Infelizmente, parte da inteligência
colonizada brasileira não é capaz de perceber que as teorias que têm como
fulcro a democracia procedimental não dão conta de explicar certos fenômenos. Por
isso, vemos, extasiados, expoentes das ciências sociais afirmarem que não houve golpe “porque as instituições estão funcionando”. Que beleza!
Como já tratamos em outros posts, a extensa coalizão política do golpe é
liderada pelos caciques do PMDB e do PSDB. Não sei se nessa ordem. Aliás, na
mídia, em 23/09, vimos a seguinte manchete: “PSDB é mais fiel ao governo Temer
que PMDB”. Por enquanto, o desmonte das políticas públicas e sociais agrada os
neoliberais tucanos, ávidos pelo poder em 2018. Vamos ver até quando esses (ajuntamentos
de) interesseiros comerão na mesma panela.
Temos também o núcleo empresarial,
encabeçado pela turma do pato amarelo e seus conglomerados associados.
Porém, há outros grupos que têm
interesse num estado voltado à manutenção de privilégios de classe e de
corporações: amplos segmentos policiais e do campo jurídico. Se voltarmos no
tempo, encontraremos esses mesmos segmentos presentes nos bastidores dos golpes
da proclamação da república e da ditadura civil-militar.
Já tratamos também desse núcleo da coalizão.
Mas, é preciso que analisemos, mesmo que sucintamente, uma complexa engenharia
política que engendra enredos jurídicos e institucionais, com o objetivo de reposicionar,
contra a democracia, certas corporações estratégicas ao estado de direito.
Denominemos de campo jurídico-institucional.
Os líderes desse núcleo (que também pode ser categorizado como uma coalizão - antidemocrática, antinacional e antipopular), são
Rodrigo Janot (e segmentos do Ministério Público Federal), delegados da Polícia
Federal (com o apoio de milhares de policiais militares e civis país afora), Sérgio
Moro (e outros parceiros do Tribunal Regional Federal 4, além dos convictos
procuradores ligados à 13ª Vara Federal de Curitiba) e o ministro Gilmar Mendes
(o PSDB no Supremo).
Esse grupo é alavancado, apoiado
e protegido seletivamente pela mídia: umbilicalmente comprometida com o capital
especulativo e rentista e com os segmentos historicamente mais atrasados da
nossa sociedade.
A mídia é um outro núcleo da ampla coalizão golpista. O
jornalismo, transformado em tribunal inquisitorial (porque condena antes da
pronúncia da justiça, ao arrepio da Constituição), produz manchetes bombásticas
sobre o que é seletiva e propositadamente escolhido pelo núcleo jurídico.
Quando, eventualmente, ficam
evidentes as denúncias messiânicas, como a performance de Dallagnol, por
exemplo, a mídia trata da questão como um mero erro “técnico”.
Para incriminar a esquerda e os movimentos sociais, manchetes bombásticas. Afinal, as eleições serão daqui a alguns dias. Para inocentar a direita, meros erros jurídicos.
Ademais, a grande imprensa esconde
propositadamente a justiça de exceção: por exemplo, o TRF4 decidiu, nesta
quinta-feira (22/9) que a operação "lava jato" não precisa seguir as
regras dos processos comuns. Em outras palavras, às favas o estado de direito: a
República de Curitiba está acima da lei.
Não esqueçamos: a lava-jato é uma
operação judicial-policial cuja estrela-guia foi treinada nos Estados Unidos e
cujo objetivo único, nos últimos tempos, é destruir um símbolo popular e, com
isso, pretende-se, acabar de vez com os sonhos “de uma gente que ri, quando
deve chorar e não vive, apenas aguenta”.
Essa operação, disfarçada de
combate à corrupção, propiciou a assunção de um governo contra o povo: em
consórcio com a mídia, a lava-jato pautou, nos últimos meses, a política institucional,
principalmente no Congresso, através das manchetes seletivas produzidas todos
os finais de semana (pelo núcleo jurídico). Objetivo: desestabilizar o governo que já enfrentava dura crise econômica e
apear Dilma do poder a qualquer custo.
Mesmo que os analistas políticos
tradicionais não queiram perceber, é evidente que os interesses
(ideias/crenças) desses atores políticos articulados numa ampla coalizão de
direita perverteram as regras procedimentais da democracia formal e manipularam
as instituições republicanas para armar esse golpe, travestido de impeachment.
Enquanto um segmento da justiça parece
tão proativo a ponto de suplantar a própria legalidade, observamos o sistema de
justiça mais amplo leniente, omisso e cheio de vícios quando se trata de crimes
praticados pelas elites tradicionais.
É que, no fundo, a justiça opera,
também, para que os seus interesses corporativos prevaleçam sobre os interesses
públicos e populares. As negociações para o aumento do Judiciário nos momentos
mais nevrálgicos da crise política explicitaram essa faceta do golpe.
Já o núcleo policial, aqui
inclusas as forças armadas, atua nos bastidores. Nas propostas de reformas (regressivas e inconstitucionais ) do
governo de plantão, nem uma linha acerca de privilégios (trabalhistas,
funcionais e previdenciários) desse segmento.
Enquanto isso, as ninfas do
Supremo continuam a assistir tudo em berço esplêndido. Um estagiário de direito
me perguntou: para que um tribunal constitucional numa terra sem lei? Alguém se
habilita a responder?
Enquanto os torquemadas acima-da-lei
perseguem uns, inclusive em hospitais (contingência que era respeitada até pela
ditadura), nada (nem na mídia, nem nos tribunais, nem nas operações policiais) acerca
das delações contra políticos do PSDB; não se sabe o endereço do banido
da Câmara e sua esposa; não se fala mais de Daniel Dantas, do Banestado, dos
sonegadores do CARF, dos titulares das contas secretas do HSBC na Suíça, da
lista de Furnas, etc., etc., etc. E todos dormem na mais tranquila paz. Uma paz dos cemitérios.
Na sociedade civil, parte da
classe média tradicional, outro núcleo do golpe, (entre os quais, os batedores
de panelas), vomita ódio nas redes sociais e caminha em uníssono com seus negócios
cujo único objetivo é eliminar os interesses dos pobres e dos segmentos
socialmente vulneráveis. E há quem defenda, inclusive, eliminar os pobres.
E assim, os dias vão se passando
em Pindorama: jogo jogado no congresso, na mídia e nos tribunais.
E viva o combate à corrupção! Sem
panelas.
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