O fascismo no país é cada vez pior. O tempo todo tenta
desqualificar qualquer luta social com os mais estapafúrdios argumentos, na
intenção de fazer a população entrar em perturbação mental, caindo em quadro
esquizoide (apatia, falta de interesse em relações sociais, no caso aqui
analogicamente por vida política). A patologia, porém, serve só para os fatos conclamados
em nome das minorias e para a retirada de direitos, como no caso do golpe com
seu efeito cascata, cadenciado pela forma como as notícias e o debate público
são conduzidos pelos donos da informação. Lamentável.
Diante do estupro coletivo, fato questionado com desfaçatez
ultimamente, de uma menina de 16 anos, um soco no estômago de qualquer pessoa
um pouco dotada de sensibilidade, moveu-se a sociedade, mexeu-se no quadro
esquizoide. As vozes feministas deram seu grito antes da mídia noticiar
qualquer coisa, pois só as redes sociais deram notoriedade ao grotesco de um
vídeo divulgando o estupro como se fosse algo perfeitamente sintonizado com a
consciência coletiva, algo tão normal quanto dizer bom dia.
Os fascistas esclarecidos, que não admitem, mas têm ciência
do seu direitismo acerbo, e o fascistas não esclarecidos, que não admitem e não
sabem que estão no fundo poço da humanidade seguindo diretrizes macabras, trataram
de minimizar o fato. Dizem: que importância tem tal situação? Todos os dias
mulheres são estupradas e ninguém diz nada, mulheres são mortas e agredidas sem
cobertura e comoção? Verdade. Todos os dias acontece, assim como todos os dias
as pessoas são assaltadas, assassinadas e sofrem outras formas de violência.
Todavia, numa sociedade estruturada sobre a barbárie tudo isso vai se tornando
corriqueiro, até que algum evento por suas características explode como um
furúnculo em um corpo social de aparência saudável.
Esquecem os donos desses argumentos toscos que, se eles não
lembram, há vários movimentos sociais, há feministas por toda parte que
diuturnamente lutam contra as mazelas às quais as mulheres são constrangidas. Contra
a violência atuam em frentes diversas, nas comunidades por meio de ONG’s, nas
escolas e nas faculdades com a educação formal, nas igrejas e onde mais se
puder imaginar, como na militância virtual, no combate em defesa da narrativa
feminina. Quem não sabe nada sobre essas coisas é quem dessas coisas não faz
sua preocupação, raciocinando só a partir de fatos midiáticos. Por isso, os
fascistas esclarecidos ao defenderem seus argumentos são perversos e os não esclarecidos
são, infelizmente, ignorantes.
Agora, com um estupro acontecido em um acampamento de
trabalhadores sem-terra, na noite do dia 04, sábado, no Bairro Castro Pires em
Teófilo Otoni, Minas Gerais, Luciano Henrique do Ceticismo Político desafia: “Agora é só observar o comportamento da
mídia. Parece que vários órgãos, como a Folha, estão escondendo a notícia.
Devemos exigir que eles tratem do assunto. E as feministas do PT devem ser
pressionadas a se posicionarem. Enfim, depende de nós pressionarmos os adeptos
de discursinhos hipócritas. Se eles realmente se importam com as vítimas de
estupro, agora é o momento de provarem isso. Ou serem expostos em sua
monstruosidade” (veja aqui).
Banal demais para ser verdade e verdade
de sobra para ser banal, a invectiva do blogueiro é um exemplo límpido de um
posicionamento que não entende nada sobre a realidade na qual vivemos e
desmerece a defesa das mulheres e seus direitos como se fosse uma farsa. O seu
olhar é um caso que abarca amplo espectro do que temos visto de falas e
discursos por aí. O reducionismo aparece como marca registrada. As feministas
chamadas a dar satisfação são só do PT. Bom, tem mais feministas por aí que se
indignaram e reclamaram do que aconteceu do que aquelas que estão no Partido. E
depois do estupro coletivo não foi só esse perpetrado por acampados os únicos
sofridos por mulheres. Além de tudo a escolha de um estupro vivido por uma
mulher com acampados mostra a polarização desonesta dos últimos tempos. Há
questões na vida que não se resumem em direita e esquerda. Há valores que
transcendem tais binômios, ainda que possam ser assumidos mais por um lado do
que por outro.
A má-fé do blogueiro em sugerir um ato
de pressão para ser noticiado o fato com ênfase em nome da validade da luta
contra a cultura do estupro é um descalabro. É como se a única mulher defendida
em todo esse tempo tivesse sido só aquela menina. E como se não houvesse
nenhuma luta antes e a explosão de um fato dessa monta, para o qual os olhares
se voltam assombrados, não devesse ter tido cobertura depois dos requintes de
crueldade expostos, num ato de instrumentalização de proporções abomináveis.
Para o blogueiro e outros que pensam
igual, como Reinaldo Azevedo, que se recusa, em artigo publicado na Folha no
dia 03, com muito cinismo, a dar o braço a torcer para entender o que seja a
cultura do estupro, apesar da história já ser relativamente longa sobre essa
discussão, o que houve foi só uma “estandartização” do estupro para dar
publicidade à esquerda. A canalhice desse pensamento é deprimente. É uma
rejeição à causa feminista e menoscabo bem ao modo de policiais que recebem
mulheres agredidas por homens e ficam insinuando que estas gostam de apanhar. Atitudes
deste naipe achincalham o movimento feminista e deixam a questão dos direitos
das mulheres em último plano, lançando mão de um discurso no qual se sobressai a
disputa de campos antagônicos. Desaparece a vítima. Inclusive o estupro
lembrado pelo blogueiro é só uma tentativa de desmascarar um discurso. Se pode
dizer que essa razão em face do ocorrido fede. Ele não se importa com a mulher.
Seu objetivo, como em filmes de ação, é estar com alguém nas mãos para forçar o
inimigo a fazer um movimento temerário para depois matá-lo e dizer com gozo que
a luta pelos direitos da mulher e sua defesa é um “discursinho hipócrita” e
monstruoso.
Confessando só nas entrelinhas a completa
desconsideração pela vítima, essa forma de pressionar o movimento feminista e a
esquerda, esta dita explicitamente, cai em armadilha indesejada: a admissão de
que nunca olharam para a vítima, de que não se quer discutir os direitos das
mulheres pela ótica feminista, mas só através de abstrações de um falso humanismo
que mais esconde do que revela. Que um estupro tenha acontecido num acampamento
dos sem-terra é lamentável e condenável para qualquer pessoa sensível ao mundo
feminino, no entanto para quem propôs fazer pressão é só algo providencial para
desnudar quem se rejeita e continuar estuprando as possibilidades da existência
de uma cultura saudável e civilizada.
(Pe. Magno Marciete do Nascimento Oliveira)
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