Mais uma vez, o discurso da
cruzada anticorrupção toma conta do debate nacional. Como escreveu o
ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, um discurso que é motivado pela
“persecução criminal (que) se converteu numa arma de destruição em massa, na
ilusão de erradicar a corrupção, como se esta conseguisse ser vencida com o
estímulo ao capital ocioso. Mas a mensagem criminalizadora cola, de tanto que é
repetida em redes sociais, na televisão, nas rádios e nos periódicos.”
Em artigo anterior,
demonstrávamos que o capitalismo no seu formato de rentismo, na atualidade,
funciona graças à corrupção generalizada: nada menos de 25% do PIB mundial são
remetidos a paraísos fiscais por grandes empresas e instituições
financeiras. Estima-se que a cada ano 18 trilhões de dólares seguem o
caminho da sonegação de impostos. No Brasil, a estimativa de evasão fiscal
entre 2003 e 2012 foi de 220 bilhões de dólares.
Os conglomerados financeiros, via
corrupção, controlam os governos, a economia, as políticas e as agências
multilaterais. Vejamos novamente o
Brasil: o atual ministro da Fazenda veio do Banco de Boston e o atual
presidente do Banco Central é cria do Banco Itaú. Aliás, Henrique Meireles
também trabalhou na JBS. Ademais, CEO’s de bancos estão em outros cargos
estratégicos dos governos. Henry Paulson, secretário do Tesouro dos EUA, por
exemplo, à época da crise de 2008 era executivo do Goldman Sachs. Ele conseguiu
que o rombo provocado pela crise gerada pelo mercado imobiliário fosse transferido
para os governos. Ou seja, fosse paga com dinheiro dos impostos dos
contribuintes. Sob Trump, essa relação promíscua entre público e privado no
governo norte-americano é ainda mais explícita.
O mundo está se afogando em
fraudes corporativas. Há uma hipótese segundo a qual os governos dos países
pobres, provavelmente, aceitam mais subornos e cometem mais crimes. Mas, é nos
países ricos – que sediam as empresas multinacionais - que as infrações de
maiores proporções acontecem. Afinal, o dinheiro move montanhas e corrompe
políticos em todo o mundo.
Polido com o verniz neoliberal, o
discurso anticorrupção é feito sob medida para o contentamento de moralistas
sem moral. Ao mesmo tempo em que ataca exclusivamente a ineficiência do Estado,
tal discurso enfatiza o mau caratismo individual. O corrupto indignado é aquele que sempre está a apontar o dedo para o outro; nunca para si ou para os seus.
Propositadamente, tal discurso
envernizado desconsidera inúmeros fatores estruturais, históricos, políticos e
culturais.
Aqueles que possuem um sobrenome
tradicional; os filhos das “boas famílias brasileiras”; parte da classe média
moralista e privilegiada; os homens e mulheres de ben$ - que têm maior poder de vocalização e
sempre podem pagar mais - são os arautos desses discursos: se postam como os corretos, os defensores da
moral e da ética.
Geralmente, esses falastrões anticorrupção apresentam soluções
imediatistas, simplistas, demagógicas e perigosas, inclusive propondo justiceiros para salvarem a pátria corrompida.
O ilibado cidadão
que grita nas redes sociais impropérios contra contraventores de
colarinho-branco costuma ser um especialista em práticas corruptas, inclusive
defendendo parasitas e desenvoltas máfias que se aliam ao seu discurso
moralista.
Prestemos atenção: via de regra, os
grupos sociais e as pessoas que mais esbravejam contra a corrupção são os
primeiros a serem pegos em práticas corrompidas. Comecemos com os políticos. Não
se pode generalizar e criminalizar a política. Mas, é sempre prudente
desconfiar de político que esbraveja contra a corrupção. Todos aqueles que a algum tempo atrás se postavam como os bastiões da ética e da moral, nas
passeatas domingueiras contra Dilma, foram pegos em práticas ilícitas.
Vejamos alguns segmentos da
classe média. É comum profissionais liberais que adoram se postar como guardiões da moral e da ética serem aqueles que, por exemplo, não gostam de emitir notas
fiscais quando prestam serviços. Além de sonegar impostos, fazem de tudo para
não comprovar os seus rendimentos. Outros têm meia dúzia de empregos não cumprido
horário em nenhum ou utilizando de todos os expedientes para conseguirem
vantagens e privilégios através de seus títulos ou relações pessoais. É muita
hipocrisia!
Alguns movimentos sociais que esbravejam
contra a corrupção estão caladinhos, porque foram responsáveis pela
consolidação do governo mais corrupto de toda a história deste país. A
corrupção para eles é só aquela dos outros; entre eles e seus amigos tudo é
possível e tolerado. Beira o ridículo seus discursos odiosos e pueris nas redes
sociais. Muitos estão a aplaudir filmes como esse pastelão, intitulado “a lei é
para todos”, a maior piada do ano no Brasil. Soube que concorrerá ao Oscar. Se
for na categoria comédia tem grande chance de levar a estatueta.
Em relação à mídia brasileira:
não há nada mais corrupto que a produção da notícia no Brasil contemporâneo. O
jornalismo deixou de ser a interpretação responsável dos fatos para se tornar a maior máquina de produção articulada de fake
news por empresas que não têm o mínimo compromisso com a democracia. Um
jornalismo de guerra, não só adesista (como na ditadura), mas claramente
disposto a omitir, escamotear e falsear fatos no intuito de defender os
golpistas.
Observamos que muitos promotores
e juízes querem se colocar como os detentores da ética pública. Ao invés de se
pronunciarem com serenidade nos autos, preferem berrar para mídia, buscando
angariar parte da opinião pública entorpecida, para justificar seus
justiciamentos. Muitos deles estão envolvidos
com práticas corruptas, sendo a primeira delas o fato de não respeitarem o
devido processo legal, nem as leis e nem a Constituição.
O discurso anticorrupção também é
pródigo em eleger “bodes expiatórios”. Seus autores apreciam queimar um “eleito”
na fogueira inquisitorial e midiática, enquanto os corruptos fazem a festa da
impunidade ou da justiça seletiva. No caso brasileiro, as elites não gostam de
queimar bodes. Preferem um certo sapo barbudo que muito as contrariam.
A corrupção existe em todos os
países. E o sistema capitalista na sua forma especulativa e rentista é o maior
produtor de corrupção sistêmica. Afinal, paraísos fiscais, sonegação e evasão
de divisas é o que sustenta esse modelo de capitalismo na sua atual fase.
Pensemos na corrupção que campeia
nos Estados Unidos, por exemplo. Um país que não é movido pelos interesses dos
seus cidadãos, mas pelo negócio das indústrias bélica, petrolífera e
farmacêutica que dominam a política estadunidense. Através de todo tipo de
corrupção, essas corporações impõem uma política internacional estadunidense baseada
em ações de intervencionismo, promoção de golpes e de guerras para garantir o
lucro, sem controle, dos conglomerados financeiros e econômicos.
Outra forma de comprovar que a
corrupção é a mola-mestra do capitalismo: basta observar que cada vez mais a
concentração de riqueza e renda está nas mãos de pouquíssimos oligopólios (empresas,
bancos e fundos de investimento) que não geram desenvolvimento ou bem-estar
social. Ao contrário, geram todo o tipo de desgraça para a humanidade: fome, desigualdade,
miséria, guerra, violência. "Uma economia que mata", nos dizeres do Papa Francisco.
Não é possível acabar com a
corrução. Mas, os mecanismos de enfrentamento dessa praga no espaço público
são muito bem conhecidos. São órgãos de controle que atuam com autonomia e
possibilitam maior transparência e monitoramento do erário. Não é preciso de juiz justiceiro para inglês ver, nem de
classe média moralista sem moral, nem de instituições que se colocam acima do estado de direito e do bem e do
mal.
Além dos mecanismos de controle
público, a melhor arma de controle da corrupção é um sistema de justiça isento
e isonômico; que atua dentro da lei e da Constituição. Não uma justiça que se
transforma num estado paralelo para agir corporativamente e proteger
apaniguados.
Os países que conseguiram implementar
mecanismos de controle, transparência e accountability,
associados a um sistema de Justiça democrático e republicano conseguiram controlar
a corrupção que envolve agentes do Estado e mitigaram a corrupção no espaço privado.
Todos os demais países que não
criaram ou não fortaleceram tais mecanismos e nem reformaram os seus sistemas de
justiça transformaram o discurso da corrupção numa luta de poder na qual os
mais corruptos são aqueles que mais se beneficiam
do discurso anticorrupção. E é exatamente isso que observamos no Brasil atualmente.
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