Diante da prática delituosa espera-se que o Estado apure - nos estritos limites da lei -, processe a justiça de forma isonômica e, se for o caso, aplique alguma sanção com
celeridade àqueles que cometem crimes.
Beccaria, já no século XVIII, afirmava: “não é o rigor do
suplício que previne os crimes com mais segurança, mas a certeza do castigo”
(BECCARIA, 1746, p. 29). Alguns tradutores, atualizando a obra do famoso
milanês (dado que atualmente, pelo menos sob o ponto de vista formal e legal,
os suplícios inexistem), traduzem o texto da seguinte forma: “não é a dureza da
lei, mas a certeza da punição que previne os crimes”.
Neste sentido, a
eficiência do sistema de justiça criminal é ingrediente indispensável não
somente para a diminuição da sensação de impunidade, como também para a dissuasão
de práticas criminosas. Um sistema judiciário moroso e seletivo certamente
produz resultados negativos no sistema de segurança pública. No caso
brasileiro, os impactos da execução criminal são responsáveis, segundo o
Conselho Nacional de Justiça, pelas altas taxas de congestionamento de todo o
sistema judiciário brasileiro.
Obviamente, não é para promover a vingança,
segregar ou aniquilar o infrator (como desejam alguns segmentos conservadores e
reacionários da sociedade brasileira) ou ampliar as garras do estado penal que se exige mais efetividade da Justiça.
Assistimos extasiados a prisão de milhares de jovens acusados de tráfico de drogas porque portam algumas gramas de maconha e a total impunidade em relação aos grandes traficantes, como ocorreu em relação a apreensão de um helicóptero de políticos, transportando meia tonelada de cocaína. Persiste a pergunta: que país é este?
Ao contrário, a certeza da impunidade favorece
a prática de crimes. Vergonhosamente, para cada cem homicídios praticados,
apenas oito são totalmente processados pelo sistema de justiça criminal brasileiro e,
destes, somente dois têm os autores presos.
Pouco efetivos, mas às vezes
necessários, são os mutirões para concluir milhares
de inquéritos abertos e sem solução. Há pouco tempo, organizadores de um desses
mutirões anunciaram que de um total de 143 mil inquéritos de homicídios sem
solução, apenas 20% tiveram um fim e, destes, 80% foram arquivados, sem
qualquer solução. O número de casos remetidos ao Ministério Público para o oferecimento
de denúncia foi de parcos 3% do total.
Abrir mão da apuração dos crimes
sinaliza o fracasso do Estado e o caráter dúbio da Justiça (a aplicação da lei
dependerá de circunstâncias aleatórias). Resultado: para muitos, o crime poderá compensar.
Onde se localizam
os problemas da impunidade? Os baixos investimentos em estruturas de investigação, inteligência
e perícia das polícias são fatores que corroboram no caos do sistema de justiça
criminal. Mas, não podemos responsabilizar somente as polícias pela situação
desastrosa. Governantes insensatos, que se contentam com o “aqui e agora”, sempre
preferem investir nas ações de repressão – que aparentemente dão resultado (nem
que seja midiático) -, ao invés de direcionar os investimentos para uma polícia
mais eficiente; menos preocupada em prender e mais direcionada para a
elucidação dos crimes.
Polícias eficientes, que solucionam os crimes, oferecerem
ao Ministério Público processos robustos que, por sua vez, permitem ao Poder
Judiciário (se menos encastelado e seletivo) julgar com rapidez. Por fim, com
um sistema prisional direcionado somente para quem oferece risco social - e não
como instrumento para prender os pobres e negros e praticantes de crimes contra
patrimônio (que respondem por 65% da massa carcerária) -, teríamos um quadro de
maior efetividade da Justiça e a possível diminuição da impunidade. Afinal,
justiça tardia é a negação da justiça.
Somente repensando as estruturas
arcaicas, inquisitoriais e baseadas na intuição - que não respondem mais aos
reclamos de uma sociedade democrática -, que teremos um sistema de justiça que
faz jus deste nome.
Mas a situação não será resolvida
com medidas paliativas nem com reformas incrementais nas agências do sistema de
justiça criminal. Afinal, quando há pressão social ou midiática, as respostas
do Estado são sempre nos moldes dos "remendos novos em panos velhos". Resultado:
mantendo-se a atual estrutura, sem profundas reformas, o problema da impunidade associada ao aumento de crimes persistirá e
outras tantas ações enxuga-gelo serão sistematicamente implementadas.
A quem
interessa a atual situação de insegurança e impunidade?
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