domingo, 30 de outubro de 2016

Mais um "milagre" do Papa Francisco?


 
Papa Francisco recebe presidência da CNBB
Da esquerda para a direita: Dom Murilo Krieger, vice-presidente;
Dom Sergio (centro), presidente e Dom Leonardo, secretário-geral.
 (20/10/2016) - Fonte: CNBB/CTV
Estou surpreso com uma nota publicada no Facebook da Arquidiocese de Salvador (abaixo). Nela, Dom Murilo Krieger, primaz do Brasil, não somente faz uma defesa contundente do posicionamento vigoroso da CNBB (desta semana) contra a PEC 241 (agora PEC 55, no Senado), como vai além. Diz, por exemplo, que "para o capital mundial, esta PEC é tudo o que ele gostaria de ver aprovado. Os bancos, que já ganharam muito nos últimos anos, vão ganhar ainda mais. Sobrará dinheiro para investirem na imprensa, dizendo que esse sacrifício é mesmo necessário para o bem "do Brasil". 

Dom Murilo pergunta: "Se a PEC 241 é tão boa assim, porque seu conteúdo não foi colocado para a sociedade discutir? Por que foi aprovada pela Câmara Federal tão rapidamente? (Alguém se lembra de outra Proposta de Emenda à Constituição aprovada em tão pouco tempo?...)"

E o arcebispo de Salvador desafia: "chamar de marxista quem pensa diferente de nós é o mesmo que condenar Jesus por ter dito aos apóstolos, diante da fome da multidão: "Dai-lhes vós mesmos de comer!" Se pensar nos pobres e nos que mais serão afetados pela PEC 241 for um gesto marxista, perguntemo-nos: O que fazer com o Evangelho e a Doutrina Social da Igreja, dele consequente?"

Minha (grata) surpresa é porque o arcebispo de Salvador é considerado um dos prelados mais conservadores da Igreja do Brasil. Recentemente, por exemplo, ele explicitou sua insatisfação com um projeto de reforma política encabeçado pela CNBB e o Movimento de Combate à Corrupção, entre outras entidades. Quando foi nomeado para a primeira arquidiocese do Brasil, em 2011, comentava-se tratar de uma estratégia do Papa Bento XVI para reforçar a ala conservadora no país...

Há um imenso simbolismo num prelado que é primaz, ou seja, o primeiro; da primeira diocese do Brasil, criada em 1551. Francisco, quando foi eleito, disse que era simplesmente o bispo de Roma, o primaz da Igreja. Ser primaz da Igreja no Brasil sempre foi um papel de destaque...

O que teria mudado na cabeça do arcebispo primaz do Brasil? 

Lembro dia 20 de outubro, dom Murilo, juntamente com o presidente da CNBB, Dom Sérgio (recém nomeado cardeal pelo Papa Francisco), e o secretário da entidade, Dom Leonardo, estiveram reunidos com o Papa Francisco, ocasião na qual o pontífice anunciou que não virá ao Brasil no ano de 2017 (foto acima). 

Será que a conversa com o Papa foi importante para um posicionamento mais claro e incisivo da Igreja no Brasil sobre o recrudescimento de medidas governamentais e judiciais que atingirão fundamentalmente a vida dos mais pobres e excluídos da nossa sociedade?

Vale a pena ler a nota na íntegra. E se surpreender, também: 

"O Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, scj, em apoio a nota publicada pela CNBB sobre a PEC 241, publicou as seguintes observações:

Quanto às reações à NOTA DA CNBB PEC 241, aprovada pelo Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, tenho a dizer o seguinte:

1º - "Um ponto de vista, é a vista de um ponto!" O Conselho Permanente da CNBB emitiu esta Nota consciente de que é preciso alertar a Nação para os males da PEC 241. Procurou colocar-se, pois, do ponto de vista dos mais necessitados e que mais sofrerão suas consequências. Se a PEC 241 é tão boa assim, porque seu conteúdo não foi colocado para a sociedade discutir? Por que foi aprovada pela Câmara Federal tão rapidamente? (Alguém se lembra de outra Proposta de Emenda à Constituição aprovada em tão pouco tempo?...). Afinal, não se trata de uma Proposta qualquer, mas de uma proposta de emenda àquele que é o nosso texto principal: a Constituição.

2º - Com a PEC 241 haverá limites para o investimento em saúde, educação etc., mas não foi colocado limite algum para o pagamento dos juros da dívida pública. Aliás, por que o Governo não faz uma auditoria da dívida pública? Não fazendo, apenas repete o comportamento do Governo anterior que, antes de ser eleito, falou muito da necessidade de fazer essa auditoria; ficou no Governo 14 anos e nada fez. Vamos continuar assim, simplesmente pagando juros?

3º - Para o capital mundial, esta PEC é tudo o que ele gostaria de ver aprovado. Os Bancos, que já ganharam muito nos últimos anos, vão ganhar ainda mais. Sobrará dinheiro para investirem na Imprensa, dizendo que esse sacrifício é mesmo necessário para o bem "do Brasil".

4º - Chamar de marxista quem pensa diferente de nós é o mesmo que condenar Jesus por ter dito aos apóstolos, diante da fome da multidão: "Dai-lhes vós mesmos de comer!" Se pensar nos pobres e nos que mais serão afetados pela PEC 241 for um gesto marxista, perguntemo-nos: O que fazer com o Evangelho e a Doutrina Social da Igreja, dele consequente?

5º - Cada qual tem direito de pensar diferente; a própria Nota incentiva o diálogo, que não tem havido. Peço apenas, aos que pensam diferente do que está na referida Nota, que a guardem e a releiam daqui a 3 ou 4 anos...
Quem viver, verá.

Em Cristo Jesus,

Dom Murilo S. R. Krieger, scj
Arcebispo de Salvador

Primaz do Brasil

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Numa republiqueta em frangalhos, a esperança que vem dos jovens




Se não fosse trágico, seria cômico. O discurso oficial, velho e apodrecido, das instituições da república e da mídia oligopolizada tenta, a todo custo, propagandear uma pseudonormalidade enquanto o país pega fogo nas múltiplas reações contra um governo que não tem compromisso com o povo e o estado de direito e seus aliados no Congresso e no Judiciário.

Mais de 1100 instituições de ensino ocupadas; greves; uma estrondosa indignação contra os usurpadores nas redes sociais; uma população que se afasta da velha política e não cansa de mandar recados aos sabujos do dinheiro e do poder. E tudo parece normal: a mídia nativa pauta a "torta de berinjela" enquanto "la nave va".

O presidente-usurpador, esse vampiro à brasileira, tripudia dos trabalhadores e do povo, dentro do Palácio do Planalto, para o gozo dos perversos que sustentam a coalização golpista. Como escreveu recentemente o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, “quando autoridades se comportam como moleques, como moleques serão tratadas. Se adotarem discurso e comportamento de botequim, não poderão se queixar quando começarem a voar garrafas e sopapos.” Referia-se aos magistrados prepotentes; mas o recado vale também para presidentes e parlamentares.

Mas, voltemos nossa atenção para o executivo federal: um ajuntamento de interesseiros, com as calças às mãos, borradas, sem saber o que ocorrerá no  day after caso Odebrecht ou Cunha resolvam abrir o bico.

Agora, miremos o Congresso: uma turba, salvo exceções, de bandidos da pior qualidade.

Restaria, então, algum consolo se, pelo menos, tivéssemos um judiciário íntegro. Mas, no que se transformou o STF? Numa corte sem moral; de ególatras que não respeitam a Constituição, nem o Estado de Direito. Um ajuntamento de pedantes que só se preocupam com seus egos e seus umbigos.

O golpe transformou o Brasil numa republiqueta das bananas. Quanto Temer vai ao exterior, é tratado com desdém e todos se afastam do impostor nas fotos oficiais. Uma vergonha monumental. Mas, a maior piada nacional é o mantra midiático-caquético-institucional segundo o qual “as instituições estão funcionando”.

O governo não tem legitimidade; o Parlamento, idem. E, sejamos francos: o Judiciário não pode virar um monstro perverso, maior do que já é. A juristocracia é o pior dos mundos.

Nossa esperança vem da rapaziada que dá uma lições de cidadania, inclusive para os professores: são nas ocupações e nos movimentos sociais onde se aprende o que é política, porque nosso sistema educacional se omite nesse quesito. E é por isso que a direita fascista fala tanto em “escola sem partido”.

Ainda bem que para compensar a musa destrambelhada do impeachment, aquela advogada ensandecida do establishment acadêmico, há muitas Anas Júlias que, enfrentando os velhos políticos incrustados na Assembleia Legislativa do Paraná, a república tirânica de Moro, disse em alto e bom som: É um insulto a nós que estamos lá [nas ocupações das escolas], nos dedicando, procurando motivação todos os dias, a sermos chamados de doutrinados. É um insulto aos estudantes, é um insulto aos professores. A nossa dificuldade em conseguir formar um pensamento é muito maior do que a de vocês. Nós temos que ver tudo o que a mídia nos passa, fazer um processo de compreensão, de seleção, para daí conseguir ver do que a gente vai ser a favor e do que a gente vai ser contra. (...) Vocês estão aqui representando o Estado, e eu convido vocês a olharem a mão de vocês. A mão de vocês está suja com o sangue do Lucas. Não só do Lucas, mas de todos os adolescentes e estudantes que são vítimas disso.


É do novo, dos jovens politizados – que tanto amedrontam os velhos esquemas institucionais e seus operadores -, que virão as mudanças. 

Quem ainda confia nos caquéticos esquemas político-institucionais está fadado à desesperança.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Ouro de Tolo

A pirotecnia – recurso utilizado em doses cavalares pelas elites, mídia e justiça desde 2014 - não resolve a decadência de um sistema apodrecido. Neste sentido, a mais recente pirotecnia, a prisão de Cunha, funciona como uma espécie de "ouro de tolo": esconde a motivação real, porque, muito provavelmente, será usada como lenitivo à prisão de Lula. Ademais, é uma tentativa de se passar à opinião pública a impressão que o judiciário é isento e isonômico e vivemos na normalidade democrática. Ou seja, trata-se de dar sobrevida a um governo golpista e um projeto de sociedade caquético, podre, elitista e excludente.

Não nos iludamos nas promessas de falsos alquimistas. Após a carta publicada na Folha, nesta segunda, na qual o ex-presidente desafiou o judiciário da casa grande, não sobrou alternativa aos líderes inquisitoriais, muitos deles incrustados na justiça.

E, a pesquisa de intenção de votos colocando Lula na dianteira da disputa em 2018, também divulgada nas redes sociais, prova que, apesar da globo golpista e suas sucursais, o povo não engoliu o enredo golpista. Portanto, resta àqueles que usurpam do poder sufocar qualquer liderança que inviabilize o projeto golpista.

Lula, inteligentemente, mesmo acuado, consolidou com o artigo a narrativa acerca da excepcionalidade e seletividade da sina persecutória e justiceira que abate sobre si.

O ex-presidente argumentou, também, que sua prisão tem como principal objetivo enterrar os desejos e esperanças de um povo; uma nação; um projeto de país mais justo, igualitário e onde caibam todos os brasileiros e brasileiras. Neste ponto, registrou as relações imbricadas da trama golpista, envolvendo as elites (políticas, midiáticas, empresariais e parlamentares), segmentos da justiça e os interesses alienígenas que patrocinaram tal empreitada.

Objetivamente, ao rejeitar qualquer proposta para escapar dos justiceiros, Lula criou as condições para a resistência ao estado de exceção em franca expansão no país.

Para os golpistas resta agora somente o velho recurso da "lei e da ordem".

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

O que nos diz o ronco (sufocante) das urnas?


Apurados os votos, é hora de análises. Lembrando que análises são parciais e explicitam o ponto de vista do analista. Portanto, também são eivadas de intenções e intencionalidades. Isenção é conversa para boi dormir. Se existe, deve ser no mundo das ideias, de Platão.

1. O endireitamento da política: por mais paradoxal, o resultado das eleições é o oposto daquilo que os cidadãos mais almejam desde as manifestações de 2013, ou seja, a renovação na política. O Brasil que sai das urnas é um país de direita e conservador. O encolhimento do PT e a pouca, apesar de importante, expressividade dos demais partidos do campo à esquerda mostra que o triunfo momentâneo é do discurso e das práticas conservadores.

1.1. É óbvio que a criminalização da política em geral e do PT, em particular, contribuíram para esse resultado. A Operação Lava-Jato é questionável sob o ponto de vista jurídico, mas eficientíssima sob o ponto de vista política. Em relação à criminalização da política há que se destacar o papel da mídia que, intencionalmente e em doses cavalares, propaga a ideia segundo a qual a política é o espaço da corrupção. Com isso, consegue o afastamento de imenso contingente do eleitorado da disputa, abrindo extenso caminho para que as velhas elites políticas e econômicas possam voar em céu de brigadeiro. A campanha curtíssima e com financiamento limitado favoreceu, mais uma vez, os donos do dinheiro.

1.2. Mas, é preciso reconhecer que o sistema político continuou hermético em relação às demandas por renovação da política institucional. E, certamente, quem mais perdeu com essa postura arrogante foi a esquerda que não se renovou, perdeu parte significativa da classe média e apostou nas mesmas táticas eleitoreiras.

2. A imensidão de votos nulos, brancos e abstenções país afora sinaliza, claramente, o fracasso do atual sistema político. Imagine se o voto fosse facultativo. Candidaturas como a de Bolsonoro estariam viabilizadas nesse contexto, porque os grupos que têm alto poder de vocalização (da classe média) não abrem mão das suas escolhas. Sem uma profunda reforma do sistema político, a fragilíssima e excludente democracia brasileira retrocederá aos patamares pré-Constituição de 1988 em pouquíssimo tempo.

2.1. Os votos nulos, brancos e abstenções devem ser compreendidos também como um desdém do eleitor aos mecanismos institucionais que distorcem e pervertem a vontade popular: historicamente, o chamado coeficiente eleitoral cumpre esse papal, ao priorizar as elites partidárias e os donos do dinheiro que dominam os partidos. E, nos dias atuais, o impeachment sinalizou ao eleitor que o respeito às deliberações populares nem sempre é constitutivo do nosso sistema político. Muitos questionam, com razão: para que votar nessas circunstâncias?

3. Nem toda novidade é nova: candidatos kamikaze como Dória, em São Paulo, e Kalil, em BH mostram que a novidade pode vir travestida do que há de mais conservador e retrógrado. Os discursos apolíticos são altamente políticos. Ademais, observamos também alterações expressivas em algumas câmaras de vereadores com o incremento das bancadas evangélica, policial e de lideranças sociais com trabalho assistencialista. Ou seja, às vezes, a novidade é muito velha.

3.1. Marcelo Freixo, no Rio, não deixa de ser novidade à medida que o PSOL nunca participou ativamente do sistema político tradicional; sempre foi alijado, inclusive por setores da esquerda. Porém, na disputa com o bispo da Universal (que provavelmente aglutinará todo o segmento conservador do Rio) teremos a prova dos noves da força catalisadora em torno da aliança entre os segmentos de esquerda na Cidade Maravilhosa.

4. Os ideais da esquerda são muito maiores que os partidos de esquerda: é preciso registrar que os ideais e os militantes das esquerdas não se enquadram nos partidos que representam esse campo. Portanto, avalio que não há uma derrota das esquerdas, mas uma derrota dos partidos de esquerda. Isso significa que, ou esses partidos se reciclam e voltam às bases ou essa fragmentação e falta de representatividade institucional do campo levará ao recrudescimento da direita. Há que se reconhecer: a direita é muito mais tática e estratégica na disputa pelo poder e conta, sempre, com poderosos aliados no empresariado, na mídia, nos sistemas judicial e policial e na classe média tradicional.

5. A classe média, por mais que a critiquemos, é sempre o fiel da balança nas disputas eleitorais e, mais amplamente, nas disputas pelo poder. Além de (de)formadora da opinião pública, comparece às urnas e têm alto poder de vocalização de suas demandas. Por isso, é tão mimada pela direita tradicional. Qualquer mudança mais substantiva no sistema político (como ocorreu em 2013 com a eleição de Lula) passa pela classe média que se encontra dividida: o segmento tradicional e conservador altamente coeso foi o grande vencedor desse pleito; o segmento progressista encontra-se bastante esfacelado e sem grandes perspectivas. Se os partidos de esquerda pretendem retomar algum protagonismo político há, pelo menos, dois caminhos: refundação e diálogo com os segmentos progressistas da classe média.

6. O Texas à brasileira e as eleições 2018: nessas eleições, todos os caciques políticos - de todos os matizes, inclusos aqueles das grandes plumagens – estavam interessados à disputa que ocorrerá daqui a dois anos. Nesse sentido, o grande vitorioso é Geraldo Alckmin que não somente emplacou um playboy, transformado em mocinho, como também fragilizou por demais o PT em todo o estado, inclusive no seu berço, o ABC paulista. Assim como o Texas é um estado republicano, rico e conservador, nas suas raízes, São Paulo, guardando as devidas proporções, se transforma numa espécie de Texas à brasileira. E aquele que era chamado de “picolé de chuchu” se credencia para disputar, com força, as eleições presidenciais.

6.1. As disputas que se iniciarão dentro do PSDB, por um lado, e da base aliada do governo, por outro, com vistas às eleições de 2018 poderão aprofundar ainda mais o quadro de instabilidade institucional, apesar da aparente normalidade. Se somarmos a insatisfação dos cidadãos – devido ao aprofundamento da crise econômica e o avanço das pautas retrógradas no Congresso -, com eventuais desfechos da operação lava-jato, cada vez mais policialesca e inquisitorial, teremos ingredientes a detonarem uma crise ainda mais severa, com resultados imprevisíveis.

7. Sobre as velhas raposas: excluindo Alckmin, de uma maneira geral as elites partidárias foram solenemente apartadas do protagonismo dessas eleições. Em muitos casos, sequer apareceram nos programas eleitorais dos candidatos de seus partidos. Mas, não nos enganemos: nos bastidores, essas elites continuam dando as cartas e definindo os rumos das agremiações. As raposas sabem que a política de bastidor, em boa medida, define o processo político.