terça-feira, 7 de junho de 2016

Quando não se quer discutir os direitos das mulheres - Por Pe. Magno Marciete do Nascimento Oliveira


         O fascismo no país é cada vez pior. O tempo todo tenta desqualificar qualquer luta social com os mais estapafúrdios argumentos, na intenção de fazer a população entrar em perturbação mental, caindo em quadro esquizoide (apatia, falta de interesse em relações sociais, no caso aqui analogicamente por vida política). A patologia, porém, serve só para os fatos conclamados em nome das minorias e para a retirada de direitos, como no caso do golpe com seu efeito cascata, cadenciado pela forma como as notícias e o debate público são conduzidos pelos donos da informação. Lamentável.

         Diante do estupro coletivo, fato questionado com desfaçatez ultimamente, de uma menina de 16 anos, um soco no estômago de qualquer pessoa um pouco dotada de sensibilidade, moveu-se a sociedade, mexeu-se no quadro esquizoide. As vozes feministas deram seu grito antes da mídia noticiar qualquer coisa, pois só as redes sociais deram notoriedade ao grotesco de um vídeo divulgando o estupro como se fosse algo perfeitamente sintonizado com a consciência coletiva, algo tão normal quanto dizer bom dia.

         Os fascistas esclarecidos, que não admitem, mas têm ciência do seu direitismo acerbo, e o fascistas não esclarecidos, que não admitem e não sabem que estão no fundo poço da humanidade seguindo diretrizes macabras, trataram de minimizar o fato. Dizem: que importância tem tal situação? Todos os dias mulheres são estupradas e ninguém diz nada, mulheres são mortas e agredidas sem cobertura e comoção? Verdade. Todos os dias acontece, assim como todos os dias as pessoas são assaltadas, assassinadas e sofrem outras formas de violência. Todavia, numa sociedade estruturada sobre a barbárie tudo isso vai se tornando corriqueiro, até que algum evento por suas características explode como um furúnculo em um corpo social de aparência saudável.

         Esquecem os donos desses argumentos toscos que, se eles não lembram, há vários movimentos sociais, há feministas por toda parte que diuturnamente lutam contra as mazelas às quais as mulheres são constrangidas. Contra a violência atuam em frentes diversas, nas comunidades por meio de ONG’s, nas escolas e nas faculdades com a educação formal, nas igrejas e onde mais se puder imaginar, como na militância virtual, no combate em defesa da narrativa feminina. Quem não sabe nada sobre essas coisas é quem dessas coisas não faz sua preocupação, raciocinando só a partir de fatos midiáticos. Por isso, os fascistas esclarecidos ao defenderem seus argumentos são perversos e os não esclarecidos são, infelizmente, ignorantes.

         Agora, com um estupro acontecido em um acampamento de trabalhadores sem-terra, na noite do dia 04, sábado, no Bairro Castro Pires em Teófilo Otoni, Minas Gerais, Luciano Henrique do Ceticismo Político desafia: “Agora é só observar o comportamento da mídia. Parece que vários órgãos, como a Folha, estão escondendo a notícia. Devemos exigir que eles tratem do assunto. E as feministas do PT devem ser pressionadas a se posicionarem. Enfim, depende de nós pressionarmos os adeptos de discursinhos hipócritas. Se eles realmente se importam com as vítimas de estupro, agora é o momento de provarem isso. Ou serem expostos em sua monstruosidade” (veja aqui).

         Banal demais para ser verdade e verdade de sobra para ser banal, a invectiva do blogueiro é um exemplo límpido de um posicionamento que não entende nada sobre a realidade na qual vivemos e desmerece a defesa das mulheres e seus direitos como se fosse uma farsa. O seu olhar é um caso que abarca amplo espectro do que temos visto de falas e discursos por aí. O reducionismo aparece como marca registrada. As feministas chamadas a dar satisfação são só do PT. Bom, tem mais feministas por aí que se indignaram e reclamaram do que aconteceu do que aquelas que estão no Partido. E depois do estupro coletivo não foi só esse perpetrado por acampados os únicos sofridos por mulheres. Além de tudo a escolha de um estupro vivido por uma mulher com acampados mostra a polarização desonesta dos últimos tempos. Há questões na vida que não se resumem em direita e esquerda. Há valores que transcendem tais binômios, ainda que possam ser assumidos mais por um lado do que por outro.

         A má-fé do blogueiro em sugerir um ato de pressão para ser noticiado o fato com ênfase em nome da validade da luta contra a cultura do estupro é um descalabro. É como se a única mulher defendida em todo esse tempo tivesse sido só aquela menina. E como se não houvesse nenhuma luta antes e a explosão de um fato dessa monta, para o qual os olhares se voltam assombrados, não devesse ter tido cobertura depois dos requintes de crueldade expostos, num ato de instrumentalização de proporções abomináveis.

         Para o blogueiro e outros que pensam igual, como Reinaldo Azevedo, que se recusa, em artigo publicado na Folha no dia 03, com muito cinismo, a dar o braço a torcer para entender o que seja a cultura do estupro, apesar da história já ser relativamente longa sobre essa discussão, o que houve foi só uma “estandartização” do estupro para dar publicidade à esquerda. A canalhice desse pensamento é deprimente. É uma rejeição à causa feminista e menoscabo bem ao modo de policiais que recebem mulheres agredidas por homens e ficam insinuando que estas gostam de apanhar. Atitudes deste naipe achincalham o movimento feminista e deixam a questão dos direitos das mulheres em último plano, lançando mão de um discurso no qual se sobressai a disputa de campos antagônicos. Desaparece a vítima. Inclusive o estupro lembrado pelo blogueiro é só uma tentativa de desmascarar um discurso. Se pode dizer que essa razão em face do ocorrido fede. Ele não se importa com a mulher. Seu objetivo, como em filmes de ação, é estar com alguém nas mãos para forçar o inimigo a fazer um movimento temerário para depois matá-lo e dizer com gozo que a luta pelos direitos da mulher e sua defesa é um “discursinho hipócrita” e monstruoso.

Confessando só nas entrelinhas a completa desconsideração pela vítima, essa forma de pressionar o movimento feminista e a esquerda, esta dita explicitamente, cai em armadilha indesejada: a admissão de que nunca olharam para a vítima, de que não se quer discutir os direitos das mulheres pela ótica feminista, mas só através de abstrações de um falso humanismo que mais esconde do que revela. Que um estupro tenha acontecido num acampamento dos sem-terra é lamentável e condenável para qualquer pessoa sensível ao mundo feminino, no entanto para quem propôs fazer pressão é só algo providencial para desnudar quem se rejeita e continuar estuprando as possibilidades da existência de uma cultura saudável e civilizada.


(Pe. Magno Marciete do Nascimento Oliveira)