Não é a primeira vez que isso
ocorre nos últimos meses. Basta ler os editorais dos jornalões (dos barões da
mídia), observar as análises econômicas de banqueiros e rentistas, acompanhar
as manifestações de empresários (muitos de mentalidade escravocrata), verificar
as manobras dúbias de coronéis da política e do judiciário para se levantar uma
hipótese: parece que se costura, ou se tenta costurar, um grande acordão, com o
Supremo com tudo, para -- fazendo vistas grossas aos muitos absurdos, crimes, violência
à democracia e suas instituições protagonizados por Bolsonaro -- manter o bode malcheiroso
na sala.
Para os segmentos elitistas da sociedade
brasileira (e seus líderes) tudo pode ser relativizado, inclusive a civilidade,
desde que o projeto neoliberal, conservador e excludente não seja ameaçado.
Discursos limpinhos e cheirosos, decantados
em prosa e verso, sobre o “valor da democracia”, a “defesa da vida”, a “importância
de se respeitar a Constituição” são como palavras ao vento para os tradicionais
defensores de uma democracia de baixíssima intensidade, geradora de exclusão e garantidora
de benesses. Tais slogans agradam a
todos, gregos e troianos e interessam profundamente o 1% (os ricos) e os 30% da
classe média (privilegiada) que, majoritariamente, desejam manter o Brasil na
sua histórica posição entre os líderes mundiais de privilégios (para esses) e
de desigualdade, violência e exclusão para os outros 70% da população. O que vale
é uma democracia formal. Nunca, uma democracia real; substantiva.
Há que se perguntar aos arautos da
“pátria mãe gentil” que aparecem nesses tempos sombrios: democracia para quem?
Vida para quem? Liberdade para quem? Constituição para quem? Direitos ou privilégios?
Para os velhos e novos privilegiados
do Brasil, que controlam “com lei e ordem”, ou “ordem e progresso” -- para
agradar os positivistas --, um modelo de sociedade estruturada na violência, no
racismo, na segregação socio-econômica-étnico-espacial, subserviente aos interesses
de fora (primeiro da Europa, depois dos Estados Unidos da América), o
importante é que Bolsonaro “se comporte” para atender aos seus interesses. E não
atrapalhe Guedes e sua tropa neoliberal e rentista -- prepostos dos verdadeiros
donos do poder.
Não interessa ao grupo do 1% e dos
privilegiados:
- Se milhares de brasileiros, a
maioria pobre e preta, morrerá na pandemia vítimas da incúria do governo
central e sua tropa negacionista;
- Se populações indígenas estão
sendo, mais uma vez, vítimas de genocídio -- com as vistas grossas desse mesmo governo;
- Se o povo é tratado como massa
de manobra para atender aos interesses mais escusos das máfias e milícias incrustradas
nos poderes econômico e político (e também religioso), com a complacência do
governo;
- Se o estado está sendo
militarizado para agradar os velhos intentos corporativos dos pretorianos das
elites;
- Se no plano internacional o país
se torna um pária, ignorado e gradativamente excluído, simbólica e objetivamente,
no concerto das nações;
- Se o que resta do nossa soberania
e meio-ambiente são negociados com quem der mais, de portas abertas para a boiada
passar;
- Se o moralismo religioso (dos
sepulcros caiados, obscurantistas e fundamentalistas) se impõe como política
pública, estuprando o estado laico;
- Se o sistema de justiça
continua um dos mais seletivos, elitistas e vingativos do planeta;
- Se o desmonte do Estado -- com a
dilapidação de suas riquezas e patrimônio e a destruição das políticas públicas
e sociais -- levará o país a bancarrota em pouco tempo...
Interessa para esses grupos de
privilegiados a defesa de um modelo de sociedade que mantenha os lugares sociais
historicamente pré-determinados (dos pobres, pretos, vulneráveis; enfim, dos descartáveis).
E que a apropriação dos bens públicos, a expropriação das riquezas nacionais e
a exploração do trabalho continuem monopólios garantidos às famílias dos coronéis
de sempre.
O discurso de defesa da democracia
e da Constituição, entre outros, muitas vezes é usado como um artigo de perfumaria,
manobrado estrategicamente por esses privilegiados quando percebem que seus
interesses estão ameaçados.
Mais uma vez, parece se construir
um pacto entre elites, inclusive com alguns dos burocratizados setores das
esquerdas. Um acordão que vira as costas para o povo, a soberania nacional, a
possibilidade de construção de um país onde caibam todas e todos, mantendo-se um
governo claramente neofascista.
Se não é possível disfarçar o
malcheiroso bode que esses setores colocaram na sala, nem com colossal quantidade
de perfume importado, parece que se pactuará para que o bode continue, desde
que não estrague os planos dos capitães do mato de sempre.
Amém!