sexta-feira, 1 de maio de 2015

Sobre a vida na cidade

O que é mais importante numa cidade? O mobiliário urbano? Os sistemas de transporte, com largas avenidas permitindo o fluxo constante dos automóveis? A gestão pública eficiente, que se pauta  pela equação cujo resultado é sempre medido pelas variáveis custo e benefício?

Tudo isso pode contribuir para a melhoria da qualidade de vida urbana. Mas, certamente, o mais importante na cidade é a convivência entre as pessoas, a civilidade, a vivência solidária no espaço público; enfim, o conjunto das relações humanas que se realizam nos espaços urbanos. A cidade deveria ser um espaço de interação e não de exclusão.



Por que as cidades pequenas são, geralmente, menos violentas? Porque há uma relação de solidariedade entre as pessoas. As relações vicinais são mantidas e valorizadas. Todos zelam pela boa convivência com vizinhos, amigos e conhecidos. Nesses locais, onde uns ajudam e se solidarizam com os outros há pouco espaço para a ação dos infratores. Mecanismos de vigilância informal são, muitas vezes, mais eficientes que estratégias baseadas em aparatos policiais, por exemplo.

A cidade deveria ser um espaço de interação e não de exclusão.


Diferentemente das pequenas cidades, nos grandes centros urbanos observamos situações que colocam à prova o modo de vida individualista, ancorado numa sensação/percepção equivocada segundo a qual a segurança privada é suficiente para resolver todos os problemas derivados da (in)segurança pública.

Há poucos dias, lia uma reportagem que narrava o acontecido num prédio de alto luxo: um ladrão usava o elevador, passando de um andar ao outro, sem que os vizinhos notassem a presença do estranho. Isto porque os vizinhos, apesar de morarem no mesmo edifício, não se conheciam.

Mecanismos de vigilância informal são, muitas vezes, mais eficientes que estratégias baseadas em aparatos policiais, por exemplo.

Se há menos coesão social e solidariedade vicinal, há espaço para mais violência. Onde há muito individualismo, paradoxalmente, há mais exposição ao risco individual e coletivo.

A vida na cidade propicia vários desafios para os gestores públicos, mas também para todos os que estudam, planejam, administram e vivem nas cidades. Uma cidade democrática é fruto de uma construção coletiva, de um pacto sócio-político a promover as ações voltadas para o respeito e proteção aos direitos coletivos; a garantir a presença e a manifestação das diferentes culturas e dos vários modos e estilos de vida no espaço urbano, sem distinção.

O direito à cidade busca combater as desigualdades resultantes de um processo de urbanização acelerado e sem planejamento

Originalmente, a definição latina de cidade (civitas-civitatis) era a reunião de cidadãos; lugar onde se respeita o direito do cidadão. Contemporaneamente, voltou-se a discutir o tema do direito à cidade.

O direito à cidade busca combater as desigualdades resultantes de um processo de urbanização acelerado e sem planejamento.

Hoje, mais da metade da população do planeta – cerca de 3,4 bilhões de pessoas – vive em cidades. E as previsões indicam que o processo de urbanização continuará a ocorrer rapidamente, sendo marcado pela precariedade e informalidade da ocupação do solo. Atualmente, estima-se que um terço dos habitantes das cidades está em favelas e assentamentos informais.

De acordo com um dos principais  teóricos do direito à cidade, o geógrafo americano David Harvey, “o direito à cidade não pode ser concebido simplesmente como um direito individual. Ele demanda um esforço coletivo e a formação de direitos políticos coletivos ao redor das solidariedades sociais” (A Liberdade da Cidade. Revista Espaço e Tempo, 2009).

Infelizmente, observamos nas cidades a criação de guetos que segregam parte dos cidadãos: condomínios fechados, por exemplo, que isolam uma parte das pessoas; favelas, que excluem outros tantos. Será que as relações sociais comportam (ou melhor, suportam) o abismo entre estes "dois mundos" num mesmo espaço, a cidade? Esse colossal fosso tem sustentação numa sociedade que se diz democrática?

“(...) o direito à cidade não pode ser concebido simplesmente como um direito individual.”

Em muitas cidades, o interesse privado (de construtoras e imobiliárias, por exemplo) parece sobrepor-se aos interesses públicos. Ao invés de uma expansão planejada, para atender as demandas dos cidadãos, as cidades estão à mercê do mercado especulativo imobiliário. Isso é repugnante...

Como possibilitar novos modos, espaços e condições de vida que favoreçam as relações sociais nas cidades? Qual o papel de cada um de nós, cidadãos que vivemos nas cidades?

Os responsáveis pela políticas públicas deveriam contrapor essa lógica  segregadora, garantindo a inclusão de todos os indivíduos no espaço urbano, com dignidade, respeito à alteridade e às diferentes formas de vida. Isto significa uma convivência saudável, por exemplo, com os moradores de rua - tão discriminados!

Neste sentido, uma ação fundamental para a construção de espaços urbanos mais humanizados se dá através da ampliação de mecanismos de participação social na gestão das cidades. E para tanto, há que se investir na educação política dos cidadãos.