sábado, 10 de março de 2018

Autoritarismo: ou, a volta daqueles que nunca foram



Já tratamos em diversos textos sobre a juristocracia tupiniquim. O conglomerado, formado pela chamada “carreira jurídica de estado”, principalmente por juízes, promotores e policiais, encrustado na burocracia pública, que opera como uma espécie de estado paralelo.

Um vídeo da ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, durante a XVI Conferência da Advocacia Mineira, em Juiz de Fora, entre os dias 8 e 10 de março, resume a ópera: [referindo a corrupção de juízes]: “sabe o que os meus colegas do CNJ diziam? É inconstitucional investigar juiz. Pronto”.

Esses segmentos conviveram pacificamente com a ditadura militar de 1964; não foram reformados pela Constituição Federal de 1988; convenceram as elites e classes médias, beneficiárias diretas de seus (bons) serviços, a vitaminarem seus poderes legais após a Constituição e foram se autonomizando a tal ponto de deixarem a condição de servidores da lei e fiadores da democracia e da República, a se transformarem em castas herméticas paraestatais, violando frontalmente os poderes que representam a vontade popular. Atualmente, qualquer prefeito é refém de um promotor.

Como está cada vez mais claro e evidente, o golpe de 2016 só foi possível por ações, omissões e conivências do sistema de justiça que, assistindo de camarote a usurpação da Constituição por diversas vezes (inclusive em transmissões ao vivo, como no caso do vazamento do telefonema entre a presidenta Dilma e Lula), preferiu “dormir em berço esplêndido” enquanto uma horda de malfeitores, a serviço do rentismo internacional e dos privilegiados nativos, preparava a facada final, através do fajuto impeachment sem crime de responsabilidade. Encenação tão mal-ajambrada que a presidenta cassada não perdeu seus direitos políticos, a denunciar a patifaria que se constituiu tal processo de exceção.

Qualquer cidadão que entende um mínimo de estado democrático de direito compreende que o golpe de 2016 se caracterizou pelo fato de um grupo minoritário ter tomado o poder sem respaldo e delegação popular, desrespeitando a decisão da maioria e afrontando os mecanismos institucionais e jurídicos do dito estado democrático e, por mais esdrúxulo que possa parecer, tal golpe ter sido respaldado por ações judiciais. 

Pois muito bem.  Depois de implantarem um programa de governo rejeitado pelas urnas, com as vênias pomposas da justiça eleitoral, e passados dois anos da empreitada, as pesquisas de opinião pública apontam o total desdém do povo em relação ao conglomerado golpista, formado pela fusão dos três poderes que operam contra o povo e os interesses da Nação. Temer et caterva, o Congresso - majoritariamente formado por larápios - e o judiciário da Casa Grande são objeto de reprovação da maioria dos brasileiros.

Enquanto foi possível substituir os tanques pelas togas, o golpe funcionou precariamente, com disputas vergonhosas, à la faroeste caboclo, pelos despojos da trama entre os usurpadores e devido a resistência popular que se avolumava, apesar da narrativa manipuladora da mídia nativa.

Mas, aproximando-se das eleições de outubro vindouro e haja vista a total desaprovação popular de todos os nomes do conglomerado usurpador que pleiteiam o Planalto, as aparências ruíram e foi ficando claro que o golpe corria risco.  Portanto, só restava recorrer à caserna para manter o projeto “de salvação nacional”, como dizia o impoluto conselheiro presidencial, o senador Romero Jucá.

Agora, fica claro: os grupos que empreitaram o golpe de 1964 estão novamente juntos e misturados: as elites e a mídia nacionais a serviço dos interesses norte-americanos, o sistema judicial-policial e as Forças Armadas.

Infelizmente, tivemos a lei da anistia que jogou uma pá de cal nos torturadores, ratificada solenemente pelo Supremo, diga-se de passagem; depois, a Constituição Federal de 1988 não reformou os sistemas de justiça e de segurança. Os governos democráticos, sempre governando com coalizões conservadoras, não enfrentaram as reformas estruturais que poderiam colocar freios no poder das corporações midiáticas e na sanha predatória das elites nacionais de mentalidade escravocrata.

Resultado: a repressão institucionalizada que caracterizou o golpe de 1964 está novamente montada no país e a intervenção no Rio é somente a face mais evidente dessa quadra do golpe.