segunda-feira, 28 de março de 2016

Da Agência Brasil: Para intelectuais estrangeiros, democracia brasileira está ameaçada

Manifesto já tem mais de mil adesões

Por Felipe Pontes - Da Agência Brasil
Um manifesto online, assinado por 51 acadêmicos especializados em estudos sobre o Brasil em universidades estrangeiras, diz que a democracia brasileira encontra-se “seriamente ameaçada” pelo atual clima político. O documento, que convoca intelectuais estrangeiros a aderirem ao texto, já recebeu mais de mil subscrições até a manhã desta segunda (28), desde que foi lançado, há quatro dias.
Idealizado pelo historiador James Green, da Universidade Brown, em Rhode Island, nos Estados Unidos, e o sociólogo brasileiro Renan Quinalha, pesquisador convidado na Brown, o manifesto reconhece a legitimidade e a necessidade do combate à corrupção por meio de inquéritos como os da Operação Lava Jato, mas acusa o que seriam abusos na condução da investigação e afirma que “setores do judiciário, com o apoio de interesses da grande imprensa, têm se tornado protagonistas em prejudicar o Estado de Direito”.
“Tomamos a iniciativa de organizar esse abaixo-assinado por conta da grave situação política que o Brasil atravessa hoje. Recebemos uma chamada de acadêmicos brasileiros pedindo solidariedade na defesa da democracia e atendemos prontamente a esse chamado”, disse Green, por email, à Agência Brasil. “Nossa intenção foi somar a comunidade acadêmica internacional às diversas iniciativas que estão se proliferando pelo Brasil.”

Green é autor dos livros Além do Carnaval – A Homossexualidade Masculina no Brasil do Séc. XX (Unesp, 2000) e Apesar de Vocês – Oposição à Ditadura Brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985(Companhia das Letras, 2009), que analisa as relações Brasil-EUA no período e conta a história de pessoas que combateram o regime militar brasileiro a partir do país norte-americano.
O texto é assinado, entre outros, por brasilianistas como Barbara Weinstein (New York University), autora de diversos livros sobre o Brasil pós-colonial; Elizabeth Leeds (Massachussets Institute of Technology – MIT), que é também cofundadora e presidente de honra do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; e Jean Hébrard, professor na Ecóle de Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. Assinam ainda intelectuais brasileiros que no momento atuam fora do país, como o especialista em literatura brasileira Pedro Meira Monteiro, que leciona na Universidade Princeton, em Nova Jersey, nos Estados Unidos, e o historiador Sidney Chalhoub, professor convidado na Universidade Harvard, em Massachussets (EUA).
Impeachment
No manifesto, os acadêmicos enxergam um sério risco de que a retórica contra a corrupção esteja sendo usada para desestabilizar um governo democraticamente eleito, citando que o mesmo expediente fora utilizado antes da queda do ex-presidente João Goulart (1964), dando espaço à ditadura militar subsequente. À Agência Brasil, Barbara Weinstein criticou o processo de impeachment em curso no Congresso.  
“Caso surjam evidências de algo mais sério do que 'contabilidade criativa', ou se você puder encontrar uma maioria de dois terços da Câmara dos Deputados que se acredite nunca ter cometido qualquer ato que possa ser descrito como 'corrupto' ou 'desonesto', então talvez eu possa considerar legítimo que eles decidam se Dilma permanece no cargo ou é impedida”, disse Weinstein. “Acho muito improvável.”
Para Chalhoub, um dos historiadores brasileiros de maior projeção internacional, “o processo de impeachment tem bases muito frágeis, como já mostraram vários juristas. E está sendo conduzido por parlamentares sobre os quais pesam acusações de gravidade ímpar. Destituir uma presidenta desse modo fragiliza a democracia, é um golpe contra ela, traduz apenas o inconformismo dos derrotados nas eleições de 2014. Esse é um momento decisivo da democracia brasileira”, disse ele à Agência Brasil.
Dos mais de mil subscritos no abaixo-assinado disponível no site Avaaz, grande parte é composta por acadêmicos do México e da Argentina, mas há intelectuais de países diversos, como África do Sul, Índia, Japão e Turquia.

Leonardo Isaac Yarochewsky: O impeachment da presidente Dilma Roussef é golpe

Por Leonardo Isaac Yarochewsky

Desde o momento em que o Presidente da Câmara dos Deputados recebeu a denúncia de impeachment contra a Presidenta da República Dilma Rousseff instaurou-se na sociedade e, notadamente, no meio jurídico acirrado debate sobre a natureza jurídica do impeachment e sua legalidade no caso. Ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram chamados a se manifestar sobre o impeachment, sua natureza e legalidade. De igual modo vários juristas, também, se manifestaram através de artigos, pareceres e declarações sobre o tema.
Mesmo para aqueles que entendem que a natureza do impeachment é predominantemente política, para se evitar qualquer flerte com o golpismo, o julgamento deve ser guiado pelos princípios fundamentais do direito, hipótese outra representaria afronta ao próprio Estado democrático de direito. Seria, portanto, neste contexto, inimaginável e igualmente absurdo o Parlamento julgar a Presidenta da República por conduta que não esteja prevista em lei (princípio da legalidade) como crime de responsabilidade.
O princípio da legalidade – nullum crimen nulla poena sine lege praevia -  é pedra angular do direito penal. Além de ser um princípio constitucional limitador do poder punitivo estatal – o juiz só poderá julgar de acordo com o que está previsto na lei e nos limites da mesma – trata-se de o princípio político que remonta a separação dos poderes.
Sustenta-se aqui, que o processo de impeachment tem natureza mista: política/jurídica. Segundo a ministra do STF Carmem Lúcia o impeachment tem natureza política e jurídica-penal. Sendo assim, mais do que nunca deve está restrito aos princípios constitucionais, processuais e penais. Portanto, em hipótese alguma poderá a Presidenta da República ser “impichada” sem que seja comprovado, sem qualquer sombra de dúvida, a prática de crime de responsabilidade de acordo com a lei.
Não é despiciendo lembrar que não há uma definição precisa e determinada dos “crimes de responsabilidade” que leve em conta os princípios fundamentais bem como da dogmática penal.
Neste particular, a taxatividade penal como corolário do princípio da legalidade é afrontada. A incriminação vaga e indeterminada de certos fatos, deixa incerta a esfera da licitude, comprometendo a segurança jurídica do cidadão. Na realidade, a incriminação vaga e indeterminada faz com que não haja lei definindo como delituosa certa conduta, pois, ao final, a identificação do fato punível fica ao arbítrio do julgador¹.
Quando a ministra Carmem Lúcia, ministro Dias Toffoli e outros afirmam que o impeachment não é golpe porque está previsto na Constituição da República, é preciso apreender e fazer a leitura correta da afirmação. Não satisfaz neste processo a previsão constitucional para afastar qualquer tentativa golpista. É imperioso que o devido processo legal, contraditório e ampla defesa sejam norteadores da decisão que será tomada pelo Congresso Nacional. No regime presidencialista a insatisfação popular não pode por si só levar ao impeachment do governante máximo do país.
Para o respeitável professor de direito público da UnB Marcelo Neves, “a DCR 1/2015, recebida pelo Presidente da Câmara dos Deputados, é inconsistente e frágil, baseando-se em impressões subjetivas e alegações vagas. Os denunciantes e o receptor da denúncia estão orientados não em argumentos jurídicos seguros e sustentáveis, mas sim em avaliações parciais, de caráter partidário ou espírito de facção. Aproveitam-se de circunstanciais dificuldades políticas da Presidente da República em um momento de grave crise econômica, desconhecendo, estrategicamente, o apoio que ela vem dando ao combate à “corrupção” e a sua luta diuturna para conseguir a aprovação de medidas contra a crise econômica no Congresso Nacional. Denunciantes e receptor afastam-se não apenas da ética da responsabilidade, mas também de qualquer ética do juízo, atuando por impulsos da parcialidade, do partidarismo e da ideologia, em prejuízo do povo brasileiro”.
De igual modo, como já referido, não se pode marginalizar os princípios da legalidade e da taxatividade em matéria penal.
Neste sentido, valioso o parecer cientifico apresentado pelos consagrados professores Juarez Tavares e Geraldo Prado, in verbis: “As pressões pela ‘flexibilização dos mandatos presidenciais’ via ampliação das hipóteses de impeachment, para abranger situações não enquadráveis, taxativamente, no art. 85 da Constituição – ou ainda para alargar o conceito de ‘crime de responsabilidade’ – atentam contra o significado da proteção constitucional ao voto direto, secreto, universal e periódico. É neste sentido que Martinez investe contra o que denomina como “tergiversação jurídica”, que afeta a segurança jurídica do sistema democrático ao permitir o emprego do “juízo político” “como um mecanismo de responsabilidade política, de controle da atuação cotidiana do presidente” e termina por afirmar tratar-se de um recurso inconstitucional. No Brasil a questão ganha contornos mais delicados dado o fenômeno que os cientistas sociais observam, relativamente a ‘atitudes ambivalentes perante a democracia’. “
Continuam os eminentes juristas: “O estudo de caso de emprego abusivo do “juízo político” na América Latina aponta para algumas condutas comuns, em particular, mas não exclusivamente, em processos que chegaram à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em geral o abuso de poder concernente ao impeachment pode ser constatado pela: a) deliberada não aplicação dos critérios dogmáticos de definição dos “crimes de responsabilidade”; b) violação sistemática das garantias do devido processo”.
É necessário atentar que embora caiba ao Congresso Nacional, conforme já dito, processar e julgar a Presidenta da República deve tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado Federal se submeterem aos princípios constitucionais, as leis e as normas pertinentes à matéria. Forçoso ressaltar, ainda, que diante de um Estado de direito - que originariamente apresentava como características básicas: i. submissão ao império da lei; ii. separação harmônica dos poderes; iii. enunciado e garantia dos direitos individuais² - a “voz das ruas” por mais sedutora que seja, principalmente, para parlamentares, não pode em hipótese alguma suplantar o direito e as leis.
Por tudo, o pretendido impeachment da Presidenta da República Dilma Rousseff é golpe. Golpe porque não há crime de responsabilidade; golpe porque a “voz das ruas”  amplificada pela mídia não está acima da lei e nem da “voz das urnas”; golpe porque pretende transformar uma insatisfação momentânea e política em motivos irracionais, políticos e passionais para derrubar a Presidenta eleita com cerca de 55 milhões de votos; golpe porque há um inegável processo de criminalização da Presidenta Dilma, do ex-presidente Lula e do Partido dos Trabalhadores; por fim, é golpe porque não está de acordo com a lei, com o direito e com a justiça.
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¹FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
² SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista, doutor em Ciências Penais e professor de Direito Penal da PUC-Minas.


Fonte: Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2016.