sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

CINISMO NACIONAL: o fracasso da segurança pública, a omissão dos governos e o silêncio da sociedade

"O ano de 2014 foi marcado pelo agravamento da crise da segurança pública no Brasil. A curva ascendente dos homicídios no país; a alta letalidade nas operações policiais, em especial nas realizadas em favelas e territórios de periferia; o uso excessivo da força no policiamento dos protestos que antecederam a Copa do Mundo; as rebeliões com mortes violentas em presídios superlotados, e casos de tortura mostram que a segurança pública no país precisa de atenção especial por parte das autoridades brasileiras." (Relatório da Anistia Internacional, divulgado em 26.02.2015).

Os problemas da segurança pública brasileira são reflexos de um legado político autoritário: uma engenharia político-institucional que conecta os dilemas da violência urbana atual ao passado da violência rural. 
As bases do sistema público de segurança (ainda) estão assentadas numa estrutura social historicamente conivente com a violência privada, a desigualdade social, econômica e jurídica e os “déficits de cidadania” de grande parte da população.
O medo derivado da violência urbana somado à desconfiança nas instituições do poder público encarregadas da implementação e execução das políticas de segurança produzem uma evidente diminuição da coesão social, o que implica, entre outros problemas, na diminuição do acesso dos cidadãos aos espaços públicos; na criminalização da pobreza (à medida que determinados setores da opinião pública estigmatizam os moradores dos aglomerados urbanos das grandes cidades como os responsáveis pela criminalidade e violência) e na desconfiança generalizada entre as pessoas, corroendo laços de reciprocidade e solidariedade social.

Justiça ou Vingança?
Todas as vezes que ocorre um crime a provocar grande comoção nacional, parte da sociedade brasileira – capitaneada por um discurso minimalista e conservador, com repercussão imediata na grande mídia –  clama por leis draconianas como lenitivo para diminuir a criminalidade violenta. Foi assim com a "criação" da lei de crimes hediondos, por exemplo. O resultado desse tipo de medida repressiva e pontual –  objetivando o adensamento do estado penal –  não apresenta resultado efetivo em termos de diminuição dos crimes.
É admissível e compreensível que, diante de um crime bárbaro, os parentes da vítima desejem vingança. Sob o ponto de vista privado, essa é uma prerrogativa do indivíduo; dos que sofrem a violência desproporcional de qualquer forma e estão sob o impacto dela. Porém, o Estado não tem essa prerrogativa. Considerando-se que o indivíduo pode, intimamente, desejar vingança (haja vista nossa cultura judaico-cristã, que valoriza os atos sacrificiais), o Estado –  mantenedor das conquistas do processo civilizatório, cuja base está na garantia dos direitos humanos –  não pode ser vingativo e passional em seus atos. 
A mesma indignação que move muitas pessoas a desejarem o recrudescimento penal (desde que seja sempre direcionado para o outro) em momentos de comoção não é mobilizadora frente à violência e carnificina generalizadas que atingem, cotidianamente, milhares de pessoas. No Brasil, a cada ano, são assassinadas cerca de 60 mil pessoas. Se somarmos as vítimas do trânsito (que tem se transformado numa guerra virulenta) esse número ultrapassa a casa de 100 mil vidas ceifadas anualmente. Numa década, são mais de um milhão de pessoas mortas por causas externas; o que significa que milhares dessas vidas poderiam ser poupadas.

A desarticulação estatal no enfrentamento da violência e do crime
Outra consequência do aumento dos crimes é que as agências encarregadas pela aplicação da lei (o sistema de justiça criminal: polícias, Ministério Público, Justiça, Sistema prisional) não se prepararam para o recrudescimento e a sofisticação da criminalidade, agindo quase que exclusivamente de modo reativo. 
Impunidade e morosidade são duas das características marcantes do sistema de justiça brasileiro. Condenação de homicídios, por exemplo, tem taxa de resolutividade inferior a 15% dos crimes praticados. Não adianta apontar o dedo somente para as polícias, atribuir responsabilidades para as políticas sociais, delegar funções de segurança para os municípios se o Judiciário e o Ministério Público não melhorarem sua eficiência e efetividade.
Num ambiente de insegurança e medo crescentes, as deficiências na política de segurança pública corroboram o enviesamento da solução: ao invés de se buscarem saídas na esfera pública (e política), governos e sociedade colaboram  para soluções no âmbito privado: a indústria da segurança privada cresce exponencialmente.

O legado da Ditadura
Como se não bastasse toda uma ordem político-institucional e cultural geradora da exclusão e do afastamento de grandes parcelas da população dos direitos de cidadania, o período ditatorial (1964 – 1985) acentuou o esfacelamento de uma cultura democrática em construção ao enfatizar o controle do Estado em relação às chamadas “classes perigosas”. Em boa medida, o conceito da “doutrina de segurança nacional” criado durante a Ditadura Militar continuou vigorando na estrutura de nossos sistemas estaduais e federal de segurança. Até meados da década de 1990, o modelo e as ações de segurança pública limitavam-se à contenção social, a partir do preceito de que “lei e ordem” públicas derivariam no uso da força, das armas e das ações policiais pela exclusiva via da repressão. Em síntese, segurança como “coisa de polícia”.
O autoritarismo, característico desse período, conjugou-se com práticas clientelistas e patrimonialistas - que remontam da formação social e política nacional – na conformação de um sistema público de segurança claramente a serviço de determinadas classes sociais, com o aval da legalidade dada por parte do Estado. Tal situação perdurou mesmo depois da promulgação da Constituição Federal de 1998.
Percebe-se que nas lacunas deixadas pelas políticas de proteção e promoção da cidadania, coube às corporações policiais, quase que exclusivamente, não só a intervenção, mas também a interpretação, com discricionariedade, de sua função social e de como tal função deveria ser exercida. A militarização da segurança pública – com uso excessivo da força policial e a lógica do confronto com o inimigo (muitas vezes encarnado na figura dos pobres e negros, em especial nos territórios periféricos e favelas) tem contribuído para a manutenção do alto índice de violência letal no país. 

"Os problemas da segurança pública brasileira são reflexos de um legado político autoritário: uma engenharia político-institucional que conecta os dilemas da violência urbana ao passado da violência rural."

Os impasses institucionais, principalmente aqueles relativos às alterações substantivas não efetuadas nas estruturas organizacionais das agências responsáveis pela execução das políticas de segurança (polícias, sistema prisional, judiciário, etc.), emperraram a possibilidade de mudanças estruturais – que seriam fundamentais para a superação dos velhos paradigmas que sustentam a política de segurança pública brasileira.
O resultado da falta de governança na segurança pública tanto no plano federal quanto nos estados pode ser assim sintetizado: (a) instituições policiais não conseguem superar os modelos tradicionais tanto de policiamento ostensivo, quanto de policia judiciária – o que pode explicar, em parte, os óbices para uma efetiva integração policial; (b) sistema prisional fundado na contenção dos detentos, com poucas condições objetivas de reinserção social dos presos; (c) política de enfrentamento das drogas é insuficiente, desarticulada e não responde à complexidade do tema; (d) Defensorias Públicas com ação limitadíssima pelo escasso número de servidores e alcance de suas ações; (e) baixa eficiência dos mecanismos efetivos e autônomos de controle externo das ações policiais; (f) falta de transparência dos dados de segurança pública; (g) ausência de participação social nos mecanismos de gestão e controle da política de segurança. 

Segurança Cidadã
Sob o ponto de vista conceitual, só muito recentemente tal política passou a ser entendida como direito de cidadania (superando fase anterior que tratava a segurança exclusivamente como política de controle social pelo Estado). A principal modificação foi-se constituindo a partir da assunção do conceito de segurança cidadã, que privilegia o papel da sociedade civil na relação com a política de segurança pública, velando pela observância das garantias fornecidas no âmbito do Estado de Direito e a busca da implantação de novos princípios e valores que fortaleçam a segurança democrática.
Dar novo conceito à segurança significa considerar que o centro da mesma é o cidadão. Entendida como um bem público, a segurança cidadã refere-se a uma ordem cidadã democrática e permite a convivência segura e pacífica.
Não obstante essa alteração na concepção e nas tentativas de implementação de novos paradigmas na política, as mudanças nas agências executoras da segurança pública foram pontuais. As estruturas e a cultura repressiva dessas agências do subsistema de segurança ainda rechaçam todo tipo de reformas. Ou seja, apesar da mudança na política, houve pouca (ou quase nenhuma) transformação nas ações de segurança pública, na ponta. Isso aponta para um delicado paradoxo: como as mudanças nessas agências foram incrementais, apesar das alterações no âmbito da formulação e da implementação da política, os velhos paradigmas sobre os quais foram erigidas as bases do sistema de segurança ainda se refletem, com evidência, nos elevados indicadores de criminalidade, nos desarranjos do sistema de justiça criminal, na desconfiança nas instituições desse sistema e na sensação de medo e insegurança que campeiam nas nossas cidades.


sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Mídia e (de)formação da opinião



“Hoje o clima midiático tem suas formas de envenenamento. As pessoas sabem, percebem, mas infelizmente se acostumam a respirar da rádio e da televisão um ar sujo, que não faz bem. É preciso fazer circular um ar mais limpo. Para mim, os maiores pecados são aqueles que vão na estrada da mentira, e são três: a desinformação, a calúnia e a difamação”. (Papa Francisco).

Uma das "pedras de toque" do bom jornalismo sempre foi – e continua sendo – a busca da imparcialidade, com o máximo de isenção possível na cobertura do cotidiano. Profissionais comprometidos com a ética e a verdade atuam por uma imprensa verdadeiramente cidadã e cumpridora dos ideais democráticos: a defesa da liberdade, da justiça e, principalmente, da verdade dos fatos, doa a quem doer...

À medida que o poderio econômico foi dominando a mídia e alguns ilustres “profissionais da pena” deixaram de ser ícones da verdade (muitos se transformando em prepostos dos patrões; outros, em animadores de auditório - portanto, de atores políticos para marionetes manipuláveis), presenciamos uma incestuosa relação no universo da comunicação de massa: parte do jornalismo subjugado às conveniências do grande capital, conformado com os interesses econômicos dos grandes oligopólios midiáticos, que determinam o que deve ser pautado, como, quando, de qual forma, recorte e viés, assim como o que deve ser publicado (melhor dizendo, publicizado — dado que o jornalismo virou ora  mercadoria, ora produto de entretenimento). Assim, o jornalismo dos grandes veículos de comunicação transforma-se em espetáculo, muitas vezes grotesco, a ser vendido de forma sensacionalista para o deleite do telespectador-consumidor.

As grandes redes de comunicação, as poderosas agências noticiosas, os grandes conglomerados da imprensa determinam o que deve ser divulgado e sob qual ótica os fatos são apresentados à opinião pública. Denunciam veementemente qualquer tipo de censura e, paradoxalmente, aplicam a censura em todos os seus produtos midiáticos. Precisamos, urgentemente, de uma reforma agrária no ar; uma ocupação às capitanias hereditárias dos barões da mídia brasileira.

Há muito se questiona a isenção e a imparcialidade dos meios de comunicação. Por um lado, em virtude das relações imbricadas e promíscuas que envolvem os donos dos veículos (muitos dos quais, editores de suas empresas de comunicação) com setores conservadores e elitistas; por outro, pela fragilidade de parte de seus quadros profissionais, subjugados (e impotentes) frente às determinações patronais. Quem perde com essa situação é a democracia, que deixa de ter na imprensa o contraponto às mazelas sociais e políticas.

Restam esperanças: com a ampliação da internet e das redes sociais múltiplas vozes têm despontado no horizonte monofônico da comunicação brasileira. Que belos ventos!

Tenho acompanhado, com perplexidade e surpresa, a cobertura que a mídia tem dado às denúncias de corrupção que assolam frequentemente nossa República. A imprensa tem desprezado o aprofundamento das informações e demonstrado discricionariedade na cobertura. A guerra do bem  versus  o mal reproduz o velho estilo maniqueísta ( uma forma de pensar simplista em que o mundo é visto como que dividido em dois, reduzindo os fenômenos humanos e sociais a uma relação de causa e efeito, certo e errado, isso ou aquilo; sendo que a simplificação nasce da intolerância ou desconhecimento em relação a verdade do outro e/ou da pressa de entender e refletir sobre a complexidade de tais fenômenos.).  Quase não se fala, por exemplo, sobre os corruptores, os donos do capital por detrás dos políticos corruptos. Por quê? Será que a mídia deseja subjugar a opinião pública à opinião publicada?

Somos bombardeados com um vendaval de informações pontuais, muitas vezes descontextualizadas, passando a (falsa) impressão, por exemplo, de que todos os políticos e partidos são corruptos e desonestos. Ou que um partido é mais corrupto que o outro, ao apresentar somente um lado da informação, escondendo outras facetas de forma deliberada. Essa situação tem provocando um misto de histeria coletiva de caça às bruxas, expressa na raiva, ódio e desilusão em relação aos políticos em geral, e, por outro lado, um imobilismo cívico – a ideia de que este país não tem conserto.

Outro fenômeno que ressurgiu nas últimas eleições foi um misto difuso de ódio e vingança, fazendo da disputa eleitoral uma verdadeira guerra, quando o processo democrático da escolha dos representantes deveria ser tão e somente um embate civilizado e respeitoso de ideias, opiniões e pontos de vista sobre os rumos do país. A quem interessa um país esfacelado?

Frente a tanta (des)informação parece que estamos perdidos; que ninguém é honesto; que não vale a pena lutar pela ética, a verdade, a justiça. 

A mensagem subliminar seria, então, que vale a pena ser desonesto e chafurdar-se nas pequenas corrupções do dia a dia? É essa a mensagem sub-reptícia que nos é passada?

O pior dos mundos é quando os cidadãos não reconhecem na ética, na verdade, na mobilização social e na luta política os caminhos para as mudanças.

Quão limitadas e distorcidas são as opiniões de alguns de nossos principais jornalistas e âncoras que corroboram este cenário da desinformação. Ora, os jornalistas têm todo o direito de dar sua opinião e de expressar suas convicções. O que é incompreensível é a parcialidade de certos julgamentos midiáticos; uma espécie de condenação casuística sem a devida explicação dos argumentos que podem estar permeando os comentários de alguns dos nossos cronistas sociais e políticos, mestres em frases soltas e de efeito, que em lugar de explicar e informar acabam por confundir e desorientar ainda mais os cidadãos.

Como é possível que um mero comentário publicado em redes sociais, com expressões cifradas e sem a devida e responsável contextualização (muitas das vezes visivelmente lastreado no ódio, na inverdade ou na manipulação grosseira de fatos)   dito por "(de)formadores de opinião" mobilize ou bloqueie a agenda social e política; paute  a Justiça; determine a (in)ação do Congresso, sirva para manter por dias e semanas os mais sórdidos sentimentos replicados em doses cavalares em veículos diversos  e por aí afora? 


Ou o circo da notícia invadiu e manipula definitivamente a agenda pública no mundo do big-brother "da vida como ela é" ou nossas instituições republicanas atuam sordidamente motivadas  por alguns de seus porta-vozes agourentos da mídia tradicional. 


Mas não nos iludamos: afinal, de fato, a mídia é a porta-voz do grande deus dos nossos tempos, qual seja, do rentismo que subjuga as nações e corrói as bases das democracias. 

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Sobre eleições, bodes expiatórios e golpistas enrustidos


O filósofo e cientista político esloveno Slavoj Žižek é um grande pensador contemporâneo. Žižek nos ajuda a pensar algo muito importante: a unificação de todos os nossos medos (e/ou discursos do medo) numa (falsa) verdade é o grande objetivo que sempre moveu os ideais dos mais conservadores. Essa estratégia justificou o nazismo (os nazistas tinham horror dos judeus, dos homossexuais...) ou o golpe civil-militar de 1964 (medo do comunismo), por exemplo. 
A soma dos muitos medos (os verdadeiros ou aqueles construídos no imaginário social) é o ambiente propício para se criar um clima de pânico, instalar a desconfiança generalizada, propagandear uma insatisfação irracional, mesmo num ambiente institucionalmente normal e em funcionamento. A partir daí, pode-se construir os pseudo-heróis "salvadores da Pátria", do tipo Joaquim Barbosa (como ocorrera antes com Collor de Mello); justifica-se o injustificável (um terceiro turno eleitoral); elege-se bodes expiatórios lançando-os à fogueira, na condenação midiática (como ocorre em relação ao Partido dos Trabalhadores). 
Mesmo nos regimes ditos democráticos, a construção orquestrada do medo pelos segmentos cujos privilégios são colocados à prova pavimenta possíveis atalhos fáceis para o golpismo.
No Brasil, observamos esse processo: a construção é orquestrada via grande mídia (a eterna representante da Casa Grande). Junta-se e soma-se, propositadamente, num mesmo balaio corrupção  + Mensalão + Petrobrás + divisão do Brasil + bolivarianismo + inflação + comunismo. Enfim, aqueles que seriam os "males nacionais". Alguns desses males, intrínsecos à nossa tradição política patrimonialista e elitista agora são, com malandragem, creditados a um único responsável: o PT. Um partido que, lamentavelmente, diga-se de passagem, cedeu em boa medida ao canto da sereia do capital rentista e, como muitos outros partidos aqui e alhures, deixou-se enlamear na corrupção.Mas há uma diferença substantiva: o PT não tem o beneplácito da mídia e do Poder Judiciário que são os dois braços mais poderosos do establishment neoliberal na contemporaneidade. 
 A lógica no processo de criminalização do PT é simples: acopla no partido tudo que é perverso (como se fosse a encarnação do mal) e transforma, no imaginário coletivo, a agremiação num bode expiatório a ser extirpado, livrando todos os demais atores políticos corruptos e corruptores do juízo popular (e do juízo final, por extensão). 
Trata-se do resultado de uma excelente estratégia discursiva para unificar todos os "nossos medos". Tal estratégia já fora utilizada com muita perspicácia por Goebbels, como sabemos. 
Mas, voltemos a Žižek:  a partir da unificação dos medos é fácil acatar como verdade inequívoca o discurso do ódio, da violência, da eliminação a qualquer custo daquele que encarna os males e seus seguidores. No caso em tela, vale, inclusive, apelar ao golpe militar, ao terceiro turno, ao impeachment sem motivação justificável e de base legal (apesar dos pareceres de doutos politiqueiros travestidos de juristas).
Toda essa situação não pode ser desassociada do rescaldo odioso que ainda vigora no país depois das eleições, e não tem, efetivamente, nenhuma relação com a discussão do tema da divisão do país. Afinal, qualquer observador mais atento, percebe que são muitos os brasis. A diversidade e a diferença que pululam em todos os cantos desse país explicitam as riquezas social, cultural, étnica, política do Brasil, antes ocultadas pela arrogância dos separatistas do sul-maravilha. Pena que essa parcela de míopes brasileiros não percebe as várias e múltiplas facetas que caracterizam a riqueza cultural dessas plagas, desde seu nascedouro.
Neste contexto de tentativa de golpe, o papel das oposições é crucial. Pena que as oposições até hoje não apresentaram um programa, ou seja, um projeto para o Brasil. Uma pergunta óbvia: cadê o projeto para o Brasil das oposições? Como "santos do pau-oco", de joelhos jurando fidelidade aos princípios democráticos mas, efetivamente, conspirando contra a democracia, PSDB, DEM e aliados agem como baratas tontas. Limitam-se a navegar nas ondas artificiais criadas não por um segmento de oposição política ao governo (o que seria muito legítimo e desejável), mas por um grupo com intenções pouco confessáveis: o partido da grande mídia. 
É lamentável que em relação ao PSDB, partido que nasceu para consolidar a socialdemocracia, verifiquemos uma guinada que o aproxima dos golpistas (que são os mesmos de sempre). Não à toa, suas lideranças midiáticas deixam transparecer claramente o pouco apreço às regras do jogo democrático. Pergunta-se, então,  aos tucanos: representarão a direita, inclusive a direita antidemocrática? Continuarão em cima do muro in aeternum? Ou assumirão a postura coerente e propositiva de oposição ao governo eleito, a partir do respeito às regras do jogo e na defesa de um projeto político claro e transparente para o país?
Que os insatisfeitos com os resultados das eleições e com o PT busquem, pelas vias democráticas, portanto, pelas vias eleitorais, as mudanças que julgam necessárias. (Tais mudanças seriam ainda mais legítimas se nossas eleições não fossem tão contaminadas pela precedência abissal do poder econômico em detrimento do voto do cidadão. Mas, aqui é assunto para outro post).
Outro problema político vergonhoso, camuflado nesse cenário, é a intolerância, o racismo, o preconceito – principalmente de matriz socioeconômica -, o fascismo disfarçado de nacionalismo. Esses "demônios" saíram do armário (porque lá sempre estiveram) e seus adeptos (que comportam como massa acéfala) querem se impor, afrontando a democracia.
Infelizmente, alguns privilegiados de ontem não aceitam uma sociedade que tenta construir a igualdade de fato, para além da igualdade de direito. Querem se manter como diferentes, ostentando velhos privilégios da Casa Grande. Por isso, preferem Miami. Não conhecem a história, porque a conquista de direitos, mesmo lenta e gradual, é irreversível em qualquer sociedade minimamente democrática e plural.
A igualdade de direitos faz parte do processo de consolidação da cidadania e é fundamento da democracia. Não há democracia numa sociedade estamental, como era o Brasil até bem pouco tempo. 

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Violência e criminalidade: a culpa é do PT?




Uma ampla pesquisa que fiz, ao longo de quatro anos, sobre a política nacional de segurança pública comprovou que todos os governos democráticos pós regime ditatorial (do PMDB, do PSDB, do PT...) foram incapazes de promover reformas estruturais na política de segurança pública. 

Soma-se a isso o fato de o Congresso Nacional (que poderia e deveria promover mudanças substantivas, via legislação) tende a responder com leis oportunistas e draconianas para os problemas da segurança. Os deputados e senadores, geralmente, preferem o atalho das respostas que atendem aos clamores populares de recrudescimento penal, como lenitivo para todos os males da segurança. 

Quanto ao  Judiciário, trata-se de um poder conservador, elitista, patrimonialista e totalmente reticente a políticas que democratizem o campo da segurança. Os promotores e juízes criminais, sem generalizar, mas em boa medida, são oriundos das elites que, também de modo geral, vêem na pobreza as causas da criminalidade.

Em boa medida, o nosso sistema de justiça criminal, incluindo obviamente os órgãos judiciários, montado na lógica da "Casa Grande versus Senzala", continua a reproduzir a lógica da persecução criminal dos pobres, dos negros, entre outros segmentos vulneráveis.

É imperioso dizer ainda que, conforme já constatado em pesquisas com policiais feitas nos últimos anos (veja nota de rodapé), enquanto a cúpula das duas polícias (PM e PC) são contrárias a mudanças substantivas (porque são segmentos privilegiados dentro dessas instituições, no modelo atual), as bases das duas corporações já perceberam que o modelo dual e "esquizofrênico' do ciclo policial no nosso país é ineficiente e ineficaz. Portanto, em alguma medida as instituições policiais, ou pelo menos aqueles grupos que respondem oficialmente por tais instituições (como as organizações em geral), são conservadoras e reticentes a mudanças estruturais na segurança pública, não obstante a situação caótica que presenciamos (aumento exponencial dos crimes; baixíssima credibilidade das instituições do sistema de justiça criminal; sistema prisional superlotado, produtor e reprodutor do crime; sensação de medo e insegurança campeando em todo o Brasil, etc.).

Registremos, ainda, que a sociedade se cala convenientemente (ou no mínimo é omissa) desde que a barbárie de um sistema seletivo e discricionário de segurança pública seja direcionada ao OUTRO (pobre, negro, morador de rua, usuário de drogas, etc.) . Ou seja, a sociedade (que apesar de ser rotulada como cristã) tem sua referência moral  na vingança e no ódio. Pautada pela mídia conservadora e policialesca, cada um de nós tem, também,  sua parcela de responsabilidade na situação.

Portanto, o problema, para além das questões corporativas envolvendo as polícias é, também, e fundamentalmente, de ordem política.

Porém,  não nos deixemos manipular pela visão míope,  seletivamente divulgada nos últimos tempos, que elege o PT como bode expiatório de todos os males nacionais, livrando das responsabilidade os demais atores políticos e públicos (tão responsáveis quando o PT pelo caos instalado na segurança pública). Esse tipo de reducionismo, de simplificação perversa e grosseira, de caça às bruxas, somente corrobora a inércia de todos os responsáveis por democratizar a política nacional de segurança pública (porque não o fazem), mantendo tudo como está, não obstante a guerra não declarada que dizima a cada ano quase 60 mil brasileiros.

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(*) Vejam, por exemplo, a pesquisa "O que pensam os profissionais da segurança pública no Brasil", que  "trás a opinião de quase 65.000 profissionais – policiais militares e civis, guardas municipais, bombeiros militares e agentes penitenciários – sobre qual o modelo ideal de polícia para o Brasil, a hierarquia e a disciplina em seu ambiente de trabalho, a importância do controle externo e accountability, a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário e as situações de vitimização a que estão cotidianamente submetidos. Acesse a pesquisa AQUI >>>>.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

A INSEGURANÇA PÚBLICA, A OMISSÃO E CONIVÊNCIA DE NOSSOS GOVERNANTES E O SILÊNCIO CÍNICO DA SOCIEDADE


A segurança pública no Brasil está caquética porque os governos democráticos (Executivo e Legislativo nos planos nacional e estaduais; civis; eleitos pós 1988) não tiveram e não têm coragem de enfrentar suas mazelas. 

Como apontei em minha pesquisa de doutorado, são, cinicamente, coniventes e responsáveis pela onda de barbárie e arbitrariedade que dizima a vida de milhares de cidadãos a cada ano, pela insegurança e medo generalizados... Não tratam a segurança como política pública e mantém a visão ultrapassada segundo a qual segurança pública se resolve, somente, com repressão policial seletiva (para os pobres, os negros...). O resultado, além dos milhares de mortos, de um sistema prisional caótico, da crescente onda de ódio entre as pessoas (com linchamentos públicos), do clima de medo é que cada vez o cidadão acredita menos nas instituições desarticuladas e ineficientes do sistema de justiça criminal. 

Somente 30% dos brasileiros acreditam na justiça e nas polícias. Como essas instituições terão legitimidade para reverter o quadro, ainda mais quando parte de seus quadros age ao arrepio da lei?

Não adianta apontar o dedo somente para os policiais (que também têm suas responsabilidades, assim como a sociedade que se cala convenientemente desde que a barbárie seja direcionada ao OUTRO). Como diz MariaFrô, "revolta e causa indignação um governador eleito pelo PT endossar sem investigação a ação da polícia, historicamente autoritária e não raro agindo fora da lei." 


A fala lamentável de Rui Costa e o genocídio negro institucionalizado 

Por: Maria Frô 

Revolta e causa indignação um governador eleito pelo PT endossar sem investigação a ação da polícia, historicamente autoritária e não raro agindo fora da lei. 
O uso de metáfora futebolística de modo tão inapropriado só aumenta a gravidade de como está sendo conduzida a ação do governo baiano diante da chacina de 12 jovens negros no Cabula: 

Segundo Rui Costa é preciso, em poucos segundos, “ter a frieza e a calma necessárias para tomar a decisão certa”. “É como um artilheiro em frente ao gol que tenta decidir, em alguns segundos, como é que ele vai botar a bola dentro do gol, pra fazer o gol”, comparou. “Depois que a jogada termina, se foi um golaço, todos os torcedores da arquibancada irão bater palmas e a cena vai ser repetida várias vezes na televisão. Se o gol for perdido, o artilheiro vai ser condenado, porque se tivesse chutado daquele jeito ou jogado daquele outro, a bola teria entrado”, continuou.

A matança da população jovem, do sexo masculino e da cor negra no país é algo tão naturalizada que não indigna e nem comove a população brasileira. Ao contrário, possíveis vítimas nas favelas, morros e periferias dos grandes centros vivem legitimando tais ações e pedindo ‘pena de morte’ para os ‘bandidos’. Como se a pena de morte pra este grupo populacional já não existisse. 
Vários programas em todos os canais televisivos expõem corpos negros cravados de bala, mutilados, ovacionam ações ilegais da polícia, repetem várias vezes cenas de tortura, linchamentos na hora do almoço e jantar. 

Âncoras de telejornais louvam pitboys brancos, de classe média, justiceiros que amarram e espancam adolescentes negros em postes. Ao serem questionados de usar uma concessão pública para estimularem o crime, desqualificam a luta pelos direitos humanos e debochadamente anunciam: “Está com dó? Leva pra casa”. E quando se descobre que os jovens de classe média justiceiros traficavam drogas não há nenhum comentário de retratação no horário nobre ou qualquer tratamento desumanizador diante do caso já que os bandidos em questão são brancos e de classe média.

70% dos jovens assassinados no Brasil, ano após ano, são da cor negra. Isso tem de significar algo, mas não significa. A mentalidade escravagista, que desumanizou a pessoa negra no Brasil continua firme e forte. É o que faz um governador, eleito pelo PT, fazer um dos discursos mais lamentáveis da história.

Enquanto isso, a polícia que aplaude ruidosamente o governador é acusada de assassinar 12 pessoas que já estavam rendidas.