez mais suscetíveis de proporcionar rendimento econômico, fazendo com que, de modo crescente, o voto se torne mercadoria. O processo corruptor é consequência inevitável do próprio capitalismo.



Bibliografia:
LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo, no Brasil. 2ª edição, São Paulo, Alfa-Ômega, 1975.
SINGER, Paul. A política das classes dominantes. In: IANNI, Octávio (org.). Política e revolução social no Brasil. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1965.

NOTAS:
[1] Sobre a função do prefeito, o autor dedica boa parte da obra demonstrando que mesmo com as modificações introduzidas pelas alterações eleitorais, algumas na tentativa de diminuir o poder dos coronéis, estes sempre subsistiam: “convocai o povo para as urnas, como sucedeu em 1945, e o ‘coronelismo’ ressurgirá das próprias cinzas, porque a seiva que o alimenta é a estrutura agrária do país” (p. 134).
[2] “Despejando seus votos nos candidatos governistas nas eleições estaduais e federais, os dirigentes políticos do interior fazem-se credores de especial recompensa, que consiste em ficarem com as mãos livres para consolidarem sua dominação no município” (p. 253).
[3] “Tendo erigido a moralização do nosso sistema representativo em um dos seus máximos ideais, a revolução vitoriosa de 3 de outubro procurou cumprir a promessa com o código eleitoral, aprovado pelo decreto número 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, que instituiu o voto feminino, baixou a 18 anos o limite de idade para ser eleitor e deu a segurança efetiva ao sigilo do sufrágio. Sua principal inovação consistiu em confiar o alistamento, a apuração dos votos e o reconhecimento e proclamação dos eleitos à justiça eleitoral”. (pp. 230 – 231).

[4] Registre-se de passagem que a chamada bancada ruralista teve atuação marcante durante o processo de redação da Constituição Federal de 1988, garantindo uma série de beneplácitos para os latifúndios brasileiros, entre os quais, obliteram quaisquer tentativas efetivas de uma verdadeira reforma agrária.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

O Núcleo de Estudos Sociopolíticos, da PUC Minas e da Arquidiocese de Belo Horizonte (Nesp), informa que foram prorrogadas as inscrições para o 3º encontro arquidiocesano de fé e política.


O evento ocorrerá no dia 28 de novembro, sábado, das 8 às 17 horas, no campus Coração Eucarístico da PUC Minas (Avenida Dom José Gaspar, 500 – bairro Coração Eucarístico).



Com o tema: “Fé e política: alegria e esperanças no cuidado com a vida”, o encontro tem como objetivos reunir grupos e práticas de fé e política no âmbito da Arquidiocese de Belo Horizonte; discutir a realidade sociopolítica e eclesial à luz do pontificado de Francisco; planejar e articular a caminhada dos grupos e práticas de fé e política da Arquidiocese e celebrar os dez anos do Nesp.

O 3º Encontro Arquidiocesano de Fé e Política é promovido pelo Nesp em parceria entre o Vicariato para a Ação Social e Política da Arquidiocese de Belo Horizonte e o Anima (Sistema Avançado de Formação da PUC Minas) e tem o apoio do Movimento Mineiro de Fé e Política.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Quem são os inimigos do Papa?

Reproduzo, abaixo, reportagem de Claudio Bernabucci, publicada na Revista Carta Capital e no IHU - On Line. Trata-se de nomear alguns dos inimigos do Papa Francisco que operam dentro da Igreja, especialmente na Cúria Romana. 

Francisco, com sua pregação, testemunhos e ações tem provocado furor nos poderosos de dentro e de fora da Igreja. Sua última encíclica Laudato Sí (Louvado Seja), sobre o cuidado com a “casa comum” provocou a ira dos conservadores porque, fidelíssima aos Evangelhos, dá  centralidade aos pobres e aos mais frágeis, como já apontara o Concílio Vaticano II; é uma  crítica radical ao antropocentrismo moderno; conclama os cristãos para o diálogo em posição de humildade e abertura e, de certa maneira, coloca a Igreja Católica em rota de colisão com o capitalismo, ao denunciar a opressão e exclusão causada por esse sistema. Francisco afirma que a "política e as empresas não estão à altura dos desafios mundiais", depois de terem feito um "uso irresponsável dos bens que Deus colocou na Terra". O papa argentino condena com palavras firmes o consumismo e o capitalismo selvagem, apontados como responsáveis pela degradação da "mãe e irmã Terra".

Na reportagem abaixo, leia um pouco mais sobre o chamado VatiLeaks 2. Como se pode notar, a disputa não é pelo cargo de Pastor ou chefe da Igreja Católica mas, lamentavelmente, pelo comando das finanças do Vaticano. 

O escândalo, cujos principais atores pareciam orquestrar mais uma tentativa de enfraquecimento de Francisco (que se propôs a fazer reformas na Cúria Romana), começa na festividade de Todos os Santos de 2015: na noite anterior a 1º de novembro, foi presa Francesca Chaouqui, primeira mulher a passar pelo cárcere do Vaticano, juntamente com seu padrinho eclesiástico, Monsenhor Lucio Angel Vallejo Balda. Dirigentes médios na Santa Sé, ambos foram acusados de vazamento de informações reservadas.

Leiam, abaixo, na reportagem de Claudio Bernabucci, publicada por Carta Capital, em 13 de novembro de 2015.

A senhora Chaouqui, 32 anos, italiana com pai franco-marroquino, lobista e ex-integrante de uma importante comissão vaticana, foi logo solta por ter colaborado ativamente com as investigações. Glamourosa e extrovertida, mais em sintonia com os ambientes mundanos das socialites romanas do que com a sobriedade do entourage de Francisco, já nas primeiras declarações após a infausta primazia, ela descarregou a maior responsabilidade sobre o companheiro de aventura e de prisão.

Monsenhor Vallejo Balda, espanhol de 54 anos, filiado ao Opus Dei, já foi secretário da Prefeitura dos Assuntos Econômicos da Santa Sé, importante órgão, criado por Francisco, para vigilância do patrimônio e do setor econômico-financeiro da Igreja. Sobre sua cabeça cai principalmente a acusação de ter divulgado documentos reservados e gravações do papa, que constituem a parte mais substanciosa de dois livros a serem publicados em breve: Avarizia (Avareza), do jornalista Emiliano Fittipaldi, vaticanista da revista italiana l’Espresso, e Via Crucis, escrito por Gianluigi Luzzi, autor de outro best seller de 2012, Sua Santidade, que divulgava as cartas de Bento XVI furtadas por seu mordomo. O escândalo dos documentos roubados ao papa, então denominado VatiLeaks, representou o episódio final de um desgaste prolongado que induziu Ratzinger à histórica demissão. Tudo indica que a atual tentativa de desestabilização do papado é provavelmente inspirada por intenções semelhantes.

Em duro comunicado, o departamento de imprensa do Vaticano denunciou: “Publicações desse tipo não ajudam a estabelecer a verdade, mas a gerar confusão, interpretações parciais e tendenciosas. É preciso evitar o equívoco de pensar que esse seja um modo de ajudar a missão do papa”. Como, aliás, os dois autores dos livros insinuaram. O porta-voz do papa sublinhou também que os livros anunciados, “como já aconteceu no passado, são frutos de uma grave traição da confiança concedida pelo papa”, com evidente referência às gargantas profundas do Vaticano que vazaram informações sigilosas.

Fato é que a antecipação desses dois livros oferece informações de absoluta gravidade, até agora não desmentidas. Nestas horas, parece que o Vaticano está voltando à atmosfera de conspiração que sofreu na véspera da demissão do papa alemão e que as intrigas venenosas continuam proliferando. Em outros termos, parece que a operação de reforma, ou limpeza, realizada na Cúria até agora por Francisco é insuficiente.

As indiscrições sobre os livros falam da riqueza da Igreja, da dificuldade do papa de impor uma troca virtuosa na administração do dinheiro e da falta absoluta de transparência em relação ao uso das doações. Não tem muito a ver com o vazamento de documentos reservados, mas por certo o escândalo fermenta com a notícia, divulgada pela Reuters, de uma investigação em curso entre as magistraturas vaticana, italiana e suíça sobre operações fraudulentas e reciclagem de dinheiro por parte da Administração do Patrimônio da Sé Apostólica (Apsa). Aliás, os dois livros descrevem os hábitos e as residências luxuosas de muitos cardeais, in primis de George Pell, o australiano que Bergoglio nomeou em 2013 como chefe da Secretaria de Economia, espécie de superministério.

Já durante o Sínodo sobre a Família, foi evidenciada a contradição: Pell, um dos principais colaboradores do papa, alinhava-se a seus adversários conservadores. Agora, com a demonstração de que quem cuida das finanças vaticanas, cultiva sofisticados hábitos (que comportariam gastos mensais de 70 mil euros, entre roupas sob medida e outras mordomias), a posição do poderosíssimo cardeal torna-se insustentável.

Na narração das “contradições” que se perpetuam na Cúria, não podia faltar o escândalo dos escândalos: o suntuoso apartamento do cardeal Tarcisio Bertone, 350 metros quadrados com terraço, ao lado da cúpula de Michelangelo, refinadamente reestruturado no mesmo período em que Francisco estabelecia sua residência em modestos 70 metros quadrados na Hospedagem de Peregrinos Santa Marta.

A ostentação do luxo própria de Bertone (mas não só dele), por um lado, e a simplicidade do papa, por outro, têm provocado nesses dois anos embaraçosa incredulidade nos fiéis (e também nos infiéis). Mas agora, depois que foi divulgado que parte dos gastos de tal reestruturação milionária foi financiada com dinheiro do hospital pediátrico Bambino Gesù, a continuidade do ex-secretário de Estado no principesco apartamento parece um insulto aos Evangelhos.

Completam a litania das indiscrições algumas gravações da voz do papa, que fala aos interlocutores de “custos fora de controle”. Avisa: “Tem armadilhas...” Em outra circunstância: “Se não somos capazes de guardar o dinheiro, que se vê, como cuidaremos das almas dos fiéis, que não se veem?” Constrangedoras, pelo fato de serem reveladas traiçoeiramente, essas frases roubadas ao papa parecem absolutamente verossímeis, porque deixam transpirar toda a sua postura simples e sincera.

Claro que Francisco sai dessa turbulência como a figura positiva cuja ação reformista é prejudicada pelas forças conservadoras, mas o fato é que esse VatiLeaks nº 2 é o primeiro escândalo da sua época e de alguma forma o fere e talvez o desgaste. De fato, os cargos dos dois inquiridos na Cúria não são uma herança do passado, remontam a suas nomeações de 2013, bem como a do cardeal Pell. Provavelmente, Francisco paga agora pela inevitável inexperiência dos primeiros meses, após a chegada a Roma, quando teve de confiar na opinião de outros prelados para definir importantes cargos de confiança. Além disso, a confirmação estrondosa de tantos problemas internos abala inevitavelmente a imagem de maior líder espiritual e estadista contemporâneo, que não é forte o suficiente para alinhar todos à sua justa causa.

De qualquer forma, ao contrário dos meses passados, o posicionamento dos vários protagonistas da disputa vaticana agora está manifesto, graças à habilidade de Francisco de trazer à tona seus adversários ocultos. Igualmente, a interpretação dos acontecimentos recentes resulta clara o bastante para deixar antever um cenário futuro e arriscar previsões.

Em primeiro lugar, vale evidenciar que, diferente de Bento XVI, Francisco foi de grande firmeza e severidade. Comentários não desmentidos relatam que, em lugar da prisão, os vértices vaticanos propuseram a solução mais diplomática do afastamento na Espanha para monsenhor Vallejo Balda, mas Bergoglio optou pelo rigor. Ao contrário de Francesca Chaouqui, o prelado do Opus Dei continua atrás das grades. A motivação de seus delitos parece muito mesquinha – ressentimento contra o papa pela falta de promoção como número 2 de Pell –, mas muito provavelmente ele é peça de uma conspiração de nível muito mais alto.

É evidente que um conflito aspérrimo está em pleno desenvolvimento, tanto quanto na luta de poder, sobretudo econômico-financeiro. O modelo de Igreja que Francisco quer pôr em prática, uma Igreja pobre, misericordiosa, “hospital de campo”, como ele a definiu, é antípoda da estrutura de poder dogmática e conservadora que foi construída nos séculos passados. Com Francisco no trono de São Pedro, não há possibilidade de mediação entre os dois modelos, daí a reação raivosa dos adversários, numerosos e poderosos, que ainda ocupam posições inalteradas em seus dois anos de pontificado.

Durante o Sínodo sobre a Família, o ataque foi também violento, não só com intransigentes especulações doutrinárias, mas também com as armas infames da calúnia e da conspiração. A notícia do tumor no cérebro de Francisco, lançada com clamor nos últimos dias do Sínodo e aparentemente sem fundamento, era nada menos que a tentativa de insinuar que o papa não tinha pleno controle de suas capacidades intelectuais. E a iniciativa anterior da carta reservada, e depois revelada, de 13 cardeais que escreveram ao papa insinuando um resultado preestabelecido da discussão sinodal, representou a outra cara da mesma moeda: macular o prestígio de Francisco, lançando a suspeita de que ele urdia mesquinhas manipulações para forçar os resultados da reforma que desejava.

Os fatos encarregaram-se de demonstrar que a realidade era outra e que a vitória de Francisco sobre os conservadores foi sofrida e resultado de um compromisso. Seus adversários visavam demonstrar que a maioria que o elegeu no Conclave de 2013 tinha evaporado, mas o voto sobre a redação final do Sínodo, elaborada após ásperos antagonismos, mostrou o contrário. Francisco conseguiu, por dois votos, o consenso de dois terços dos padres sinodais, ou seja, uma ampla maioria está disposta a segui-lo no caminho da reforma profunda da Igreja.

A proposta-chave que abriu a mediação final foi formulada pelo episcopado alemão, por sua vez dividido entre uma minoria conservadora chefiada pelo cardeal Müller e uma maioria progressista com o cardeal Marx na cabeça. Graças também ao parecer conciliador de Ratzinger, o papa emérito, os alemães sugeriram a fórmula de descentralizar os poderes em nível episcopal para dirimir questões como a comunhão aos divorciados. Daqui para a frente, serão os bispos dos vários países, com sensibilidades e culturas diferenciadas e inspirados pelo “discernimento” sugerido por São Tomás de Aquino, que aplicarão em cada contexto as medidas mais apropriadas.

Fonte: Claudio Bernabucci, publicada por Carta Capital e IHU - On Line 13-11-2015.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Lei antiterrorismo: criminalização dos Movimentos Sociais


Um golpe perigoso contra a liberdade de expressão, de reivindicação e de lutas pelos direitos está sendo preparado pelas bancadas conservadoras da Câmara e do Senado.



Trata-se da chamada "lei antiterrorismo". 

No meu comentário no Programa "Cidadania nas Ruas e nas Redes" (link do áudio abaixo) faço um alerta sobre o absurdo desta proposta que, em tramitação no Congresso Nacional, define crimes de terrorismo no Brasil e dispõe sobre procedimentos investigatórios e processuais, criminalizando, por exemplo, a participação em manifestações políticas e/ou em movimentos sociais.

O projeto foi duramente criticado pela ONU e, se aprovado, consolidará, segundo o  Estado Plutocracia, ou seja, um Estado no qual o poder econômico governa, impondo as leis no Brasil.

OUÇA O ÁUDIO,CLICANDO AQUI ....