sábado, 27 de junho de 2020

Acordão no horizonte sinaliza nova tentativa de pacto entre elites


Não é a primeira vez que isso ocorre nos últimos meses. Basta ler os editorais dos jornalões (dos barões da mídia), observar as análises econômicas de banqueiros e rentistas, acompanhar as manifestações de empresários (muitos de mentalidade escravocrata), verificar as manobras dúbias de coronéis da política e do judiciário para se levantar uma hipótese: parece que se costura, ou se tenta costurar, um grande acordão, com o Supremo com tudo, para -- fazendo vistas grossas aos muitos absurdos, crimes, violência à democracia e suas instituições protagonizados por Bolsonaro -- manter o bode malcheiroso na sala.

Para os segmentos elitistas da sociedade brasileira (e seus líderes) tudo pode ser relativizado, inclusive a civilidade, desde que o projeto neoliberal, conservador e excludente não seja ameaçado.
Discursos limpinhos e cheirosos, decantados em prosa e verso, sobre o “valor da democracia”, a “defesa da vida”, a “importância de se respeitar a Constituição” são como palavras ao vento para os tradicionais defensores de uma democracia de baixíssima intensidade, geradora de exclusão e garantidora de benesses. Tais slogans agradam a todos, gregos e troianos e interessam profundamente o 1% (os ricos) e os 30% da classe média (privilegiada) que, majoritariamente, desejam manter o Brasil na sua histórica posição entre os líderes mundiais de privilégios (para esses) e de desigualdade, violência e exclusão para os outros 70% da população. O que vale é uma democracia formal. Nunca, uma democracia real; substantiva.

Há que se perguntar aos arautos da “pátria mãe gentil” que aparecem nesses tempos sombrios: democracia para quem? Vida para quem? Liberdade para quem? Constituição para quem? Direitos ou privilégios?

Para os velhos e novos privilegiados do Brasil, que controlam “com lei e ordem”, ou “ordem e progresso” -- para agradar os positivistas --, um modelo de sociedade estruturada na violência, no racismo, na segregação socio-econômica-étnico-espacial, subserviente aos interesses de fora (primeiro da Europa, depois dos Estados Unidos da América), o importante é que Bolsonaro “se comporte” para atender aos seus interesses. E não atrapalhe Guedes e sua tropa neoliberal e rentista -- prepostos dos verdadeiros donos do poder.

Não interessa ao grupo do 1% e dos privilegiados:

- Se milhares de brasileiros, a maioria pobre e preta, morrerá na pandemia vítimas da incúria do governo central e sua tropa negacionista;

- Se populações indígenas estão sendo, mais uma vez, vítimas de genocídio -- com as vistas grossas desse mesmo governo;

- Se o povo é tratado como massa de manobra para atender aos interesses mais escusos das máfias e milícias incrustradas nos poderes econômico e político (e também religioso), com a complacência do governo;

- Se o estado está sendo militarizado para agradar os velhos intentos corporativos dos pretorianos das elites;

- Se no plano internacional o país se torna um pária, ignorado e gradativamente excluído, simbólica e objetivamente, no concerto das nações;

- Se o que resta do nossa soberania e meio-ambiente são negociados com quem der mais, de portas abertas para a boiada passar;

- Se o moralismo religioso (dos sepulcros caiados, obscurantistas e fundamentalistas) se impõe como política pública, estuprando o estado laico;

- Se o sistema de justiça continua um dos mais seletivos, elitistas e vingativos do planeta;

- Se o desmonte do Estado -- com a dilapidação de suas riquezas e patrimônio e a destruição das políticas públicas e sociais -- levará o país a bancarrota em pouco tempo...

Interessa para esses grupos de privilegiados a defesa de um modelo de sociedade que mantenha os lugares sociais historicamente pré-determinados (dos pobres, pretos, vulneráveis; enfim, dos descartáveis). E que a apropriação dos bens públicos, a expropriação das riquezas nacionais e a exploração do trabalho continuem monopólios garantidos às famílias dos coronéis de sempre.

O discurso de defesa da democracia e da Constituição, entre outros, muitas vezes é usado como um artigo de perfumaria, manobrado estrategicamente por esses privilegiados quando percebem que seus interesses estão ameaçados.

Mais uma vez, parece se construir um pacto entre elites, inclusive com alguns dos burocratizados setores das esquerdas. Um acordão que vira as costas para o povo, a soberania nacional, a possibilidade de construção de um país onde caibam todas e todos, mantendo-se um governo claramente neofascista.

Se não é possível disfarçar o malcheiroso bode que esses setores colocaram na sala, nem com colossal quantidade de perfume importado, parece que se pactuará para que o bode continue, desde que não estrague os planos dos capitães do mato de sempre.

Amém!

terça-feira, 16 de junho de 2020

AUTORITARISMO E OBSCURANTISMO: A POLÍTICA DO GOVERNO BOLSONARO



A decisão de excluir dados sobre violência policial de relatório sobre violação de direitos humanos é mais um capítulo da inclinação antidemocrática da atual gestão federal


Causou perplexidade à sociedade brasileira a decisão do governo Bolsonaro de excluir a violência policial do balanço anual sobre violações de direitos humanos no Brasil, divulgado anualmente no relatório do Disque 100 (o disque direitos humanos). Apesar de uma nota ambígua do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos negar que esconde tais dados, o fato concreto é que o relatório omitiu por completo as informações sobre violência policial.

Como se sabe, o Brasil é um dos campeões mundiais em violência e letalidade policial. Segundo o Monitor da Violência, elaborado em parceria pelo site G1, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Núcleo de Estudos da Violência da Universiadde de São Paulo, pelo menos 5.804 pessoas foram mortas por policiais em 2019. No Rio de Janeiro, segundo o Observatório da Segurança, ligado ao Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), a letalidade da polícia fluminense aumentou 92% em 2019 em relação a 2018.

O relatório “Direitos Humanos nas Américas: retrospectiva 2019”, da Anistia Internacional, não deixa dúvidas: “as autoridades federais e estatais adotaram um discurso de linha dura que alimentava a crescente violência contra a população em geral e contra as pessoas defensoras dos direitos humanos em particular” (p. 24); “o ano também foi cenário de um aumento do número de homicídios cometidos por polícias em serviço ativo.” (p.22).

No momento em que se discute globalmente a violência policial, depois do covarde assassinato de George Floyd nos Estados Unidos – que desmascarou a truculência e o racismo de departamentos de polícias naquele país --, o governo brasileiro opta por políticas de maquiagem e sonegação de dados justamente de um segmento estatal que, histórica e sistematicamente, dificulta a transparência das informações, obstaculizando o acesso a dados de interesse público que são fundamentais para a gestão estatal da segurança pública, além de corroborarem as legítimas demandas sociais por políticas correcionais, de aperfeiçoamento e de controle da atividade policial. 

Aliás, é importante registrar que a sonegação de dados sobre violência policial se inscreve numa série de medidas obscurantistas e autoritárias do atual governo que “tenta tapar o sol com a peneira” em termos de transparência e accountability. Recordemos, sumariamente, que estratégias similares são observadas nas tentativas de manipulação e/ou sonegação de dados sobre a pandemia, o desmatamento na Amazônia e outras informações públicas sobre meio ambiente, desigualdades sociais, drogas, racismo, dados demográficos, gastos presidenciais com cartão corporativo, entre outras áreas e políticas públicas. Um governo que oculta e/ou dificulta o acesso a dados públicos não pode ser considerado democrático.

No caso específico da violência policial, o governo Bolsonaro já sinalizou, repetidas vezes, seu projeto político baseado no incentivo à arbitrariedade de agentes do Estado. A posição dúbia no motim policial do Ceará, as reiteradas tentativas de institucionalizar o “excludente de ilicitude”, as manifestações públicas de aplauso e congratulações a policiais que praticam violência, o incentivo explícito ao armamento (sem controle estatal) da população e as denúncias que ligam o mandatário e sua família às milícias são sinais nada republicanos das tentativas do presidente em cooptar as polícias, alinhando-as ao seu projeto político autoritário.

O Brasil, na esteira dos acontecimentos mundiais, precisa urgentemente discutir a questão da violência policial. Mais que isso, precisamos debater sobre o mandato policial, tão obscuro, e retomar um debate nacional, sempre interrompido, sobre a função das polícias na nossa democracia.

Nesta quadra da vida sociopolítica, marcada por profunda instabilidade democrática, com um Executivo que constantemente flerta com o autoritarismo, o papel das instituições de segurança pública é crucial. Não é possível, nos marcos da democracia, que instituições policiais e as Forças Armadas sirvam a projetos de poder de grupos políticos, contra os interesses do povo e da Nação.

A tentativa de maquiar e esconder dados de violência policial só serve a interesses escusos, que devem ser rechaçados por todos aqueles que defendem os cânones do Estado Democrático de Direito.


Fonte: “Fonte Segura” – informativo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 16 a 22 de junho de 2020 – Edição 42.