sábado, 5 de novembro de 2016

Movimentos sociais do Brasil e do mundo encontram-se com o Papa Francisco

Lideranças brasileiras participam, nesses dias, do Encontro dos Movimentos Sociais em diálogo com o Papa Francisco. Muito simbólico o fato de o encontro ocorrer um ano depois da tragédia anunciada da Samarco/Vale/BHP, em Mariana (MG).


Cerca de 150 representantes de movimentos e organizações sociais de todo o mundo se reúnem esta semana na Cidade do Vaticano para o III Encontro Mundial dos Movimentos Populares em diálogo com o Papa Francisco. Ao final do evento, que começou nessa quarta-feira (2) e vai até o dia 5 de novembro, haverá uma audiência com o Papa Francisco. Dentre as delegações de 65 países, cinco entidades brasileiras — o Conselho de Entidades Negras (Conem), a Central dos Movimentos Populares (CMP), o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e a União Nacional Por Moradia Popular (UNMP) — representam o país no encontro. Importantes nomes de ativistas pela Justiça Social como o ex-presidente uruguaio José Mujica e o religioso italiano Luigi Ciotti, fundador do movimento anti-máfia Libera, também confirmaram presença no evento.



Segundo Beatriz Cerqueira, da CUT, foi aprovada ontem uma moção de apoio e solidariedade ao MST e de denúncia da ruptura democrática e criminalização das lutas sociais no Brasil. O documento será entregue ao Papa hoje.


A comitiva brasileira entregará ao Papa Francisco a carta aprovada em Mariana, no encontro preparatório, ocorrido entre os dias 1º e 4 de junho, passado.

Confira abaixo a íntegra do documento:


Nós, Movimentos Populares e Pastorais Sociais reunidos em Mariana, Minas Gerais, em resposta ao chamando do Papa Francisco para o diálogo com os que lutam por “terra, teto e trabalho”, aqui viemos nos solidarizar com as famílias atingidas pelo maior crime socioambiental provocado em 2015 pela mineração no Brasil e alimentar nossa esperança na construção de outro mundo possível.
Povos indígenas, quilombolas, pescadores, comunidades tradicionais, trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, agentes das pastorais sociais compartilhamos nossas experiências de lutas, dificuldades numa sociedade tão desigual. Debatemos a opressão das forças do capital, a fragmentação e criminalização dos movimentos sociais e as violências contra os pobres, negros, mulheres, jovens e LGBTs. Aprofundamos nossa reflexão e partilha das formas de resistência e luta, para enfrentar esses desafios. 
Clamamos junto com a Mãe-Terra, que o uso intensivo de agrotóxicos provoca a morte de nossos povos e rios. Denunciamos que a concentração da propriedade e o estímulo ao agronegócio geram conflitos e violências no campo e na cidade, por isso se tornam urgentes e necessárias a Reforma Urbana e a Reforma Agrária.
Queremos o fim da especulação imobiliária. Apesar dos avanços na política de moradia popular, a carência por moradia cresce a cada ano. O avanço do capital nos territórios, com estímulo ao extrativismo mineral, deixa um rastro de destruição ambiental, do qual o crime na Bacia do Rio Doce, provocado pela Vale e BHP Billiton, por meio da Samarco, com a conivência do  Estado, é um dos exemplos mais terríveis.
Neste momento de trevas no país, o encontro brasileiro surge com uma luz. Nos últimos anos, o modelo de desenvolvimentos adotado foi favorecido pelo contexto internacional, possibilitou avanços e garantias de direitos sociais, mas muito lucro para o capital.  Com a crise do capitalismo mundial iniciada em 2008, este modelo se esgotou. As forças do capital querem garantir seus interesses, mas nosso povo vem resistindo. Tomaram o governo federal por meio de um golpe, com apoio do Congresso Nacional e do Judiciário brasileiro, impondo o modelo neoliberal derrotado por quatro vezes nas urnas.
Dizemos não às privatizações propostas pelo governo interino e golpista, não ao desemprego e à terceirização que ameaçam diretos dos trabalhadores e trabalhadoras. No Brasil, a democracia sempre foi resultado da organização e da luta do povo. Uma vez mais é preciso fortalecer a aliança das classes populares. Mais do que isto, estamos desafiados a construir um novo projeto para o país. Projeto que além de garantir terra, teto e trabalho para todos e todas, com justiça social, esteja em sintonia com a Mãe-Terra.
Nós em diálogo com o Papa Francisco, reafirmamos o que está na Encíclica Laudato Si’: “Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental. A solução requer uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza.”
Quem não luta, está morto! Quem luta, educa.
Com nossa fé revolucionária, fortalecemos nossa esperança na caminhada e a certeza na chegada. É preciso lutar para derrotar o golpe no Brasil, por isso nos comprometemos a ampliar as mobilizações, fortalecendo e diversificando os trabalhos de base, o diálogo entre os movimentos e ocupando as ruas. A luta imediata deve ser fermento no processo de construção de um projeto popular de país.
Encerramos o encontro no subdistrito de Paracatu de Baixo, com nossos pés na terra devastada pela ganância do capital, e em diálogo com os atingidos reforçamos nossa solidariedade e compromisso com a luta pela justiça, reparação e empoderamento do povo da Bacia do Rio Doce.
Após estarmos reunidos em Roma (2014), na Bolívia (em 2015), queremos convidá-lo a promover em terras brasileiras o 3º Encontro Mundial dos Movimentos Populares em Diálogo com o Papa Francisco, em outubro de 2017, em Minas Gerais. O convite é para manter viva a memória e o nosso compromisso de “cuidar bem da nossa Mãe-Terra, como Casa Comum de todos.
Ao som dos sinos de Mariana, ecoando a dor dos Atingidos e atingidas, clamamos por Justiça!
 Mariana, Minas Gerais , Brasil,  4 de junho de 2016.