segunda-feira, 20 de abril de 2015

Pela democracia; contra o golpismo

         Não sou filiado ao PT, nem tenho procuração para defendê-lo. Mas, sou cidadão e democrata e, como tal, tenho direitos e deveres: longe do comodismo político, não posso me acovardar ou omitir, lavando as mãos, frente às tentativas de golpe engendradas desde o término das eleições presidenciais.

         A democracia tem regras. A regra do jogo eleitoral é clara: quem ganha e governa é aquele que vence o pleito e, considerado apto, é diplomado pela justiça eleitoral e empoçado segundo os trâmites legais. O perdedor, ao invés de articular jogo rasteiro e desleal, deve se preparar para o novo embate, na ocasião correta, apresentando aos cidadãos-eleitores um plano de governo. Aqueles que desejam ganhar por W.O são golpistas, antidemocráticos ou as duas coisas. Quem é democrata respeita tais regras da democracia e ponto final.

         O principal líder da oposição no momento, o senador Aécio Neves, parece que embarcou de vez na onda antidemocrática e golpista. Deseja, a qualquer custo, apear a presidenta Dilma do poder.  A cada dia, embalado por novo escândalo (criado, muitas vezes artificialmente pelos grandes oligopólios midiáticos - que se posicionam com teses golpistas há algum tempo), usa argumentos tortuosos para defender a quebra da ordem democrática. Como novo Lacerda, Aécio alia-se ao que há de mais conservador e obtuso na sua sanha diuturna em prol do golpe. Muitos dirão que ele ouve as vozes da rua. Francamente: as manifestações dos dias 15 de abril e 12 de maio, apesar de legítimas, estão longe de representarem o interesse nacional. Abundam várias pesquisas a demonstrarem que parte significativa de seus organizadores e participantes representam estratos sociais muitos específicos da sociedade brasileira e parte dos manifestantes empunham bandeiras antidemocráticas sem nenhum pudor. Se Aécio quer aliar-se a esses grupos radicais, que aguente depois as consequências.

Francamente: as manifestações dos dias 15 de abril e 12 de maio, apesar de legítimas, estão longe de representarem o interesse nacional. 

         A América Latina presenciou em passado recente dois golpes orquestrados e engendrados pelo tripé mídia, judiciário e parlamento. Tanto em Honduras quanto no Paraguai, a derrocada de um presidente constitucional ocorreu através de processo sumário e operado pela via das instituições: para vários analistas, esse modelo só foi possível porque havia uma crise de poder que surgiu no lapso de uma agenda política incompleta; ou seja, a conquista do governo por setores progressistas não se fez acompanhar por uma maioria parlamentar de esquerda, por reformas no sistema judiciário e pelo enfrentamento dos oligopólios midiáticos (nacionais e internacionais). Ancoradas nas classes conservadoras desses países (que são historicamente acostumadas com privilégios e reticentes à igualdade de direitos), essas três instituições programaram e executaram o golpe sem reação autóctone e da comunidade internacional. Essas mesmas três condições estão presentes na atual realidade sociopolítica brasileira, com algumas poucas diferenças.

É preciso ter claro, porém, que está em curso uma operação de desconstrução do regime, com alvos claros e definidos, tendo como mote o combate à corrupção.

Por outro lado, o mote do combate à corrupção transformou-se na mais desavergonhada forma de embate político: como combater a corrupção com discurso vazio e com um jogo de empurra-empurra a apontar quem é o mais corrupto? Corrupção na máquina pública se combate com mecanismos eficientes de controle e transparência. E isso tem sido implementado no Brasil, nos últimos tempos. Por sua vez, a corrupção político-eleitoral se combate com uma reforma política substantiva, eliminando, por exemplo, o financiamento empresarial das campanhas. O resto é cortina de fumaça. 

Os empresários e mídia gostam de falar de impostômetro? Vamos falar também de sonegômetro?

Vejamos: fala-se muito na operação Lava-Jato. Por que se noticia tão pouco acerca da operação Zelote? A Tax Justice Network, organismo com sede em Londres, garante que, somente em 2010, a evasão fiscal teria roubado R$ 490 bilhões dos cofres da Receita Federal brasileira. Esse organismo internacional informa, ainda, que em 2012 os ricaços brasileiros guardavam mais de R$ 1 trilhão em paraísos fiscais. Uma coisa não justifica a outra. Mas, os graúdos Miami-tupiniquins têm moral para apontarem o dedo para o outro, como vimos em cartazes no dia 12 de abril afirmando que "sonegação não é corrupção"? Toda corrupção deve ser combatida. Mas, convenhamos, o discurso da direita conservadora sobre corrupção chega à beira da demência.

Os empresários e mídia gostam de falar de impostômetro? Vamos falar também de sonegômetro?

Além da crise política, uma crise de governança
         Há certo consenso que atribui ao estilo personalista de Dilma Rousseff parte da crise de governança atual. A presidenta, que foi assunta ao cargo por ser uma técnica e com dificuldades pessoais no exercício da articulação política, cometeu vários equívocos. O maior deles foi subestimar o PMDB, tentando enquadrá-lo num momento no qual seus principais líderes no Congresso nunca foram tão afinados e ardilosos.

Mas, apesar desse erro estratégico, não temos uma presidenta formalmente incapaz do exercício da função, como ocorreu no passado quando tivemos uma regência trina. Ao contrário, Dilma Rousseff foi eleita cumprindo todos os requisitos e dispositivos constitucionais. Mas, o fato é que os embates da presidenta com seu principal aliado político criou as condições para a formação de uma regência trina (ou um triunvirato), a fragilizar ainda mais o governo.

Somando-se muitas vezes à oposição - que não aceita a derrota eleitoral -, o triunvirato vira e mexe chantageia o governo e, para o deleite midiático, peita a presidenta querendo, mais recentemente, atingir também o ex-presidente Lula.

Com os auspícios da justiça (que teima em enxergar a corrupção somente numa agremiação política), noutro round pouco antidemocrático há nova orquestração pleiteando extinguir um partido legítimo a qualquer custo. Aqui há outra questão fundamental nadefesa da democracia: os democratas anseiam pelo fortalecimento dos partidos; os antidemocratas, pela sua fragilização.

(...) os democratas anseiam pelo fortalecimento dos partidos; os antidemocratas, pela sua fragilização.

Sejamos francos: uma oposição que, preguiçosa, não apresenta um plano de governo; que é pautada pela mídia; que vive conspirando golpes e que não consegue negociar com o governo é uma oposição golpista.

Ainda sobre o triunvirato
O PMDB prestou relevantes serviços à democracia em tempos pretéritos. Mas, desde a composição do chamado presidencialismo de coalização, nos tempos de FHC, tem se destacado ora como importante aliado de reformas, ora como agremiação chantagista e, em alguns momentos, como partido usurpador do poder. Agora, parece pretender voos mais altos, neste segundo governo Dilma. Formalmente, parece não concordar, nesse momento, com o impeachment, porque não interessa ao triunvirato tão poderoso sair da cena política.

Hoje, o triunvirato peemedebista (que no plano da governança é formado por Eduardo Cunha, Renan Calheiros e Michel Temer), suplantam o poder do Parlamento e querem dar as cartas no Executivo. A regência trina está ancorada num Congresso conservador (sendo que na Câmara o baixo clero encontrou em Cunha seu líder-nato e no Senado as artimanhas de Renan agradam gregos e troianos). Assim, não restou a Dilma Rousseff outra saída que não nomear o vice-presidente peemedebista como seu articulador político. O que isso significa? A presidenta (mesmo resistindo às inúmeras tentativas de retrocessos patrocinadas pelo Congresso) para não romper de vez com os movimentos sociais e os militantes de esquerda que ainda defendem o governo terá que negociar (neste caso, na velha base do “é dando que se recebe”) com os membros da regência trina cada votação no Parlamento, aumentando o “sangramento” do governo para o deleite do senador Aloysio Nunes, do PSDB.

Não esqueçamos ainda de nominar os muitos sinais que apontam para o capital rentista como o mantenedor do esquemão golpista. Portanto, não faltarão recursos financeiros e apoio midiático a motivarem os segmentos mais retrógrados da classe média na pressão junto ao Congresso e ao Judiciário. Como disse um líder oposicionista, mais cedo ou mais tarde encontrarão ou forjarão um “fiat elba” para tentar incriminar Dilma.

E o golpe dentro do golpe?
A guinada de Aécio às teses golpistas aponta para outro golpe. É de conhecimento geral que os tucanos paulistas não toleram o neto de Tancredo. Um pouco por bairrismo; outro tanto porque sabem das fragilidades de Aécio no exercício do poder.

Se a sanha golpista de Aécio não decolar (e nisso apostam os tucanos paulistas), está sacramentada a dupla derrota do senador mineiro-carioca. Neste sentido, há novo golpe dentro do golpe; ou seja, quem será apeado das pretensões palacianas, pelos próprios correligionários, será aquele que atenta contra a democracia. Vejam que os principais líderes do tucanato paulista (FHC, Serra e Alckmin) se distanciam do discurso aecista. Não necessariamente pelo amor à democracia. Mas, substantivamente porque sabem que o jogo de Aécio poderá enterrá-lo de vez no panteão daqueles que propugnam contra a democracia.

Neste sentido, há novo golpe dentro do golpe; ou seja, quem será apeado das pretensões palacianas, pelos próprios correligionários, será aquele que atenta contra a democracia. 

         Assim sendo, ao embarcar nas teses golpistas, restou a Aécio o único e tortuoso caminho à la Capriles: aliar-se aos setores mais conservadores e retrógrados da sociedade, à mídia golpista, ao rentismo internacional e antinacional e torcer para que o Congresso conservador e o judiciário seletivo iniciem, mais cedo ou mais tarde, o processo do impeachment.


         É contra esse engenho que não podemos nos calar e omitir.