sexta-feira, 29 de maio de 2015

Álcool: a droga que mais mata no Brasil

Qual a droga que mais mata no Brasil? O crack, a maconha, a heroína, o ecstasy? Não. O álcool associado a armas de fogo e ao volante é a droga que mais provoca mortes no Brasil.

Segundo o Ministério da Saúde, as maiores causas de morte são problemas cardiovasculares e o câncer, duas doenças relacionadas ao álcool. Mas a perda de vidas não está associada somente às doenças relacionadas ao vício. Metade das mortes no trânsito em 2011 (cerca de 17 mil vítimas) envolve motoristas embriagados. Mesmo em pequenas doses, o álcool prejudica a percepção de velocidade e distância; pode causar dupla visão e incapacidade de coordenação. Resultado: milhares de vidas ceifadas no trânsito. 


O consumo de álcool no Brasil é quase 50% superior à média mundial e o comportamento de risco no país já supera o padrão da Rússia (considerado um país onde se bebe muito).



Levantamento feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra que os brasileiros com mais de 15 anos bebem o equivalente a 10 litros de álcool puro por ano – a média no mundo é de 6,1 litros . Entre os homens que bebem, a taxa é de 24,4 litros de álcool por ano e entre as mulheres, de 10 litros. O álcool é responsável por 7,2% das mortes – índice quase duas vezes superior à média mundial. Cerca de 30% da população que admite beber frequentemente afirma que se embriaga pelo menos uma vez por semana.

Nos EUA, a taxa é de 13%, contra 12%, na Itália. Mesmo na Rússia, o índice daqueles que exageram na bebida é inferior ao do Brasil: 21%. 

A cerveja é responsável por 54% do consumo de álcool no Brasil. Mas os destilados representam 40%, uma taxa considerada alta. O vinho corresponde a cerca de 5%.

Se somarmos as mortes no trânsito derivadas do consumo de álcool àquelas por motivações fúteis, pertinentes a esse vício, e às relacionadas a doenças associadas ao alcoolismo (cardiovasculares e cânceres), teremos o álcool, além de a principal causa de óbitos, também como o maior motivador da violência no país. 


Pesquisa realizada pelo sociólogo Guaracy Mingardi, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), em 14 delegacias dos bairros mais violentos da Zona Sul paulistana, constatou que o álcool é o agente detonador de, pelo menos, 41% dos homicídios.

Outro estudo, feito pelo Instituto Médico Legal paulista em 2005, revelou que as 2.007 vítimas de homicídio no estado de São Paulo, 863 tinham consumido álcool, sendo que 785 delas tinham mais de 0,6 gramas de álcool por litro de sangue. Os dados estão no trabalho “Uso de álcool por vítimas de homicídio no município de São Paulo”, do pesquisador Gabriel Andreuccetti, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), premiado pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), em 2007.

Noutra pesquisa premiada pela Senad, “Políticas municipais relacionadas ao álcool: análise da lei de fechamento de bares e outras estratégias comunitárias em Diadema (SP)”, do médico Sérgio Duailibi, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostra a forte correlação entre álcool e violência nas mortes por motivos fúteis.

 
Mas por que no Brasil as políticas de controle e redução das mortes provocadas pelo álcool são quase inexistentes? Porque a indústria do álcool (como a das armas) é poderosíssima: tem bancada nos parlamentos, controla altíssimas verbas publicitárias na mídia e, recentemente, é responsável pela promoção de grandes eventos, inscritos, entre outros, naquilo que se denominou chamar de “paixão popular”.

Ademais, com uma propaganda constante e subliminar (que inclusive associa álcool, sexo e prazer), a indústria do álcool captura com facilidade milhões de jovens, que serão reféns desse vício por longos anos, provocando enormes custos de tratamento no sistema de saúde ou constarão, em breve, das estatísticas das mortes em nosso país.

Qual a sua opinião sobre os efeitos do álcool na vida das pessoas, das famílias e da sociedade?


sexta-feira, 22 de maio de 2015

A quem interessa a insegurança e a impunidade?


Diante da prática delituosa espera-se que o Estado apure - nos estritos limites da lei -, processe a justiça de forma isonômica e, se for o caso, aplique alguma sanção com celeridade àqueles que cometem crimes.

Beccaria, já no século XVIII, afirmava: “não é o rigor do suplício que previne os crimes com mais segurança, mas a certeza do castigo” (BECCARIA, 1746, p. 29). Alguns tradutores, atualizando a obra do famoso milanês (dado que atualmente, pelo menos sob o ponto de vista formal e legal, os suplícios inexistem), traduzem o texto da seguinte forma: “não é a dureza da lei, mas a certeza da punição que previne os crimes”. 

Neste sentido, a eficiência do sistema de justiça criminal é ingrediente indispensável não somente para a diminuição da sensação de impunidade, como também para a dissuasão de práticas criminosas. Um sistema judiciário moroso e seletivo certamente produz resultados negativos no sistema de segurança pública. No caso brasileiro, os impactos da execução criminal são responsáveis, segundo o Conselho Nacional de Justiça, pelas altas taxas de congestionamento de todo o sistema judiciário brasileiro.

 Obviamente, não é para promover a vingança, segregar ou aniquilar o infrator (como desejam alguns segmentos conservadores e reacionários da sociedade brasileira) ou ampliar as garras do estado penal que se exige mais efetividade da Justiça.

Assistimos extasiados a prisão de milhares de jovens acusados de tráfico de drogas porque portam algumas gramas de maconha e a total impunidade em relação aos grandes traficantes, como ocorreu em relação a apreensão de um helicóptero de políticos, transportando meia tonelada de cocaína. Persiste a pergunta: que país é este?


Ao contrário, a certeza da impunidade favorece a prática de crimes. Vergonhosamente, para cada cem homicídios praticados, apenas oito são totalmente processados pelo sistema de justiça criminal brasileiro e, destes, somente dois têm os autores presos. 




Pouco efetivos, mas às vezes necessários, são os mutirões para concluir milhares de inquéritos abertos e sem solução. Há pouco tempo, organizadores de um desses mutirões anunciaram que de um total de 143 mil inquéritos de homicídios sem solução, apenas 20% tiveram um fim e, destes, 80% foram arquivados, sem qualquer solução. O número de casos remetidos ao Ministério Público para o oferecimento de denúncia foi de parcos 3% do total. 

Abrir mão da apuração dos crimes sinaliza o fracasso do Estado e o caráter dúbio da Justiça (a aplicação da lei dependerá de circunstâncias aleatórias). Resultado: para muitos, o crime poderá compensar.

Onde se localizam os problemas da impunidade? Os baixos investimentos em estruturas de investigação, inteligência e perícia das polícias são fatores que corroboram no caos do sistema de justiça criminal. Mas, não podemos responsabilizar somente as polícias pela situação desastrosa. Governantes insensatos, que se contentam com o “aqui e agora”, sempre preferem investir nas ações de repressão – que aparentemente dão resultado (nem que seja midiático) -, ao invés de direcionar os investimentos para uma polícia mais eficiente; menos preocupada em prender e mais direcionada para a elucidação dos crimes. 

Polícias eficientes, que solucionam os crimes, oferecerem ao Ministério Público processos robustos que, por sua vez, permitem ao Poder Judiciário (se menos encastelado e seletivo) julgar com rapidez. Por fim, com um sistema prisional direcionado somente para quem oferece risco social - e não como instrumento para prender os pobres e negros e praticantes de crimes contra patrimônio (que respondem por 65% da massa carcerária) -, teríamos um quadro de maior efetividade da Justiça e a possível diminuição da impunidade. Afinal, justiça tardia é a negação da justiça.

Somente repensando as estruturas arcaicas, inquisitoriais e baseadas na intuição - que não respondem mais aos reclamos de uma sociedade democrática -, que teremos um sistema de justiça que faz jus deste nome.


Mas a situação não será resolvida com medidas paliativas nem com reformas incrementais nas agências do sistema de justiça criminal. Afinal, quando há pressão social ou midiática, as respostas do Estado são sempre nos moldes dos "remendos novos em panos velhos". Resultado: mantendo-se a atual estrutura, sem profundas reformas, o problema da impunidade associada ao aumento de crimes persistirá e outras tantas ações enxuga-gelo serão sistematicamente implementadas. 

A quem interessa a atual situação de insegurança e impunidade?

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Entenda: violência na escola, violência da escola e violência à escola

Um bombardeio de informações acerca de violência nas escolas toma conta do noticiário nos últimos tempos. A violência na escola não é um fenômeno novo. Há relatos desse fenômeno desde o século dezenove. Porém, ultimamente mudou a forma de manifestação da violência no âmbito escolar. As agressões agora são muito mais graves: são casos de tentativa de homicídios, homicídios, estupros e a presença de armas no ambiente escolar. Os envolvidos são cada vez mais jovens e há relatos constantes do número de intrusões externas, como acertos de conta que se iniciam fora da escola. Há uma crise de autoridade e legitimidade da instituição escolar, como ocorre também em relação à família e outras instituições socializadoras.



Para trabalhar as várias formas de manifestação da violência no ambiente escolar, Bernard Charlot, sociólogo francês, propõe algumas distinções. 

O termo violência na escola se refere às violências que ocorrem dentro da instituição escolar, mas não estão ligadas às suas atividades. São exemplos dessa violência, os roubos, invasões e acertos de contas por grupos rivais. Nesse caso, a escola é um local onde a violência ocorre.

A violência na escola não é um fenômeno novo. Há relatos desse fenômeno desde o século dezenove.

A violência à escola é a violência ligada à natureza e às atividades da instituição educacional. Ela ocorre quando os alunos provocam incêndios e agridem os professores, por exemplo, ou seja, a violência contra a instituição ou contra aquilo que ela representa.

Por fim, há também a violência da escola, que é institucional e simbólica e se manifesta, por exemplo, na forma como a instituição escolar define os modos de composição das classes, as formas preconceituosas de tratamentos dos alunos ou a atribuição discricionária de notas pelos professores, etc.

É muito importante compreender que a violência está espraiada na sociabilidade moderna. Desde a violência intrafamiliar (característica da nossa sociedade patriarcal e machista), passando por várias modalidades de violências interpessoais (no trânsito, por exemplo) e as múltiplas formas de violências associadas às drogas vivemos numa sociedade que naturaliza e banaliza as várias formas e manifestações da violência. Por que pensar que a escola estaria fora desse contexto? Aliás, passa a ser papel da escola, enquanto instituição de educação à cidadania, tratar dessa sociabilidade violenta. Pois, fundamentalmente, a escola deveria formar cidadãos capazes de conviver com as diferenças, sem se impor através de variadas formas de violência.

A violência nos estabelecimentos escolares tem, muitas vezes, relação com desordens socioambientais. Quando se analisam as escolas com altos índices de agressão, verifica-se uma situação de forte tensão. Os incidentes são produzidos nesse fundo de tensão social e escolar onde um pequeno conflito pode provocar uma explosão. As fontes de tensão podem estar ligadas às relações familiares e comunitárias. Por isso, é importante a articulação da escola e suas práticas de ensino com a sociedade em seu entorno.


(...) a escola deveria formar cidadãos capazes de conviver com as diferenças, sem se impor através de variadas formas de violência.


Ademais, as queixas dos professores podem se transformar em discursos de vitimização. E como vítimas, os educadores se colocam num lugar de impotência frente aos problemas da violência e da aprendizagem de seus alunos. Não se trata aqui de minimizar ou negar os dilemas enfrentados pelos professores no cotidiano escolar. Eles são graves. Porém, é possível encontrar alternativas para a solução dos eventuais conflitos quando os profissionais da educação se colocam, também, como sujeitos responsáveis pelos processos educativos dos alunos e não meros transmissores de um conhecimento muitas vezes distante da realidade escolar na qual atuam.

Trabalhando de forma isolada, a escola não encontrará soluções possíveis e ainda correrá o risco de entrar num círculo vicioso de perpetuação de uma lógica criminalizante e repressiva. Os problemas da violência são complexos e nenhuma instituição sozinha poderá resolvê-los, sendo necessário um trabalho ampliado com outros segmentos sociais e governamentais. 

Num cenário de corresponsabilidade, deve-se analisar e enfrentar a violência como algo complexo e não apenas como um ato isolado, procurando descriminalizar os conflitos e trabalhá-los pedagogicamente.

O pior dos mundos, no entanto, é essa espetacularização da violência na escola, que serve somente para a implementação de respostas simplistas, ampliação do mercado privado da segurança, criminalização de segmentos infanto-juvenis e o retorno ao velho discurso da repressão como lenitivo para o enfrentamento de um problema que demanda a responsabilização de todos os atores do processo educativo: pais, professores, diretores, comunidades, governos e especialistas.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

ONU: infrações cometidas por jovens indicam restrição de acesso a direitos fundamentais, cidadania e justiça

Segundo a ONU, se as infrações cometidas por adolescentes e jovens forem tratadas exclusivamente como uma questão de segurança pública e não como um indicador de restrição de acesso a direitos fundamentais, a cidadania e a justiça, “o problema da violência no Brasil poderá ser agravado, com graves consequências no presente e futuro”.
Foto: Chris Devers (flickr.com/cdevers)
Foto: Chris Devers (flickr.com/cdevers)
O Sistema ONU no Brasil divulgou nesta segunda-feira (11) uma nota em que demonstra “preocupação” com a tramitação, no Congresso Nacional, de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 171/1993) que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade e o debate nacional sobre o tema.
Segundo a ONU, se as infrações cometidas por adolescentes e jovens forem tratadas exclusivamente como uma questão de segurança pública e não como um indicador de restrição de acesso a direitos fundamentais, a cidadania e a justiça, “o problema da violência no Brasil poderá ser agravado, com graves consequências no presente e futuro”.
As Nações Unidas destacam, entre outras informações, que as estatísticas mostram que a população adolescente e jovem, especialmente a negra e pobre, está sendo assassinada de forma sistemática no País. “Essa situação coloca o Brasil em segundo lugar no mundo em número absoluto de homicídios de adolescentes, atrás da Nigéria”, afirma a nota, lembrando quem, dos 21 milhões de adolescentes que vivem no Brasil, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida. “Os adolescentes são muito mais vítimas do que autores de violência”, diz a ONU no Brasil.
Confira a nota na íntegra (abaixo) ou em formato PDF clicando aqui.

NOTA DO SISTEMA ONU NO BRASIL SOBRE A PROPOSTA DE REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

Sistema ONU no Brasil
O Sistema ONU no Brasil acompanha com preocupação a tramitação, no Congresso Nacional, de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 171/1993) que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade e o debate nacional sobre o tema.

O Sistema ONU condena qualquer forma de violência, incluindo aquela praticada por adolescentes e jovens. No entanto, é com grande inquietação que se constata que os adolescentes vêm sendo publicamente apontados como responsáveis pelas alarmantes estatísticas de violência no País, em um ciclo de sucessivas violações de direitos.

Dados oficiais mostram que, dos 21 milhões de adolescentes que vivem no Brasil, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida1. Os adolescentes são muito mais vítimas do que autores de violência. Estatísticas mostram que a população adolescente e jovem, especialmente a negra e pobre, está sendo assassinada de forma sistemática no País. Essa situação coloca o Brasil em segundo lugar no mundo em número absoluto de homicídios de adolescentes, atrás da Nigéria.2.

Os homicídios já são a causa de 36,5% das mortes de adolescentes por causas não naturais, enquanto, para a população em geral, esse tipo de morte representa 4,8% do total. Somente entre 2006 e 2012, pelo menos 33 mil adolescentes entre 12 e 18 anos foram assassinados no Brasil3. Na grande maioria dos casos, as vítimas são adolescentes que vivem em condições de pobreza na periferia das grandes cidades.

O Sistema ONU alerta que, se as infrações cometidas por adolescentes e jovens forem tratadas exclusivamente como uma questão de segurança pública e não como um indicador de restrição de acesso a direitos fundamentais, a cidadania e a justiça, o problema da violência no Brasil poderá ser agravado, com graves consequências no presente e futuro.

O sistema penitenciário brasileiro já enfrenta enormes desafios para reinserir adultos na sociedade. Encarcerar adolescentes jovens de 16 e 17 anos em presídios superlotados será expô-los à influência direta de facções do crime organizado. Uma solução efetiva para os atos de violência cometidos por adolescentes e jovens passa necessariamente pela análise das causas e pela adoção de uma abordagem integral em relação ao problema da violência4.

Investir na população de adolescentes e jovens é a chave para o desenvolvimento. Dificilmente progressos sociais e econômicos poderão ser alcançados nos próximos anos sem os investimentos certos nesta que é a maior população jovem da história: no mundo, são mais de 1,8 bilhão de adolescentes e jovens (10 a 24 anos), e no Brasil esse número ultrapassa 51 milhões5. Essa quantidade sem precedentes de adolescentes e jovens no Brasil e no mundo – propiciada pelo chamado “bônus demográfico” – constitui uma oportunidade única para que a consecução do desenvolvimento em todas as suas dimensões seja sustentável. Para isso, Estados e sociedades devem reconhecer o potencial desses adolescentes e jovens e assegurar os meios para que as contribuições presentes e futuras desses segmentos tenham impactos positivos para suas trajetórias, suas famílias, comunidades e países.

Há inúmeras evidências de que as raízes da criminalidade grave na adolescência e juventude no Brasil se desenvolvem a partir de situações anteriores de violência e negligência social. Essas situações são muitas vezes agravadas pela ausência do apoio às famílias e pela falta de acesso destas aos benefícios das políticas públicas de educação, trabalho e emprego, saúde, habitação, assistência social, lazer, cultura, cidadania e acesso à justiça que, potencialmente, deveriam estar disponíveis a todo e qualquer cidadão, em todas as fases do ciclo de vida.

Várias evidências apontam que o encarceramento de pessoas, em geral, agrava sua situação de saúde e o seu isolamento, representando uma grande barreira ao desenvolvimento de suas habilidades para a vida. A redução da maioridade penal e o consequente encarceramento de adolescentes de 16 e 17 anos poderia acentuar ainda mais as vulnerabilidades dessa faixa da população à violência e ao crime6.

No Brasil, adolescentes a partir de 12 anos já são responsabilizados por atos cometidos contra a lei, a partir do sistema especializado de responsabilização, por meio de medidas socioeducativas, incluindo a medida de privação de liberdade, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Se tal sistema não tem conseguido dar respostas efetivas, é preciso aperfeiçoá-lo de acordo com o modelo especializado de justiça juvenil, harmonizado com os padrões internacionais já incorporados à Constituição Federal de 1988.

Além de estar na contramão das medidas mais efetivas de enfrentamento da violência, a redução da maioridade penal agrava contextos de vulnerabilidade, reforça o racismo e a discriminação racial e social, e fere acordos de direitos humanos e compromissos internacionais historicamente assumidos pelo Estado brasileiro.

Um dos compromissos fundamentais que o Brasil assume ao ratificar um tratado internacional é o de adequar sua legislação interna aos preceitos desse tratado, tal como assinala a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados7. Assim, a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), ratificada pelo Estado brasileiro no dia 24 de setembro de 1990, reconhece as crianças e os adolescentes como sujeitos e titulares de direitos, estabelecendo em seu artigo primeiro que criança é “todo ser humano com menos de dezoito anos de idade”8.

Em relação às responsabilidades das pessoas menores de 18 anos, a CDC estabelece claramente, em seus artigos 1, 37 e 40, que: (i) nenhuma pessoa menor de 18 anos de idade pode ser julgada como um adulto; (ii) deve se estabelecer uma idade mínima na qual o Estado renuncia a qualquer tipo de responsabilização penal; (iii) seja implementado no País um sistema de responsabilização específico para os menores de idade em relação à idade penal, garantindo a presunção de inocência e o devido processo legal, e estabelecendo penas diferenciadas, onde a privação da liberdade seja utilizada tão só como medida de último recurso.

O Sistema das Nações Unidas no Brasil reconhece a importância do debate sobre o tema da violência e espera que o Brasil continue sendo uma forte liderança regional e global ao buscar respostas que assegurem os direitos humanos e ampliem o sistema de proteção social e de segurança cidadã a todos e todas.

O Sistema ONU no Brasil reitera seu compromisso de apoiar o trabalho do País em favor da garantia dos direitos de crianças, adolescentes e jovens e convoca todos os atores sociais a continuar dialogando e construindo, conjuntamente, as melhores alternativas para aprimorar o atual sistema de responsabilização de adolescentes e jovens a quem se atribui a pratica de delitos.
Brasília, 11 de maio de 2015

NOTAS
1  Estimativa do UNICEF Brasil com base em dados do Levantamento SINASE 2012 e PNAD 2012.
2  Ocorreram aproximadamente 11 mil assassinatos de brasileiros de 0 a 19 anos em 2012. In: UNICEF. Hidden in plain sight: a statistical analysis of violence against children. 2014. P. 37. Disponível em: http://goo.gl/O3uhzE
3  Dados do SIM/DATASUS. In: UNICEF. Homicídios na Adolescência no Brasil. IHA, 2012. P. 12 e 57. Disponível em: http://goo.gl/U6odLu
4 UNITED NATIONS. Fact Sheet on Juvenile Justice, p.5. Vide http://goo.gl/ZPqCJT
5  Dados provenientes do relatório Situação da População Mundial 2014 (UNFPA, 2014). Vide http://goo.gl/FnP2Gq
6  UNODC. Da Coerção à Coesão (2010). Disponível em: http://goo.gl/MmxJt7

Fonte: ONU Brasil

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Os jovens e os crimes


Políticas públicas para o enfrentamento à criminalidade juvenil deveriam priorizar os programas de ampliação do capital social dos jovens e das comunidades vitimadas pela violência. Foi com esse tipo de ação que muitos países, mundo afora, conseguiram reverter ondas de violência juvenil. 

Jovens e negros. Esse é o perfil dos brasileiros que mais morrem por causas violentas – homicídios, suicídios ou acidentes de transporte – no país. 



O gráfico mostra as principais causas de morte violenta entre jovens e adultos no Brasil.
Apenas 26,4% dos jovens morrem de causas naturais. (fonte: SIM/SVS/MS)

A Organização Mundial da Saúde mapeou uma série de fatores que contribuem para a violência juvenil. Valem destacar alguns: fatores individuais; impulsividade e crenças agressivas (por exemplo, no poder das gangues); fracos resultados escolares; castigos físicos e violência doméstica; falta de supervisão e controle dos pais; associação com amizades de “delinquentes”; exposição à violência da mídia; exemplos e motivações de vizinhança e a falta de políticas de proteção social, devido a alta desigualdade de renda. Outro fator associado a este grupo emergente de agressores e vítimas é o uso crescente de armas de fogo.

O grande número de crimes envolvendo jovens tem evidenciado a necessidade de políticas públicas adequadas e duradouras para esse segmento social. Se o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, significou um grande avanço nas políticas de promoção dos direitos das crianças e adolescentes, o mesmo não se verifica em relação aos jovens.  A maioria dos autores e, principalmente, das vítimas de homicídios concentram-se nessa parcela da população (14 a 29 anos) que convive com altos índices de evasão escolar, dificuldades de acesso ao primeiro emprego e próxima a vários fatores de riscos, próprios da vida juvenil, mas que são potencializados devido à exclusão social desse segmento. Portanto, torna-se fundamental criar uma base de apoio para que os adolescentes e jovens não continuem à deriva.

Pesquisa do Ministério da Justiça revelou que o Brasil é o sexto país do mundo em número de jovens assassinados. Enquanto a taxa de mortes na população brasileira diminuiu nas últimas três décadas, a mortalidade na faixa etária de 15 a 24 anos aumentou.

            O que não podemos concordar é com a simplificação de um problema complexo. Virou lugar comum nas discussões acerca da problemática da violência juvenil reduzir esse dilema social a uma questão moral, como se se tratasse da luta do bem contra o mal. Os jovens do bem seriam aqueles que conseguem suplantar as armadilhas das drogas e do crime; os do mal, aqueles que se envolvem em atividades ilícitas. 


Parcelas da sociedade e dos gestores públicos insistem em desconhecer as causas estruturais do problema (vulnerabilidade familiar; deficiências nas políticas públicas de educação, saúde, assistência social e emprego; fracasso dos mecanismos tradicionais de controle social, entre outros). Enquanto isso, dia após dia o número de vítimas da criminalidade juvenil aumenta, a percepção da insegurança apavora a sociedade e certas soluções mentirosas são apresentadas como eficazes antídotos: redução da idade penal, pena de morte, etc.




        Programas e políticas públicas que combinam a prevenção à criminalidade, o combate ostensivo às várias modalidades de crime (incluindo o tráfico de drogas), tratamento e redução de danos para usuários e dependentes de drogas e ações duradouras de promoção da cidadania (escolas de qualidade, atenção às famílias carentes, geração de emprego e acesso aos serviços públicos) têm se mostrado eficientes no enfrentamento dessa situação.

Para diminuir a criminalidade juvenil é preciso ampliar o Estado Constitucional ao invés de aumentar o Estado Penal. 

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