domingo, 25 de junho de 2017

NO CENTRO DA CRISE INSTITUCIONAL, O PODER JUDICIÁRIO


Nos últimos tempos - devido ao enfraquecimento dos poderes Legislativo e Executivo (fruto da corrupção generalizada; a narrativa policialesca da mídia a criminalizar a política; a fragilização da democracia representativa: um fenômeno mundial) -, observamos no Brasil o empoderamento de juízes e promotores: em certos momentos, definindo os rumos da política, numa explícita subversão à ordem democrática, segundo a qual, todo poder emana do povo por meio de seus representantes eleitos. Noutros, utilizando de chantagem, lawfare e da discricionariedade (muitas vezes autoritária), para perseguir, humilhar publicamente e definir o funcionamento das instituições e dos poderes.


O processo de centralidade do Judiciário no país se iniciou com a judicialização da política (no mensalão), derivando na politização da justiça (nas posturas e decisões de Sérgio Moro, Rodrigo Janot e Gilmar Mendes, na lavajato, p. ex.) e culminou com a partidarização da justiça (com as nomeações de Moraes para o STF e, mais recentemente, de Admar Gonzaga e Tarcisio Vieira, para o TSE).



Nesta semana, o Judiciário - que muitas vezes usurpa da sua função constitucional ao se arvorar como cerne do poder da república - estará, enfim, no epicentro da crise institucional que assola o país: a decisão de Moro, o torquemada das araucárias (que provavelmente condenará Lula sem provas, fazendo o jogo-sujo daqueles que querem retirar o ex-presidente das disputas eleitorais) e a decisão do Supremo em relação a prisão (ou não) de Aécio Neves, o megadelatado que tem o maior conjunto probatório a comprovar suas traquinagens no poder, escancarará ao mundo que tipo de justiça existe no país.

O Judiciário, apesar de sempre poupado pela mídia e pelas elites, é um poder elitista, que convive e ratifica uma sociedade de base escravocrata, a perpetuar interesses das elites e não, necessariamente, a prática da justiça.

Há bons juízes e promotores; mas os tribunais no país são repletos de políticos; nem sempre de magistrados. Como escreveu o professor Fábio Konder Comparato, o judiciário no Brasil é um poder submisso às elites, corrupto em sua essência e comprometido com a injustiça.

Por isso, é bom estarmos preparados para conviver, mais um vez, com absurdos ungidos pela justiça brasileira. Quem conhece o sistema de justiça criminal neste país convive com absurdos cotidianamente. Tudo em nome da "lei": essa invenção liberal-democrática criada para garantir a liberdade, a igualdade, a isonomia e a justiça, mas que acaba se transformando nos governos antipopulares, antinacionais, antidemocráticos e neoliberais numa armadilha a ratificar os interesses dos poderosos. Ou seja, "lei e ordem".

Não custa nada lembrar alguns fatos abençoados pela mais alta corte da justiça de nosso país: em 1936, o STF negou habeas corpus a Olga Benario Prestes, permitindo que ela fosse deportada para a Alemanha nazista, onde viria a ser assassinada; em 1967, negou o pedido de extradição do carrasco Franz Paul Stangl para ser julgado na Polônia; em 1946, desconheceu o recurso contra a cassação do registro do Partido Comunista do Brasil e o PCB foi fechado em plena democracia; em 1947, negou recurso contra a cassação dos mandatos dos parlamentares do PCB, permitindo a anulação dos direitos políticos de Luiz Carlos Prestes, Jorge Amado, Carlos Marighella, entre outros. 

O STF conviveu pacificamente com o golpe militar de 1964; foi conivente ao AI 5, em 1968; em 1971, sancionou o decreto 1.077/70, que estabelecia a censura prévia; ratificou a malfadada lei da anistia; aceitou o confisco da poupança por Collor, em 1990.

Em 1999, mandou soltar o banqueiro Salvatore Cacciola; em 2008, libertou o banqueiro Daniel Dantas; em 2011, libertou o médico estuprador Roger Abdelmassih. (Enquanto isso, nossas prisões estão abarrotadas, com quase a metade dos possíveis infratores sem uma sentença definitiva).

E para terminar essa pequena lista de proezas,  a mais alta corte a justiça, vergonhosamente, dormiu em berço esplêndido enquanto uma quadrilha, uma imensa organização criminosa (segundo Joesley), arquitetava, consolidava e impunha um golpe em 2016. 

Hoje, a justiça brasileira está mais na condição de ser sentenciada do que proferir sentenças. 

Estranho o fato de o Datafolha não ter avaliado a percepção da justiça pelos brasileiros na sua última pesquisa, recentemente divulgada. 

Mas a verdade é que não interessa às elites expor o poder que sempre as protegeu. Por isso, o reforço da mídia, principal vocalizadora das demandas dos poderosos, à narrativa de criminalização da política. 

Os pouquíssimos (empresários, latifundiários e rentistas e seus prepostos) que ganham com o golpe e com a mais profunda crise institucional da república sabem: no pior dos mundos, o judiciário garantirá os interesses dos verdadeiros donos do poder.

Ainda há tempo para que o poder Judiciário recupere alguma legitimidade institucional: isso será verificado nas posturas do STF nessa e nas próximas semanas...