quarta-feira, 27 de abril de 2016

Dando nomes aos bois: os atores que movem o impeachment

Fundamentalmente, duas grandes coalizões tocam o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. A primeira é uma coalizão político-parlamentar. Aécio, Cunha e Temer são seus principais líderes. Aécio e Cunha não ganharam as eleições, mas querem governar. Cunha dispensa comentários. Às favas as regras do jogo democrático.

No parlamento, a bancada BBB (Boi, Bala e Bíblia) é o instrumento dessa coalizão para efetivar o golpe. Conforme informou a Agência Pública de Jornalismo, 

em ordem decrescente, votaram pelo impeachment as bancadas da bala (88,24%), empresarial (85,32%), evangélica (83,85%), ruralista (82,93%), da mineração (79,12%) e dos parentes (74,49%), formada por deputados com familiares na política. Nesses grupos, o porcentual de apoio ao impedimento foi superior ao valor registrado na votação de domingo, que resultou em 71,54% das manifestações pelo impeachment se considerados todos os deputados, com 367 votos – o que fez com que o processo seguisse para o Senado Federal. A bancada da bola ficou bem próxima desse patamar, uma vez que 71,43% dos seus integrantes votaram “sim”.

Não vou ficar citando, aqui, nomes de sub-celebridades que compõem a bancada BBB. Basta uma pesquisa na Internet e todos saberão...

Importante, aqui, um comentário sobre o papel do PMDB nesse imbróglio: entre os vários erros do PT, na sua empreitada no e pelo poder, um deles foi acomodar-se e acovardar-se nessa engrenagem perversa à brasileira (o "é dando que se recebe tupiniquim") conhecida como “presidencialismo de coalizão” e fiar-se, como donzela, no partido mais fisiológico do país, que até mesmo no processo da decantada redemocratização negociou cada centímetro para acomodar suas raposas e, em todas as ocasiões possíveis, usurpar do poder: inclusive, emplacando presidentes pelas vias indiretas como quer, mais uma vez, o vice Michel Temer. Porém, os significados da traição peemedebista na votação do impeachment e na postura repugnante de Temer ganham um contorno ainda mais emblemático (e simbólico) por se tratar de uma agremiação que usufruiu do poder ao seu bel-prazer durante os últimos 14 anos e, quando chamado à responsabilidade pelos erros do governo (no qual mamou até a última "gota de leite"), traiu vergonhosamente uma mulher honesta e com as mãos limpas. 

Como é de conhecimento nacional, boa parte da turma do PMDB que apoiou o governo (e o PT sempre soube disso) tem rabo preso (não obstante as vistas grossas do sistema de justiça da casa grande): muitos, atolados na lama da corrupção até o pescoço há décadas; outros, que gerenciaram a corrupção durante os anos do governo petista em seus postos-chave nas estatais, agências públicas e ministérios; outros tantos, que se beneficiaram direta e indiretamente do governo para se favorecerem de formas variadas em seus estados, municípios, além do plano federal, etc. etc... Salvo exceções (e elas existem) trata-se de uma agremiação usurpadora, por natureza. Está no seu DNA. Explico: quando o antigo MDB (das lutas democráticas e populares contra a ditadura) começou a acomodar os espertalhões de todas as extirpes e dos variados recantos nacionais no processo de redemocratização transformando-se em PMDB, nascia o partido mais fisiológico e oportunista da nação. Dos emedebistas históricos restam poucos; daqueles que honram a bandeira original do partido, são raríssimos.

A outra coalizão pode ser denominada de midiática-jurídica-empresarial-elitista. Congrega os poderosos grupos de mídia nacionais (liderados pela Globo, Abril e Folha); uma juristocracia (incrustrada em vários segmentos da advocacia, dos Ministérios Públicos de estados e da União e na magistratura, liderada por Janot e Moro, com a anuência do STF); o segmento empresarial cuja mentalidade nos remete a um capitalismo colonial, antinacional e extrativista (liderado pela Fiesp, na figura de Skaf) e grupos elitistas, principalmente alguns segmentos da classe média (historicamente acostumados com privilégios e não com direitos universais, ao invés de usarem seu poderio político de vocalização de demandas e formação da agenda pública para lutar por justiça social e equidade, ou seja, contra a concentração de renda nas mãos de poucos, direcionam um discurso odioso contra os pobres, as políticas de transferência de renda e para aqueles políticos e partidos que representariam tais extratos socioeconômicos).

Essas duas grandes coalizões lideram um processo político, sem fulcro na legalidade e legitimidade, apesar dos contorcionismos que já foram feitos e outros tantos que virão para dar uma pseudoconstitucionalidade ao golpe. Neste sentido, é curioso (e ridículo) o fato de o senador Antônio Anastasia (PSDB), ilustre professor de direito constitucional, ter sido escolhido para relatar o processo, no Senado.

Expliquemos: Dilma está sofrendo um processo de impeachment por praticar “pedaladas fiscais”, porque atrasou o pagamento a bancos públicos - no caso para garantir o Plano Safra (2015), o Minha Casa Minha Vida e o Bolsa Família (2014), sem que tivesse sido registrado nenhum prejuízo para os bancos ou para o Tesouro. Já o relator do impeachment, senador Anastasia (que juntamente com Aécio - que perdeu as eleições e não aceita a derrota-, governaram Minas por longos 12 anos), ambos, quando foram governadores, recorreram várias vezes às “pedaladas fiscais”, tendo, inclusive, sendo feito um Termo de Ajustamento de Conduta (ou Gestão) por não terem conseguido cumprir a aplicação devida dos recursos constitucionais de saúde e educação. As pedaladas de Aécio e Anastasia não envolviam bancos públicos. Mas, eram manipulações grosseiras do orçamento do estado para viabilizarem o malfadado “choque de gestão”. Segundo informou sua assessoria de comunicação, em 25 de junho de 2015, 

o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil pública contra o Estado de Minas Gerais por descumprimento da Emenda Constitucional 29/2000, que fixou a obrigatoriedade de aplicação do percentual mínimo de 12% do orçamento em ações e serviços de saúde pública, como atendimentos de urgência e emergência, investimentos em equipamentos e obras nas unidades de saúde, acesso a medicamentos e implantação de leitos. De acordo com a ação, o governo estadual, por 10 anos, entre 2003 e 2012, descumpriu sistematicamente preceitos legais e constitucionais, “em total e absurda indiferença ao Estado de Direito”, efetuando manobras contábeis para aparentar o cumprimento da EC 29.

Lembremos, por fim, que pedaladas fiscais foram cometidas pelos presidentes anteriores e que dezesseis governadores de estado, atualmente, praticam esses malabarismos para fecharem anualmente as contas do executivo.

Portanto, no Brasil, continua em vigor o ditado: o pau que dá em Chico, NÃO dá em Francisco.

Se existisse ética na política, o senador Anastasia deveria se julgar impedido de relatar o processo. Mas, na luta política atual, às favas, também, ética.


(Publicação simultânea nos portais Dom Total e Brasil 247)