sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Ecos das jornadas de 2013

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O ex-presidente Lula, em recente  entrevista, disse que os EUA estavam por trás das jornadas de junho de 2013 a articularem um movimento golpista no Brasil. Essa análise reacendeu um grande debate, nas redes sociais, sobre esse período intenso da vida sociopolítica brasileira.

A não ser que Lula tenha elementos objetivos para comprovarem sua tese (e talvez os tenham) discordo da análise do ex-presidente.

Não há fatos que corroboram a tese segundo a qual as manifestações de 2013 foram o primeiro ato do golpe de 2016, mesmo considerando que, em certos momentos, houve um protagonismo de grupos anarquistas e de extrema-direita naqueles protestos.

As jornadas de 2013 foram um grito libertário (apesar de passageiro), um movimento de massas, relativamente espontâneo (e com certos limites) de uma população predominantemente urbana, que não se contentava com uma democracia de mentirinha (apesar dos avanços sociais desde 1988 e principalmente nos governos petistas). As massas urbanas reivindicavam mais e melhores políticas publicas; exigiam mais participação e demandavam rupturas com as velhacas estruturas dos sistemas econômico e político brasileiros. Denunciavam os limites de uma democracia marcada pela desigualdade e de baixíssima intensidade. Repudiavam as benesses públicas dirigidas a entidades corporativas internacionais, como a Fifa (que exorbitavam poderes a ponto de ameaçarem o governo local), em detrimento de investimentos em políticas sociais.

Naquele momento, os segmentos de elite das esquerdas, encabeçados pelo PT (no governo federal), preferiram apostar na institucionalidade, no status quo, na "lei e na ordem" para enfrentarem os clamores revolucionários da população: a aprovação de lei antiterrorismo é o corolário desse erro estratégico. E perderam a oportunidade histórica de propor mudanças estruturais (para além das importantes políticas incrementais) que historicamente fazem do Brasil um dos países mais desiguais, violentos e injustos do mundo. 

Paradoxalmente, as esquerdas que sempre discursaram contra o sistema, optaram por proteger o sistema. 

Passadas as jornadas de junho de 2013, um rescaldo de insatisfação e decepção pairavam na sociedade. E o resultado foi a captura de muitas das legítimas demandas por mudanças da população pela direita. Em 2014, num cenário de violenta disputa eleitoral e a partir do discurso antissistema e golpista de Aécio Neves (que não aceitou a institucionalidade, ou seja, o resultado das urnas), a direita e setores fascistas da sociedade brasileira, vitaminados pela mídia, começaram a controlar o debate público e o protagonismo das ruas do Brasil.

Agora, não adianta eleger um bode expiatório para explicar a assunção da extrema direita protofascista como resultado externo aos desacertos cometidos em 2013 por quem estava no centro do poder. A cantilena da corrupção associada exclusivamente ao PT (o canto da sereia que embalou o lavajatismo golpista) teve ampla adesão da sociedade. Isso porque a população se encontrava insatisfeita com os limites da inserção via consumo (que não suplantava os guetos sociais, étnicos etc.) e exigia, principalmente nos espaços urbanos, o direito efetivo à cidade.

É claro que os EUA são responsáveis, direta e indiretamente, por todos os golpes havidos na América Latina desde a segunda metade do século passado. Especificamente em relação ao golpe de 2016, os EUA (Departamento de Justiça, CIA, think tanks ultraliberais) e seus parceiros fiéis brasileiros (banqueiros, grandes industriais, latifundiários, reacionários da classe média...) souberam aproveitar da insatisfação popular generalizada e da incoerência entre a teoria e a prática da esquerda (ou seja, da reação pro-establishment ao invés da proposição de mudanças)  para proporem pseudonarrativas de mudanças e arquitetarem o farsesco impeachment (com Temer, parlamento, lavajatismo e "com o supremo com tudo"), possibilitando em 2018, com diversas outras traquinagens (guerra híbrida, chantagens da caserna, atuação neopentecostal, seletividade do sistema de justiça etc.), a eleição do governo mais esdrúxulo da história republicana.

Que 2013 sirva de aprendizado. E não de desculpas...

Uma fábula de fim de ano: até quando as elites manterão o bode na sala?

Conta-se que as elites de um “país de faz-de-conta” (que exalam bom odor graças a doses cavalares de perfume importado) resolveram golpear a democracia.

Para consumar a ruptura, escolheram um bode velho na política para comandar o país.

Diziam que “a liturgia do cargo”, uma fragrância aplicada em altas doses, tornaria o ogro do baixo clero parlamentar menos malcheiroso e amado pelo povo e pelas nações.

As elites daquele país de faz-de-conta eram compostas pela turma do pato amarelo (das grandes indústrias e multinacionais), pelos banqueiros e os donos do agronegócio.

Esses “senhores do capital” podiam contar com outros aliados. Afinal, naquele país tinham trabalhadores que se consideravam elite: a turma da “fina-flor” do judiciário, MP, polícias, Forças Armadas e líderes neopentecostais; parte da classe média; operários da velhaca mídia empresarial, além de prepostos do Tio Sam em vários setores daquela sociedade.

Essas elites e seu exército de marionetes sabiam que o importante depois do golpe seria garantir o controle da economia e sufocar qualquer sublevação do povo. Portanto, pouco importava quem seria o presidente de plantão.

Fundamental para viabilizar seus interesses era garantir um governo comandado de fato por um capataz do ultraliberalismo, tipo um “Chicago boy”, e um preposto da CIA e do Departamento de Estado norteamericano (órgãos especializados em golpes, repressão popular e terrorismo de Estado), tipo um “xerife do velho oeste das araucárias”.

Acontece que o bode que escolheram fede demais. A cada dia, não obstante as imensas doses de perfume lançadas pela mídia empresarial, líderes religiosos e um exército de zumbis em redes sociais, a catinga do bode aumenta. E, o pior: o bode trouxe para a sala das elites daquele longínquo lugar além de seu cheiro insuportável, o desagradável odor dos seus filhos, mulheres, milicianos e outras personagens cavernosas do submundo daquele país.

E o cheiro do bode tornava-se cada vez mais detestável. Não havia perfume suficiente para disfarçar o incômodo dos falsamente limpinhos, cheirosos e bons cristãos que patrocinaram e elegeram o bode e seu clã para comandarem aquele o lugar de faz-de-conta.

Com o cheiro horrível que só aumentava, as carpideiras midiáticas começaram a chorar lágrimas de crocodilo, como se nada tivessem com o vexame nacional e internacional do bode velho.

Enquanto isso, o “Chicago boy” e o “xerife do velho oeste das araucárias” tocavam a pauta do ultraliberalismo autoritário e obscurantista com a ajuda de bobos da corte e diversionistas em ministérios, um Congresso cambiante e um poder judiciário delirante.

E o bode era só fedentina…

E a moral dessa fábula termina com uma pergunta: até quando as elites daquele país tão distante manterão o bode na sala?

FIM.