Apurados
os votos, é hora de análises. Lembrando que análises são parciais e explicitam
o ponto de vista do analista. Portanto, também são eivadas de intenções e
intencionalidades. Isenção é conversa para boi dormir. Se existe, deve ser no mundo das
ideias, de Platão.
1. O endireitamento da política: por mais paradoxal, o resultado das
eleições é o oposto daquilo que os cidadãos mais almejam desde as manifestações
de 2013, ou seja, a renovação na política. O Brasil que sai das urnas é um país
de direita e conservador. O encolhimento do PT e a pouca, apesar de importante,
expressividade dos demais partidos do campo à esquerda mostra que o triunfo momentâneo
é do discurso e das práticas conservadores.
1.1. É óbvio que a criminalização da política em geral e
do PT, em particular, contribuíram para esse resultado. A Operação Lava-Jato é
questionável sob o ponto de vista jurídico, mas eficientíssima sob o ponto de
vista política. Em relação à criminalização da política há que se destacar o
papel da mídia que, intencionalmente e em doses cavalares, propaga a ideia segundo
a qual a política é o espaço da corrupção. Com isso, consegue o afastamento de imenso contingente do eleitorado da disputa, abrindo extenso caminho para que as velhas elites políticas
e econômicas possam voar em céu de brigadeiro. A campanha curtíssima e com
financiamento limitado favoreceu, mais uma vez, os donos do dinheiro.
1.2. Mas, é preciso reconhecer que
o sistema político continuou hermético em relação às demandas por renovação da
política institucional. E, certamente, quem mais perdeu com essa postura
arrogante foi a esquerda que não se renovou, perdeu parte significativa da
classe média e apostou nas mesmas táticas eleitoreiras.
2. A imensidão de votos nulos, brancos e abstenções país
afora sinaliza, claramente, o fracasso do atual sistema político. Imagine
se o voto fosse facultativo. Candidaturas como a de Bolsonoro estariam
viabilizadas nesse contexto, porque os grupos que têm alto poder de vocalização
(da classe média) não abrem mão das suas escolhas. Sem uma profunda reforma do
sistema político, a fragilíssima e excludente democracia brasileira retrocederá
aos patamares pré-Constituição de 1988 em pouquíssimo tempo.
2.1. Os votos nulos, brancos e abstenções
devem ser compreendidos também como um desdém do eleitor aos mecanismos
institucionais que distorcem e pervertem a vontade popular: historicamente, o
chamado coeficiente eleitoral cumpre esse papal, ao priorizar as elites
partidárias e os donos do dinheiro que dominam os partidos. E, nos dias atuais, o impeachment sinalizou ao eleitor que o respeito às deliberações populares
nem sempre é constitutivo do nosso sistema político. Muitos questionam, com
razão: para que votar nessas circunstâncias?
3. Nem toda novidade é nova: candidatos kamikaze como Dória, em São Paulo, e Kalil, em BH mostram que a
novidade pode vir travestida do que há de mais conservador e retrógrado. Os discursos apolíticos são altamente políticos. Ademais, observamos também alterações expressivas em algumas câmaras de vereadores com o
incremento das bancadas evangélica, policial e de lideranças sociais com trabalho
assistencialista. Ou seja, às vezes, a novidade é muito velha.
3.1. Marcelo Freixo, no Rio, não
deixa de ser novidade à medida que o PSOL nunca participou ativamente do sistema
político tradicional; sempre foi alijado, inclusive por setores da esquerda.
Porém, na disputa com o bispo da Universal (que provavelmente aglutinará todo o
segmento conservador do Rio) teremos a prova dos noves da força catalisadora em
torno da aliança entre os segmentos de esquerda na Cidade Maravilhosa.
4. Os ideais da esquerda são muito maiores que os partidos de esquerda: é
preciso registrar que os ideais e os militantes das esquerdas não se enquadram
nos partidos que representam esse campo. Portanto, avalio que não há uma
derrota das esquerdas, mas uma derrota dos partidos de esquerda. Isso significa
que, ou esses partidos se reciclam e voltam às bases ou essa fragmentação e
falta de representatividade institucional do campo levará ao recrudescimento da
direita. Há que se reconhecer: a direita é muito mais tática e estratégica na
disputa pelo poder e conta, sempre, com poderosos aliados no empresariado, na
mídia, nos sistemas judicial e policial e na classe média tradicional.
5. A classe média, por mais que a critiquemos, é sempre o fiel da
balança nas disputas eleitorais e, mais amplamente, nas disputas pelo poder. Além
de (de)formadora da opinião pública, comparece às urnas e têm alto poder de vocalização de
suas demandas. Por isso, é tão mimada pela direita tradicional. Qualquer
mudança mais substantiva no sistema político (como ocorreu em 2013 com a eleição de Lula) passa pela classe média que se
encontra dividida: o segmento tradicional e conservador altamente coeso foi o
grande vencedor desse pleito; o segmento progressista encontra-se bastante
esfacelado e sem grandes perspectivas. Se os partidos de esquerda pretendem
retomar algum protagonismo político há, pelo menos, dois caminhos: refundação e diálogo com os
segmentos progressistas da classe média.
6. O Texas à brasileira e as eleições 2018: nessas eleições, todos os
caciques políticos - de todos os matizes, inclusos aqueles das grandes
plumagens – estavam interessados à disputa que ocorrerá daqui a dois anos.
Nesse sentido, o grande vitorioso é Geraldo Alckmin que não somente emplacou um
playboy, transformado em mocinho, como também fragilizou por demais o PT em
todo o estado, inclusive no seu berço, o ABC paulista. Assim como o Texas é um
estado republicano, rico e conservador, nas suas raízes, São Paulo, guardando as devidas proporções, se transforma numa espécie de Texas à brasileira. E aquele
que era chamado de “picolé de chuchu” se credencia para disputar, com força, as
eleições presidenciais.
6.1. As disputas que se iniciarão
dentro do PSDB, por um lado, e da base aliada do governo, por outro, com vistas
às eleições de 2018 poderão aprofundar ainda mais o quadro de instabilidade
institucional, apesar da aparente normalidade. Se somarmos a insatisfação dos
cidadãos – devido ao aprofundamento da crise econômica e o avanço das pautas
retrógradas no Congresso -, com eventuais desfechos da operação lava-jato, cada
vez mais policialesca e inquisitorial, teremos ingredientes a detonarem uma
crise ainda mais severa, com resultados imprevisíveis.
7. Sobre as velhas raposas: excluindo Alckmin, de uma maneira geral as elites
partidárias foram solenemente apartadas do protagonismo dessas eleições. Em
muitos casos, sequer apareceram nos programas eleitorais dos candidatos de seus
partidos. Mas, não nos enganemos: nos bastidores, essas elites continuam dando
as cartas e definindo os rumos das agremiações. As raposas sabem que a política
de bastidor, em boa medida, define o processo político.
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