sábado, 23 de setembro de 2017

GOLPE MILITAR: LEMBRAR, RESISTIR E LUTAR


O mesmo general que conspira agora, com o velhaco discurso anticorrupção (direcionado ao atual des-governo), outrora fez o mesmo, atacando a então presidenta Dilma Rousseff. A época, ao ser questionado sobre o impeachment disse: "a mera substituição da presidente da República não trará mudança significativa no 'status quo'". E que "a vantagem da mudança seria o descarte da incompetência, má gestão e corrupção". Ou seja, o general tem um DNA golpista.

Como todos sabem, depois da pregação do golpe pelo general Mourão, numa loja maçônica de Brasília, o comandante do Exército, Eduardo Villas Boas (um líder moderado dentro do Exército), não o desautorizou. Ao contrário, admitiu, em entrevista a Pedro Bial, a possibilidade de uma “intervenção” militar.

Segundo Villas Boas, a Constituição Federal de 1988 garante "que o Exército se destina à defesa da pátria e das instituições. Essa defesa poderá ocorrer por iniciativa de um dos poderes, ou na iminência de um caos. As Forças Armadas têm mandato para fazer", completou.

Mas, afinal, o que é um caos? Quem define o que é caos?

Como escreveu Safatle, "ao que parece, caos seria a situação atual de corrupção generalizada. Só que alguém poderia explicar à população de qual delírio saiu a crença de que as Forças Armadas brasileiras têm alguma moral para prometer redenção moral do país? Que se saiba, quando seus pares tomaram de assalto o Palácio do Planalto, cresceram à sua sombra grandezas morais do quilate de José Sarney, Paulo Maluf, Antonio Carlos Magalhães: todos pilares da ditadura. Enquanto eles estavam a atirar e censurar descontentes, o Brasil foi assolado por casos de corrupção como Capemi, Coroa Brastel, Brasilinvest, Paulipetro, grupo Delfin, projeto Jari, entre vários outros. Isso mesmo em um ambiente marcado pela censura e pela violência arbitrária."

É importante destacar e lembrar que o empreendimento que resultou na ditadura militar só foi possível pela aliança visceral entre as Forças Armadas e poderosos segmentos das elites antidemocráticas e autoritárias desse país (os coronéis do latifúndio; o empresariado de mentalidade escravista; o setor financeiro corruptor; as lideranças religiosas ultraconservadoras e a mídia antidemocrática). São esses mesmos segmentos que, hoje, desejam os tanques nas ruas.

Mas, como é notório, vivemos num caos político e num regime de exceção, travestido de normalidade democrática, depois do golpe de 2016 que levou ao poder um governo de larápios, corruptos e que liquida, desavergonhadamente, o patrimônio nacional.

Ademais, há um caos institucional, dado que, também, o Congresso, totalmente desacreditado, processa profundas reformas constitucionais, sem atribuição para tal. O Judiciário, cambiante, se tornou, por ações, conivências e omissões, parte constitutiva do golpe. E a população tem reprovado, veementemente, os três poderes. Isso é ou não é um caos?

Para alguns segmentos sociais de elite, pode-se fazer impeachment sem crime de responsabilidade e, da mesma forma, uma intervenção militar é plausível e desejável. Por isso, não adianta o Xico Sá dizer que“não entendo essa nostalgia masoquista sob a máscara verde e amarela do patriotismo”. Essa máscara está sendo usada, há muito tempo, por segmentos ultraconservadores da sociedade. É óbvio.

Some-se, a isso, o fato da total capitulação dos três poderes à "nova" direita que articulou o golpe e passou a pautar a opinião pública, em parceria com a mídia-empresarial, impondo uma agenda elitista, antidemocrática e antinacional.

Como se não bastassem tantas desventuras dessa república das bananeiras, pesquisas como a do Latinobarômetro, de 2015, já demonstravam que o Brasil só perde para o México no quesito “satisfação com o funcionamento da democracia”. Ou seja, o brasileiro, em geral, tem um altíssimo desgosto com a democracia. (Apenas 21% dos brasileiros afirmaram que estão satisfeitos com a democracia). Quer algo mais excitante para os desvarios de golpistas de todas as cores e fardas?

Por outro lado, é demasiadamente arriscada a ideia de uma intervenção "saneadora" dos militares. Até mesmo respeitados analistas políticos, como Moniz Bandeira (que tem defendido essa posição, como o argumento segundo o qual "é necessário impedir o desmonte do Estados nacional [e isso] terá de ser pela força") reconhece: "todos sabem como começa, mas não quando termina."

O fato é que a rebelião explícita de generais "tramada nas barbas de um presidente desmoralizado" (Wadih Damous) é resultado dos custos sociais e políticos de um golpe.

Ou seja, depois que a Constituição é rasgada uma vez, nada mais segura a (i)legalidade.

Porém, não custa nada lembrar: saídas autoritárias, propostas por outsiders da política, só aprofundam o caos, a violência estrutural e sem controle e o arbítrio.  

Como escreveu Safatle, aqueles que não se subjugam ao despotismo; que não estão dispostos a abrir mão do pouco de liberdade que ainda nos resta, que não aceitam salvadores da pátria no comando da nação devem exercer seu direito de resistência à todas as formas de tirania.  

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Os ultraconservadores, a onda conservadora e o golpe


Todos sabemos que o golpe de 2016 só foi possível (apesar de inimaginável) porque uma ampla coalização conservadora, antidemocrática, elitista e de mentalidade escravocrata e colonial se rebelou contra a construção de um estado de bem-estar social no Brasil, preconizado na Constituição Federal de 1988 e que avançou com mais intensidade nos governos do PT. 

Não foi somente contra o PT, Lula ou Dilma que se empreendeu o golpe. A cruzada contra esses três atores políticos, assim como o discurso anticorrupção funcionam como uma espécie de amálgama a cimentar um amplo setor elitista e conservador que não aceita a construção de uma nação minimamente justa e igualitária.

Esse setor da sociedade tem algumas castas cujos membros, historicamente, sempre se colocaram como detentores dos destinos da Nação. São guetos herméticos que estão presentes em vários segmentos da classe média, além, óbvio, do grupo dos endinheirados que controla o capital e a política no país.

Se, sob o ponto de vista político esses grupos têm mentalidade conservadora, sob o ponto de vista econômico aliam-se aos interesses internacionais da banca neoliberal; são os ardorosos defensores do estado mínimo que concentra riqueza e renda nas mãos de poucos e exclui da cidadania amplas parcelas da população.

É preciso destacar, logo de início, que nem todo conservador é reacionário e antidemocrático. Há grupos conservadores liberais, democráticos e progressistas.

Porém, o golpe no Brasil é o resultado da junção de aristocratas e plutocratas, de mentalidade escravocrata e colonial, com os grupos de pensamento conservador-antidemocrático e a direita ultraliberal.  

Ao longo da história do Brasil são inúmeros os episódios de arroubos dos grupos conservadores antidemocráticos quando o país caminha para melhorar substantivamente a vida dos quase 70%, cujos direitos só se dão no plano formal.  Nossa estrutura social piramidal, que mantém menos de 5% no topo e cerca de 30% na classe média nunca foi estruturalmente alterada. E, todas as vezes que se avizinhavam mudanças nessa chaga nacional, os conservadores radicais de direita deram os golpes.

Os endinheirados, uma parte capitaneada pela turma do pato amarelo, compraram os quase 300 deputados federais e outras dezenas de senadores, concretizando o golpe no parlamento, sob Eduardo Cunha e Aécio Neves. Eles são os donos dos oligopólios midiáticos, os banqueiros, os latifundiários e os empresários antinacionais que estiveram por trás dos promotores das manifestações domingueiras contra Dilma, Lula e o PT.

É o mesmo dinheiro que financia os chamados think tanks - que produzem e difundem o pensamento conservador com vistas a influenciar retrocessos sociais, políticos e econômicos no país, cooptando principalmente segmentos conservadores e privilegiados da classe média.

Boa parte desses think tanks é financiada com recursos de instituições norte-americanas, diga-se de passagem. Travestidos com esse nome sofisticado, tais grupos têm um papel similar daqueles institutos de pesquisa anti-Goulart, como o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) que bancavam “pesquisas” e campanhas de centenas de candidatos a deputado federal, estadual e governadores. Além disso, estimulavam greves e artigos na imprensa contra o governo da época. Na verdade, como sabemos, eram “ações encobertas” da CIA (Agência Central de Inteligência) com a pretensão de derrubar regimes, como explicou o coordenador do Arquivo de Segurança Nacional dos EUA, Peter Kornbluh, no documentário “O dia que durou 21 anos”.

Num estudo sobre think tanks que operam no Brasil, Kátia Gerab Baggio, da UFMG, mostrou as conexões entre o Atlas Network, o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Students For Liberty - fundado em 2008 na Columbia University. Grupos que promovem programas de treinamento, cursos e apoio financeiro para “formar jovens lideranças do movimento pela liberdade” em todos os continentes. Todos sabemos do papel desempenhado pelo MBL no processo golpista e na ação coordenada pela “onda conservadora” tupiniquim, como o recente episódio envolvendo a exposição “Queermuseu”. O texto de Baggio mostra outras conexões “entre organizações da direita ultraliberal norte-americana, brasileira e hispano-americana. Conexões estas que se estabeleceram, também, na promoção das manifestações e da propaganda política a favor do impeachment de Dilma”. Veja aqui.

Em relação aos grupos ultraconservadores de direita é preciso estudar melhor o papel desempenhado pela maçonaria no Brasil, que tem no sistema de justiça, no universo militar e nos grupos liberais conservadores da classe média uma força descomunal. Talvez, a maçonaria seja o elo que articula amplos setores conservadores e corporativos que compartilham os mesmos objetivos políticos e sociais no país.

O movimento ultraconservador se espalha em amplos setores, principalmente da classe média. Por exemplo, na educação.  A aprovação da “reforma” do ensino médio, a supressão dos termos “identidade de gênero” e “orientação sexual” da Base Nacional Comum Curricular, a crescente participação do setor empresarial em instituições de ensino e a militarização de instituições escolares são alguns sinais que comprovam os arroubos conservadores na educação. Outro exemplo é a aprovação em alguns municípios do chamado projeto “Escola Sem Partido”, uma excrecência articulada por baluartes do pensamento ultraconservador tupiniquim. Como escreveu Bruno Gawryszewski, professor na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 

vivemos uma ofensiva liberal-conservadora, apoiada em uma aliança entre o empresariado da educação e os setores mais reacionários, que põe em disputa a concepção de educação, reavivando uma visão neotecnicista do ensino.

Não podemos esquecer de mencionar amplos setores religiosos, que abominam a política na pregação, mas a exercem com toda a intensidade junto aos seus séquitos. Há grupos ultraconservadores no protestantismo, principalmente ligados às correntes pentecostal e neopentecostal, e no catolicismo, como a Opus Dei e segmentos da Renovação Carismática Católica. Amalgamados pela teologia da prosperidade, esse bálsamo para o capitalismo excludente, são segmentos que misturam proselitismo religioso, conservadorismo político e moralismo social. Parte do segmento evangélico optou por disputar espaços na política institucional com práticas e discursos dos mais obscurantistas possíveis.

Dentre esses grupos herméticos, é preciso, sempre, ressaltar o papel desempenhado por segmentos ultraconservadores e antidemocráticos da chamada "carreira jurídica de Estado".

Que a justiça no Brasil sempre foi serviçal da Casa Grande, salvo exceções, é sabido e comprovado. Porém, o que ocorreu nos últimos tempos é que os segmentos ultraconservadores dentro do sistema de justiça parecem ter superado os grupos liberal-democráticos e impuseram uma agenda justiceira e midiática para a justiça.

Desde o processo do mensalão, quando observamos uma judicialização da política, passando pela lava-jato e a politização da justiça, até o episódio da nomeação de Moraes para o Supremo e as posturas político-partidárias explícitas de Mendes, a partidarização da justiça, observamos que poderosos setores do judiciário deixaram de se comprometer com o devido processo legal e com a Constituição e passaram a defender, escancaradamente, interesses corporativos, de classe e antidemocráticos.

Outros dois exemplos desse movimento conservador no âmbito do judiciário. A pesquisadora Luciana Zaffalon, da Fundação Getúlio Vargas, se propôs a desvendar o que chama de “processo de politização do Judiciário paulista”, sabidamente o estado onde a onda conservadora tem seu epicentro. Sua tese de doutorado confirmou que ao mesmo tempo em que atua de forma a blindar a política de segurança pública do governo do Estado –todo o período analisado diz respeito à gestão de Geraldo Alckmin (PSDB) –, o Judiciário paulista negocia formas de garantir a manutenção e a ampliação de seus benefícios corporativos. Não por acaso, a única situação em que o Executivo foi derrotado pelos desembargadores em 100% dos processos foi quando questionou a aplicação do teto remuneratório das carreiras do serviço público: 

Todo o espírito da tese é dizer de que maneira os interesses se confundem, de que maneira os interesses corporativos estão se sobrepondo às garantias de cidadania das pessoas mais vulneráveis do Estado, sejam as que estão privadas de liberdade, sejam as que estão nas periferias das grandes cidades e são afetadas por políticas de segurança dramaticamente cruéis, 

disse à Carta Capital a advogada, que por quatro anos atuou como Ouvidora-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (2010-2014).

Noutra reportagem, o Brasil de Fato apresenta uma entrevista com Ricardo Costa de Oliveira, um dos autores do artigo “Prosopografia familiar da operação Lava Jato e do ministério Temer”, assinado em conjunto com outros três pesquisadores, José Marciano Monteiro, Mônica Helena Harrich Silva Goulart e Ana Christina Vanali, publicado na revista do Núcleo de Estudos Paranaenses (NEP).

A pesquisa conclui que os vínculos familiares são determinantes para se entender as dinâmicas dos campos político e judiciário no Brasil.

Para o professor do Departamento de Ciência Política e Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Costa de Oliveira, a origem social dos indivíduos está relacionada a uma série de privilégios, hábitos e visões de mundo compartilhadas.

O texto apresenta uma biografia coletiva do juiz de primeira instância Sérgio Moro, dos 14 membros da força-tarefa nomeados pela Procuradoria-Geral da República e de oito delegados da Polícia Federal que atuam no caso, além de ministros indicados pelo presidente golpista Michel Temer (PMDB).

O aspecto mais relevante do artigo diz respeito aos vínculos da operação Lava Jato com a elite econômica do Paraná. “Este seleto grupo de indivíduos forma parte do 1% mais rico no Brasil, e muitos até mesmo do 0,1% mais rico em termos de rendas”, descrevem os pesquisadores.

Perguntado sobre os vínculos da equipe da lava jato com a ditadura militar, Ricardo Costa é taxativo: 

Os operadores da Lava Jato, bem como os jovens ministros do governo Temer, são de famílias políticas. E os pais trabalharam, defenderam, reproduziram e atuaram na ditadura militar. Os filhos herdam a mesma mentalidade autoritária, o elitismo, o ódio de classe contra o PT. Como pertencem ao 1% mais rico, eles sempre tiveram uma vida muito luxuosa e beneficiada [pelas condições econômicas]. Estudaram em escolas de elite, vivem em ambientes luxuosos, estudaram Direito, depois fizeram concursos, com muito sucesso. Quando você tem pais no sistema, você tem facilidades. [....] O juiz Sérgio Moro, por exemplo: onde é que ele atua quando está em público? Em grandes publicações da mídia dominante burguesa, quando ele está muitas vezes abraçado, cumprimentando efusivamente os membros do golpe [de 2016]. Você vai ver um juiz ou um membro da Lava Jato num acampamento sem-terra? Ou num órgão alternativo da mídia, num sindicato de trabalhadores de categorias braçais e manuais? Jamais.

Se considerarmos o perfil socioeconômico e as posições políticas assumidas publicamente por juízes, até mesmo do Supremo, pelas elites do Ministério Público (federal e nos estados), além de segmentos policiais de elite temos a certeza que o sistema de justiça no Brasil age com viés claramente classista, corporativo, elitista e conservador. E é o grande protetor dos interesses conservadores e ultraconservadores que desejam se impor à sociedade brasileira.

Recentemente, uma procuradora da lava jato que se acha dona da verdade – como o restante daquele grupo liderado pelo torquemada das araucárias - exigiu que Lula a chamasse de excelência e doutora. Esse é um dos inúmeros exemplos do cotidiano dessa pífia e ridícula mentalidade bacharelesca, elitista, conservadora e autoritária que domina nossas elites jurídicas, empresariais, midiáticas, médicas, religiosas, policiais, políticas, intelectuais, etc.

Essas elites, salvo exceções, não aceitam um país democrático e de iguais e rejeitam a concretização de uma Nação de fato, para além do mero formalismo legal. São os grupos que sustentam no poder a maior organização criminosa que se tem notícias neste país, desde Cabral, o original.



domingo, 10 de setembro de 2017

O discurso hipócrita da corrupção


Mais uma vez, o discurso da cruzada anticorrupção toma conta do debate nacional. Como escreveu o ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, um discurso que é motivado pela “persecução criminal (que) se converteu numa arma de destruição em massa, na ilusão de erradicar a corrupção, como se esta conseguisse ser vencida com o estímulo ao capital ocioso. Mas a mensagem criminalizadora cola, de tanto que é repetida em redes sociais, na televisão, nas rádios e nos periódicos.”

Em artigo anterior, demonstrávamos que o capitalismo no seu formato de rentismo, na atualidade, funciona graças à corrupção generalizada: nada menos de 25% do PIB mundial são remetidos a paraísos fiscais por grandes empresas e instituições financeiras.  Estima-se que a cada ano 18 trilhões de dólares seguem o caminho da sonegação de impostos. No Brasil, a estimativa de evasão fiscal entre 2003 e 2012 foi de 220 bilhões de dólares.

Os conglomerados financeiros, via corrupção, controlam os governos, a economia, as políticas e as agências multilaterais.  Vejamos novamente o Brasil: o atual ministro da Fazenda veio do Banco de Boston e o atual presidente do Banco Central é cria do Banco Itaú. Aliás, Henrique Meireles também trabalhou na JBS. Ademais, CEO’s de bancos estão em outros cargos estratégicos dos governos. Henry Paulson, secretário do Tesouro dos EUA, por exemplo, à época da crise de 2008 era executivo do Goldman Sachs. Ele conseguiu que o rombo provocado pela crise gerada pelo mercado imobiliário fosse transferido para os governos. Ou seja, fosse paga com dinheiro dos impostos dos contribuintes. Sob Trump, essa relação promíscua entre público e privado no governo norte-americano é ainda mais explícita.

O mundo está se afogando em fraudes corporativas. Há uma hipótese segundo a qual os governos dos países pobres, provavelmente, aceitam mais subornos e cometem mais crimes. Mas, é nos países ricos – que sediam as empresas multinacionais - que as infrações de maiores proporções acontecem. Afinal, o dinheiro move montanhas e corrompe políticos em todo o mundo.

Polido com o verniz neoliberal, o discurso anticorrupção é feito sob medida para o contentamento de moralistas sem moral. Ao mesmo tempo em que ataca exclusivamente a ineficiência do Estado, tal discurso enfatiza o mau caratismo individual. O corrupto indignado é aquele que sempre está a apontar o dedo para o outro; nunca para si ou para os seus.

Propositadamente, tal discurso envernizado desconsidera inúmeros fatores estruturais, históricos, políticos e culturais.

Aqueles que possuem um sobrenome tradicional; os filhos das “boas famílias brasileiras”; parte da classe média moralista e privilegiada; os homens e mulheres de ben$ - que têm maior poder de vocalização e sempre podem pagar mais - são os arautos desses discursos:  se postam como os corretos, os defensores da moral e da ética.

Geralmente, esses falastrões anticorrupção apresentam soluções imediatistas, simplistas, demagógicas e perigosas, inclusive propondo justiceiros para salvarem a pátria corrompida.

O ilibado cidadão que grita nas redes sociais impropérios contra contraventores de colarinho-branco costuma ser um especialista em práticas corruptas, inclusive defendendo parasitas e desenvoltas máfias que se aliam ao seu discurso moralista.

Prestemos atenção: via de regra, os grupos sociais e as pessoas que mais esbravejam contra a corrupção são os primeiros a serem pegos em práticas corrompidas. Comecemos com os políticos. Não se pode generalizar e criminalizar a política. Mas, é sempre prudente desconfiar de político que esbraveja contra a corrupção. Todos aqueles que a algum tempo atrás se postavam como os bastiões da ética e da moral, nas passeatas domingueiras contra Dilma, foram pegos em práticas ilícitas.

Vejamos alguns segmentos da classe média. É comum profissionais liberais que adoram se postar como guardiões da moral e da ética serem aqueles que, por exemplo, não gostam de emitir notas fiscais quando prestam serviços. Além de sonegar impostos, fazem de tudo para não comprovar os seus rendimentos. Outros têm meia dúzia de empregos não cumprido horário em nenhum ou utilizando de todos os expedientes para conseguirem vantagens e privilégios através de seus títulos ou relações pessoais. É muita hipocrisia!

Alguns movimentos sociais que esbravejam contra a corrupção estão caladinhos, porque foram responsáveis pela consolidação do governo mais corrupto de toda a história deste país. A corrupção para eles é só aquela dos outros; entre eles e seus amigos tudo é possível e tolerado. Beira o ridículo seus discursos odiosos e pueris nas redes sociais. Muitos estão a aplaudir filmes como esse pastelão, intitulado “a lei é para todos”, a maior piada do ano no Brasil. Soube que concorrerá ao Oscar. Se for na categoria comédia tem grande chance de levar a estatueta.

Em relação à mídia brasileira: não há nada mais corrupto que a produção da notícia no Brasil contemporâneo. O jornalismo deixou de ser a interpretação responsável dos fatos para se tornar a maior máquina de produção articulada de fake news por empresas que não têm o mínimo compromisso com a democracia. Um jornalismo de guerra, não só adesista (como na ditadura), mas claramente disposto a omitir, escamotear e falsear fatos no intuito de defender os golpistas.

Observamos que muitos promotores e juízes querem se colocar como os detentores da ética pública. Ao invés de se pronunciarem com serenidade nos autos, preferem berrar para mídia, buscando angariar parte da opinião pública entorpecida, para justificar seus justiciamentos.  Muitos deles estão envolvidos com práticas corruptas, sendo a primeira delas o fato de não respeitarem o devido processo legal, nem as leis e nem a Constituição. 

O discurso anticorrupção também é pródigo em eleger “bodes expiatórios”. Seus autores apreciam queimar um “eleito” na fogueira inquisitorial e midiática, enquanto os corruptos fazem a festa da impunidade ou da justiça seletiva. No caso brasileiro, as elites não gostam de queimar bodes. Preferem um certo sapo barbudo que muito as contrariam.

A corrupção existe em todos os países. E o sistema capitalista na sua forma especulativa e rentista é o maior produtor de corrupção sistêmica. Afinal, paraísos fiscais, sonegação e evasão de divisas é o que sustenta esse modelo de capitalismo na sua atual fase.

Pensemos na corrupção que campeia nos Estados Unidos, por exemplo. Um país que não é movido pelos interesses dos seus cidadãos, mas pelo negócio das indústrias bélica, petrolífera e farmacêutica que dominam a política estadunidense. Através de todo tipo de corrupção, essas corporações impõem uma política internacional estadunidense baseada em ações de intervencionismo, promoção de golpes e de guerras para garantir o lucro, sem controle, dos conglomerados financeiros e econômicos.

Outra forma de comprovar que a corrupção é a mola-mestra do capitalismo: basta observar que cada vez mais a concentração de riqueza e renda está nas mãos de pouquíssimos oligopólios (empresas, bancos e fundos de investimento) que não geram desenvolvimento ou bem-estar social. Ao contrário, geram todo o tipo de desgraça para a humanidade: fome, desigualdade, miséria, guerra, violência. "Uma economia que mata", nos dizeres do Papa Francisco.

Não é possível acabar com a corrução. Mas, os mecanismos de enfrentamento dessa praga no espaço público são muito bem conhecidos. São órgãos de controle que atuam com autonomia e possibilitam maior transparência e monitoramento do erário.  Não é preciso de juiz justiceiro para inglês ver, nem de classe média moralista sem moral, nem de instituições que se colocam acima do estado de direito e do bem e do mal.

Além dos mecanismos de controle público, a melhor arma de controle da corrupção é um sistema de justiça isento e isonômico; que atua dentro da lei e da Constituição. Não uma justiça que se transforma num estado paralelo para agir corporativamente e proteger apaniguados.

Os países que conseguiram implementar mecanismos de controle, transparência e accountability, associados a um sistema de Justiça democrático e republicano conseguiram controlar a corrupção que envolve agentes do Estado e mitigaram a corrupção no espaço privado.

Todos os demais países que não criaram ou não fortaleceram tais mecanismos e nem reformaram os seus sistemas de justiça transformaram o discurso da corrupção numa luta de poder na qual os mais corruptos são aqueles que mais se beneficiam do discurso anticorrupção. E é exatamente isso que observamos no Brasil atualmente.


segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Lula e o feitiço que virou contra o feiticeiro

Colagem de fotos da Internet
Há um ditado popular que diz: o feitiço, geralmente, vira contra o feiticeiro.

Faltando um ano para as eleições presidenciais, Lula consolida-se, cada vez mais, como o candidato do povo, para a tristeza de alguns segmentos da esquerda, o ódio dos setores conservadores e elitistas e o desespero da cleptocracia no poder.

Qualquer analista político minimamente honesto, que queira compreender o Brasil como nação, ou seja, pensar os valores relativamente homogêneos e os sentimentos de pertença do povo brasileiro (não das elites que tentam dominar a narrativa acerca da nossa história e cultura), deve considerar o papel desempenhado por Lula nas representações sociais, culturais e valorativas que povoam a alma do brasileiro.

As pesquisas de intenção de votos para presidente dão cerca de 30% para Lula. E o PT tem 20% da preferência do eleitorado. Quase o dobro da soma dos partidos que estão em segundo e terceiros lugares. Concordemos ou não, essa é a realidade no momento.

Quanta notícia ruim para o bando golpista e seus financiadores e apoiadores daqui e lá do norte.

Todos os detratores de Lula estão muito piores que ele na avaliação dos eleitores. A camarilha de tucanos e peemedebistas encontra-se no submundo da política: em intenções de votos espontâneas seus candidatos não chegam a 1%. Outro ditado diz que “quem com o ferro fere com o ferro será ferido”.

A mídia tradicional nativa, principal produtora de fake news sobre política, apoiadora de primeira hora dos regimes de exceção, é um fiasco quando comparada à mídia liberal-democrática internacional.

E os segmentos justiceiros do judiciário revelam-se apodrecidos. A hipocrisia daqueles que desejam fazer justiça utilizando-se de convicções político-partidárias é desnudada cotidianamente. Quem gosta de ostentar discursos sobre virtudes é porque delas é carente. Afinal, o virtuoso não carece de ostentação.

E a viagem que Lula ao nordeste? Não adianta negar o óbvio: é, simplesmente, consagradora. Como estampou o jornal The Guardian, "ele continua sendo o presidente brasileiro mais popular em décadas, se não na história do país."

O carisma de Lula, algo que falta a todos outros líderes políticos da esquerda à direita, está nas fotos e vídeos da caravana disponíveis nas redes sociais. Com globo ou sem globo, o país e o mundo acompanham com atenção a saga do ex-presidente. E não adianta esbravejar!

Ao contrário dos Bolsonaros e Dórias - filhotes dos usurpadores da democracia que querem ganhar no grito -, Lula aparece nas imagens sereno e acolhedor; sem vociferar. Um líder que entende o que o povo deseja. E o recíproco parece ser verdadeiro.

As imagens de Lula no nordeste revelam que ele continua um fenômeno junto ao povo.

Apesar de atacado sem trégua e piedade pelas elites e pela mídia tupiniquim, setores historicamente antidemocráticos, Lula se reafirma enquanto líder político; consolida-se como símbolo de resistência e luta pela democracia e cresce na preferência e nas intenções de voto. 

Os capatazes da Casa Grande que açoitam cotidianamente Lula são os mesmos que massacram e tripudiam a população. Parece que essa percepção aproxima o líder das multidões.

A história de Lula é duplamente capturada: pelo povo, que vê nele um líder, capaz de oferecer coragem, esperança e fé para a superação das mazelas deste país. E pelas elites, que enxergam nele um verdadeiro monstro a impedir seus intentos.

Independentemente de seus vícios, Lula é vitorioso. Mesmo sendo constrangido por futuras posições justiceiras, ele será o fiel da balança nas eleições de 2018.

É o feitiço a virar contra os feiticeiros.