quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Juristocracia que respaldou o golpe quer dar um novo golpe



Nas democracias, a mudança do poder político só é legítima pela via eleitoral. Golpe é a mudança do poder político, de forma repentina, sem a deliberação ou o respaldo popular.

Em 1964, o movimento golpista se deu, com violência; e o protagonismo foi dos militares. Em 2016 (com violência simbólica), o aparente protagonismo do parlamento no golpe só foi possível pelo evidente respaldo do judiciário. Em ambos os casos, mídia e setor financeiro foram os avalistas das rupturas democráticas.

Vamos agora a outro ponto e sem rodeios. Os poderes executivo e legislativo, por mais complexos e corruptos que sejam, estão referenciados e respaldados no voto popular. Políticos estão no poder hoje; podem não estar amanhã. Dependem e se submetem à vontade do cidadão/eleitor.

Por outro lado, juízes, promotores, policiais não têm mandato. Chegam  ao poder sem respaldo popular. Talvez, por isso, sintam-se distantes do povo (seus valores, necessidades e desejos).

Individualmente, existem excelentes juízes, promotores e policiais. Mas, aqui, a questão não se trata de uma análise individual. É uma análise institucional.

Juízes, promotores e policiais construíram ao longo do tempo uma "linhagem de cidadãos excepcionais". Vivem num "universo paralelo", onde não se submetem a nenhuma forma de controle social e político; nem prestação de contas à sociedade. Edificaram tal "império" às custas da chantagem política e da conivência, omissão e parceria com os grupos que têm interesses numa justiça enviesada.

Se formalmente "todos são iguais perante a lei" (CF/88, art. 5º), na "vida como ela é" (Nelson Rodrigues), esse grupo se considera acima da lei.

Seus prepostos e defensores nos outros poderes, na mídia e os donos do capital (que são os beneficiários diretos da SELETIVIDADE do sistema de justiça), mantém esse edifício aparentemente impoluto. Fazem-nos crer que o judiciário é isento, justo e composto por homens e mulheres acima do bem e do mal, essencialmente republicanos e democratas. Assim, todos esses segmentos ganham com uma justiça que age para garantir os direitos constitucionais para os ricos e os poderosos e os direitos penais para os pobres ou aqueles que eventualmente são eleitos como bodes expiatórios pelo sistema (não somente de justiça, mas também o sistema econômico).

A chamada "carreira jurídica do estado" chega ao poder por meio de concurso, de caráter meramente técnico, sem nenhuma outra exigência ou compromisso democrático ou republicano. Essa classe de privilegiados opera tão marginalmente à lei - que é fruto dos interesses dos segmentos no poder - que um magistrado quando comete crimes geralmente é punido com aposentadoria compulsória. Um escárnio!

Em relação à média salarial do funcionalismo público, juízes, promotores e as elites policiais recebem proventos acima do teto constitucional. Ou seja, aqueles que deveriam ser um exemplo no cumprimento rigoroso e exemplar da lei são os primeiros a violá-la.

No Brasil, desde sempre, o segmento judiciário é um estado paralelo. O professor e catedrático Fábio K. Comparato, de ilibada índole, escreveu célebre texto sobre o poder judiciário no Brasil, disponível no site do IHU-on line. Nessa obra fica patente que o judiciário "sempre foi e é submisso às elites, corrupto em sua essência e comprometido secularmente com a injustiça". Veja aqui.

Mas, principalmente após a Constituição Federal de 1988 (por mais paradoxal que possa parecer - porque a CF/88 não mexeu nos privilégios desse grupo) foi-se consolidando no país uma casta jurídica. Postando-se acima do bem e do mal, a juristocracia tupiniquim, formada pelos "filhos das elites" (sociais e econômicas), não têm nenhum compromisso com princípios como igualdade, justiça e equidade. No exercício de suas funções (gostam de chamar de "ministério") podem decidir discricionariamente acerca do que é bom, belo e justo e, impávidos, acabam por determinar os rumos da política e da sociedade. 

Nos momentos de crise, atuam para consolidar seu poderio. Uma das últimas grandes investidas nesse sentido se deu nas manifestações de 2013. Promotores, aproveitando da crítica ácida ao sistema político à época, conseguiram "vender" a ideia que estavam sendo perseguidos e enterraram a PEC 37, ampliando ainda mais seus poderes discricionários. Todos devem lembrar dessa história... Veja aqui.

Na sequência, o STF com a aplicação do "domínio do fato" institucionalizou um contorno à Constituição. A partir de então, nova cruzada foi implementada para a desmoralização e criminalização da política e o assoberbamento da juristocracia, com ações coordenadas, envolvendo juízes, promotores e policiais.

A situação de deslocamento do judiciário, desequilibrando a desejável relação harmônica com os outros poderes, deteriorou muito nos últimos anos. Passamos de uma situação de "judicialização da política" para um estado de "politização do judiciário".

Agora, novamente, embalados na onda da rejeição ao sistema político, segmentos judiciários patrocinaram essas dez medidas contra a corrupção, tendo grande respaldo social por se tratar de um projeto de iniciativa popular. Em tempos de conservadorismo galopante, conseguir dois milhões de assinaturas é fichinha. Mas, não sejamos hipócritas: essa pseudo iniciativa popular é, na verdade, de um ente estatal, o Ministério Público. Durante meses, essa instituição usou toda a sua estrutura e poder para buscar assinaturas de cidadãos induzidos a erro pelo título do projeto. 

Todos somos contra o corrupção. E deveríamos também desconfiar dos arautos do bem (defensores da lei e da ordem, da moral, dos bons costumes e da ética) que desejam regular a sociedade, a política e os poderes públicos e não aceitam ser regulados por nenhum mecanismo. Somente um inocente útil ou um mal-intencionado pode acreditar nessa virginal historinha.

A Câmara dos Deputados, aquele covil de corruptos, salvo exceções, tentou dar um golpe no projeto original do Ministério Público. Como vivemos numa república de golpes e de golpistas despudorados, promotores e magistrados deixaram transparecer, com veemência, que de democratas só têm discurso. Partiram para as ameaças e conseguiram, como em 2013, despertar também aqueles "nacionalistas de camisas da CBF" que são os protegidos desse sistema injusto... Todos se armam e estão prontos para um contra-golpe.

Não nos enganemos: os arroubos autoritários desse grupo, a juristocracia, além de uma afronta ao estado de direito (pois produz um evidente desequilíbrio entre os poderes), são um "brado retumbante" a sinalizar a tentativa de consolidação de um poder paralelo que deseja assumir o protagonismo das decisões políticas à fórceps, sem respaldo, respeito e deliberação popular. Trata-se do prenúncio de um golpe dentro do golpe.

Não canso de repetir Rui Barbosa: "A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer."


Atualizado em 02/12/2016, às 10h35min e 
03/12, às 10h30min.


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Professores da PUC Minas reiteram apoio à ocupação na Universidade


À Comunidade Acadêmica da 
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. 

Nós, professores da PUC Minas abaixo assinados, vimos reiterar nosso concreto apoio aos estudantes desta universidade que, de forma madura e responsável, se engajam na pauta de reivindicações do Movimento de Ocupação de Escolas e Universidades, no atual momento político do Brasil. 

Declaramos que os estudantes da PUC Minas que assumem a ocupação do prédio 47 do campus Coração Eucarístico têm demonstrado, desde o início, profunda responsabilidade e respeito para com todos que ali trabalham e transitam, além de forte zelo no que concerne ao espaço físico do prédio ocupado. 

Como pode ser constatado in loco, o referido prédio encontra-se limpo, não apresenta obstáculos intransponíveis para o trânsito daqueles que por ali circulam nem perturbações que signifiquem o impedimento da realização das aulas e de outras atividades acadêmicas e administrativas que, no local, sejam desenvolvidas. 

Além de apoiarmos a causa política dos estudantes da PUC Minas, declaramos, ainda, a nossa admiração e profundo respeito pelo comportamento assumido por esses estudantes, frente à gravidade da conjuntura política brasileira, neste momento. 

Assinam a nota:

1. Adalberto Antônio Batista Arcelo 
2. Adriana Diniz de Deus 
3. Adriana Penzim 
4. Adriane Maria Arantes de Carvalho 
5. Adriano Ventura 
6. Alessandra Chacham 
7. Alexandre Eustáquio Teixeira 
8. Álvaro Paiva 
9. Amarildo Fernando de Almeida 
10. Ana Maria Coutinho 
11. Ana Maria Rodrigues de Oliveira 
12. Antonio Grillo 
13. Arabie Bezri Hermont
14. Armindo Teodosio 
15. Bruno Vasconcelos de Almeida 
16. Carlos Frederico Barboza de Souza 
17. Carmem Regina dos Santos Pereira 
18. Claudemir Alves 
19. Cláudio Henriques 
20. Cristiano Anderson Bahia 
21. Daniella Lopes Dias Ignácio Rodrigues 
22. Danny Zahredinne 
23. Débora Maria David da Luz 
24. Dener Chaves 
25. Denise Pereira 
26. Denise Pirani 
27. Dimas Antônio de Souza 
28. Dineia Domingues 
29. Douglas Cabral Dantas 
30. Edmundo Novaes 
31. Eduardo Alberti Carnevali 
32. Eduardo Moutinho Ramalho Bittencourt 
33. Edward Neves Monteiro de Barros Guimarães 
34. Ércio Sena 
35. Erica Adriana Costa Zanardi 
36. Eurides Rodrigues 
37. Fabiana Campos 
38. Gabriela Araújo Medeiros 
39. Geisa Moreira 
40. Geraldine Duarte 
41. Gilberto Antônio Reis 
42. Glória Gomide 
43. Helaine Francisco Sampaio 
44. Hugo Mari 
45. Ignácio Rodrigues 
46. Ivete Camargos Walty 
47. Jane Quintiliano Guimarães Silva 
48. José Luiz Quadros de Magalhães 
49. Josiane Andrade Militão 
50. Julia Calvo 
51. Juliana Alves Assis 
52. Juliana Gonzaga Jayme 
53. Júlio César Buere 
54. Karina Junqueira 
55. Leonardo César Souza 
56. Lídia Maria L. P. Ribeiro de Oliveira 
57. Liliane de Oliveira Guimarães 
58. Lorene dos Santos 
59. Luciana Andrade 
60. Luiz Carlos Castello Branco Rena 
61. Luiz Roberto Rezende Martins 
62. Manoel de Almeida Neto 
63. Manoel Teixeira Azevedo Junior 
64. Marcia Mansur Saadallah 
65. Marcia Marques de Morais 
66. Marcio de Vasconcellos Serelle 
67. Marco Antônio Couto Marinho 
68. Marcos Roberto do Nascimento 
69. Maria Alice Moreira Lima 
70. Maria Angela Paulino Teixeira Lopes 
71. Maria Auxiliadora Monteiro de Oliveira 
72. Maria Elisa Baptista 
73. Maria Ester Saturnino Reis 
74. Maria Eugênia Alvarez Leite 
75. Maria Ignez Costa Moreira 
76. Maria Luiza Marques 
77. Maria Nazareth Soares Fonseca 
78. Mariana Balau Silveira 
79. Mariana Veríssimo 
80. Marisa Myrrha 
81. Marlene Buzinari 
82. Marta Neves 
83. Maura Eustáquia de Oliveira 
84. Meire Silva Pena 
85. Milton do Nascimento 
86. Monica Abranches 
87. Mônica de Oliveira Santiago 
88. Onofre dos Santos Filho 
89. Pablo Moreno Fernandes Viana 
90. Patrícia Pinto de Paula 
91. Paula de Paula 
92. Paula de Souza Birchal 
93. Paulo Agostinho N. Baptista 
94. Pedro Paulo Pettersen 
95. Pedro Vaz Peres 
96. Raquel Beatriz Junqueira Guimarães 
97. Regina Coeli de Oliveira 
98. Regina de Paula Medeiros 
99. Regina Marcia R. Corradi 
100. Rita de Cássia Liberato 
101. Roberto Márcio Starling 
102. Robson Savio 
103. Rodrigo Corrêa Teixeira 
104. Rogério Joanes 
105. Ronaldo Peixoto 
106. Rosa Maria Corrêa 
107. Rosana Carvalho Oliveira 
108. Rosane Souza Guglielmoni 
109. Roselia Junqueira Carvalho Rodrigues 
110. Rubem Gomes Pereira 
111. Rubens de Souza Menezes 
112. Sandra de Fatima Pereira Tosta 
113. Sandra Freitas 
114. Sandra Maria Silva Cavalcante 
115. Sheila Alessandro Brasileiro de Menezes 
116. Silvio Romero Fonseca Motta 
117. Stephen Silva Simim 
118. Tania Cristina Teixeira 
119. Teodoro Adriano Costa Zanardi 
120. Terezinha Taborda 
121. Thelma Virgínia Rodrigues 
122. Tiago Castelo Branco Lourenço 
123. Valéria de Marco Fonseca 
124. Vania de Fátima Noronha Alves 
125. Vicente Amâncio de Oliveira 
126. Vinicius Tavares de Oliveira 
127. Viviane Zerlotini da Silva 
128. Wellignton Teodoro da Silva

Belo Horizonte, aos 18 de novembro e 2016.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

MANIFESTO DA PASTORAL DA JUVENTUDE DA ARQUIDIOCESE DE BELO HORIZONTE SOBRE O MOMENTO POLÍTICO ATUAL


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NENHUM DIREITO A MENOS
Belo Horizonte, 21 de novembro de 2016.
“Caminhar pelas estradas seguindo a ‘loucura’ do nosso Deus, que nos ensina a encontrá-Lo no faminto, no sedento, no maltrapilho, no doente, no amigo em maus lençóis, no encarcerado, no refugiado e migrante, no vizinho que vive só. Caminhar pelas estradas do nosso Deus, que nos convida a ser atores políticos, pessoas que pensam, animadores sociais; que nos encoraja a pensar uma economia mais solidária. Em todos os campos onde vos encontrais o amor de Deus convida-nos a levar a Boa Nova, fazendo da própria vida um dom para Ele e para os outros.”
(Papa Francisco, Cracóvia, Campus Misericordiae, 30/07/2016)

A Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Belo Horizonte manifesta sua posição a respeito do momento político pelo qual atravessa o Brasil. Percebemos que muitos avanços e conquistas das lutas do povo brasileiro, no sentido de reduzir a desigualdade social e a pobreza, foram abandonados a partir do golpe legislativo apoiado pela justiça e manipulado pelos meios de comunicação de massa.
O acontecimento mais recente que tem ocupado nossas manifestações é o Projeto de Emenda Constitucional que agora tramita no Senado com o número 55/2016. Nesse sentido concordamos imensamente com a nota publicada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil de que “A PEC 241 (agora 55) é injusta e seletiva. Ela elege, para pagar a conta do descontrole dos gastos, os trabalhadores e os pobres, ou seja, aqueles que mais precisam do Estado para que seus direitos constitucionais sejam garantidos. Além disso, beneficia os detentores do capital financeiro, quando não coloca teto para o pagamento de juros, não taxa grandes fortunas e não propõe auditar a dívida pública.”
E ainda “É possível reverter o caminho de aprovação dessa PEC, que precisa ser debatida de forma ampla e democrática. A mobilização popular e a sociedade civil organizada são fundamentais para superação da crise econômica e política. Pesa, neste momento, sobre o Senado Federal, a responsabilidade de dialogar amplamente com a sociedade a respeito das consequências da PEC 241 (agora 55).” (CNBB, nota do dia 27 de outubro de 2016).
Sob esse olhar reiteramos nosso apoio e participação ativa nas manifestações populares que estão se posicionando ao lado dos direitos conquistados pelo povo brasileiro. Sobretudo, apoiamos as ocupações e a corajosa iniciativa dos estudantes de todo o Brasil, nessa primavera estudantil, que se manifestam a favor de uma educação inclusiva e se posicionam de forma contrária à medida provisória nº 746/2016, que promove profundas alterações no Ensino Médio sem qualquer escuta aos envolvidos (educadores, alunos e pais), e à proposta do nefasto Programa Escola Sem Partido.
Olhando para a realidade e para a pluralidade das nossas juventudes desejamos ser anunciadores de boas notícias e portadores da esperança de que a vida digna será compartilhada com todas as pessoas que compõem a nossa sociedade. Como Ester, pedimos a Deus que Ele nos conceda a vida, e conceda uma vida digna ao nosso povo, eis nosso desejo e nossa luta. Portanto, não temos medo de denunciar as propostas autoritárias que estão a serviço de segmentos economicamente hegemônicos, e que não representam os interesses que vem das periferias desse nosso Brasil.
A Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Belo Horizonte continuará ao lado das juventudes e de todos os movimentos da sociedade que se colocam de forma crítica na confiança de continuarmos reduzindo a desigualdade social que vivemos.
Que Nossa Senhora Aparecida nos sustente no acompanhamento e na participação nesse processo que ora vivemos e que constantemente nos desafia.

domingo, 20 de novembro de 2016

Os micropoderes feministas de uma revolução silenciosa



Há algo fantástico acontecendo nesse país, mais uma vez dominado por uma camarilha patriarcal e patrimonialista, sem ética e pudor. Vejo uma enorme resistência que se alastra através da força, da coragem e da garra feminina.

Nos últimos dias, acompanhei algumas ocupações estudantis. Participei de seminários com membros do Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), do Movimento de Mulheres Olga Benário, da União da Juventude Socialista e do Levante Popular da Juventude. O que se destaca nesses movimentos? A presença e a liderança das mulheres.

É incrível ouvir, ver e sentir a ação política de mulheres, majoritariamente jovens, de todos os credos, etnias e orientações sexuais na articulação de movimentos que transcendem as organizações tradicionais da sociedade (partidos, corporações, sindicatos, igrejas, escolas).

Nesses movimentos, percebe-se com clareza como as mulheres têm uma extraordinária capacidade de agregar e unir forças, uma enorme resiliência para enfrentar com fé, afeto e coragem todo o tipo de adversidade, superando barreiras e contrapondo a tradicional competitividade masculina que obstaculiza, por exemplo, uma união das forças progressistas num momento tão dramático da vida nacional.

Numa sociedade que voltou a ser dominada hipocritamente pelo machismo (patriarcal e patrimonialista), que violenta sem piedade e ética o direito das minorias e dos mais vulneráveis, a pujança das mulheres, em movimentos e organizações das mais diversas, sua participação na esfera pública, inclusive nas redes sociais, é a grande novidade no cenário sociopolítico atual.

Recorro a Michel Foucault para tentar compreender a potência desse multifacetado movimento feminista. 

Antes do filósofo francês, a teoria política defendia que o poder era algo inerente a determinadas pessoas ou instituições; algo que uns tem; outros não. O poder, comumente, era associado ao Estado e à Igreja. Maquiavel, os contratualistas (Hobbes, Locke e Rousseau) e mesmo Marx discutiam sobre a legitimação (e a manutenção) do poder de uns sobre os outros.

Foucault apresenta uma outra perspectiva sobre o poder. Para ele, poder não é um objeto, ou uma coisa (que se possui), mas são práticas; ou seja, um conjunto de relações. Nesse sentido, o poder não é o pai, o rei ou o governante, mas é a relação que se exerce entre pai e filho; rei e súditos; governantes e governados.

Ademais, o poder não se restringe ao governo. Ele espraia-se num conjunto de práticas que são responsáveis pela manutenção do Estado. Poderes são mecanismos, ou dispositivos, das práticas (relações) cotidianas dos quais ninguém pode escapar. Tais práticas moldam os comportamentos, as atitudes, os discursos.

E o poder se pulveriza em micropoderes. Esses micropoderes podem funcionar como elementos docilizadores ou disciplinadores das mentes e dos corpos, a manterem o sistema de dominação (capitalista).  Porém, os micropoderes podem se constituir, também, numa oposição ao sistema; podem achar brechas para atuar de forma revolucionária, construindo uma nova gramática social.

Foucault não pensava, necessariamente, nos micropoderes como uma via revolucionária, mas como uma forma de se obter conquistas dentro do sistema.   

Não obstante, se tradicionalmente os micropoderes sustentam a ação das práticas que atuam como forças localizadas que reforçam e dão sustentação ao capitalismo, por outro lado, os micropoderes podem atuar como instrumentos de luta e resistência de minorias ou grupos vulneráveis.

Nesse sentido, a contraposição às práticas de um governo ilegítim0 -  ratificadas por micropoderes disciplinadores (de base machista, misógina, patrimonialista e patriarcal) que se impuseram à vida social brasileira através do golpe (sintomaticamente orquestrado contra o governo de uma mulher por um bando de violadores da Constituição) -, encontra, agora, nos micropodores dos movimentos e organizações feministas núcleos potentes de contrapoder e resistência.

As práticas advindas dos micropoderes desses movimentos feministas podem produzir novos saberes, discursos, narrativas e, potencialmente, serão fundamentais na organização do povo na resistência democrática. 

O que percebo é que os movimentos feministas que fundam variadas e potentes formas de oposição democrática estão produzindo cidadãs e cidadãos cujas práticas políticas, sociais, culturais e até mesmo religiosas são mais comprometidos com o presente e o futuro do conjunto dos habitantes deste país. 

É paradoxal numa sociedade onde a violência contra a mulher parece naturalizada, observamos as mulheres se rebelarem contra essa ordem violenta e opressora. Seja no espaço privado ou no espaço público, vemos as mulheres que não se submetem, docilizadas (belas, recatadas e do lar), aos ditames de um grupo que se impôs à força e quer violentar nossa cidadania. 

Por isso, os micropoderes que se organizam e se espraiam através dos movimentos feministas atuais são tão potentes: não somente colocam em xeque o macropoder da coalizão golpista, mas também mexe nas estruturas de nosso modelo sociopolítico e religioso baseado nos violentos poderes masculinos que têm produzido tantos males, guerras, destruições e sociedades excludentes, baseadas nas múltiplas formas de violência, como a nossa.



quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Professores da PUC Minas manifestam-se a favor das ocupações, contra PEC 55, reforma do ensino médio e escola sem partido

Assembleia Professores PUC Minas
Em Assembleia ocorrida na noite desta terça-feira, 08.11, professores da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) aprovaram por unanimidade um manifesto a favor das ocupações estudantis, e contra a PEC 55, a reforma do ensino médio e o projeto escola sem partido.

No documento, os docentes informam que  "decidimos trazer a público este manifesto, em que apresentamos a posição unânime dos professores presentes, relativamente à ocupação estudantil nesta Universidade, bem como acerca das razões que embasam movimentos semelhantes em todo o País: não podemos nos omitir em face dos graves riscos e consequências que se delineiam com a tentativa, por parte do Governo Federal, de que seja aprovada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55/2016, que se encontra no Senado, tendo recebido o parecer de inconstitucional pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa da casa, após aprovada na Câmara dos Deputados, como PEC 241."

Numa defesa à educação, os professores dizem que  "a escola, pública ou privada, é do povo. A universidade, pública ou privada, é do povo. A educação é um direito universal e constitucional. Repudiamos, nesse sentido, as ações de censura e violência – física e verbal – que, infelizmente, insistem em ser a marca de setores que ora se encontram no poder – midiático, jurídico, governamental."

Sobre o projeto de reforma do ensino médio e o projeto escola sem partido, o manifesto exige que os professores sejam ouvidos: "nossa luta, insistimos, é pelo direito de sermos ouvidos, de participarmos dos fóruns de discussão dos destinos da educação brasileira, razão pela qual também nos posicionamos frontalmente contrários à Medida Provisória nº 746/2016, que promove alterações no Ensino Médio, e à proposta do Programa Escola Sem partido. Tais 2 propostas configuram-se como pontos de vista unilaterais e, nessa medida, são antidemocráticas, radicalmente contrárias à lógica da nossa própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LEI Nº 9.394), que se baseia no princípio do direito universal à educação; na liberdade de aprender, de ensinar, de pesquisar e de divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; no pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas".

CONFIRA, NA ÍNTEGRA, O DOCUMENTO:


MANIFESTO DE APOIO À OCUPAÇÃO DOS ESTUDANTES DA PUC MINAS 

Nós, professores da PUC Minas, reunidos em assembleia extraordinária da Associação dos Docentes da PUC Minas (ADPUC), no dia 8/11/16, decidimos trazer a público este manifesto, em que apresentamos a posição unânime dos professores presentes, relativamente à ocupação estudantil nesta Universidade, bem como acerca das razões que embasam movimentos semelhantes em todo o País. 

Como educadores, pesquisadores e cidadãos, entendemos que não podemos nos omitir em face dos graves riscos e consequências que se delineiam com a tentativa, por parte do Governo Federal, de que seja aprovada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55/2016, que se encontra no Senado, tendo recebido o parecer de inconstitucional pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa da casa, após aprovada na Câmara dos Deputados, como PEC 241. 

Primeiramente, manifestamos nosso irrestrito apoio à corajosa iniciativa dos estudantes da PUC Minas, que, sintonizados com as ações de milhares de outros estudantes da educação básica e do ensino superior do Brasil, revelam seu forte compromisso com os rumos da educação brasileira. Do nosso ponto de vista, a legitimidade desse movimento é assegurada por duas razões centrais. 

Em primeiro lugar, porque a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55 não foi discutida pelos diferentes setores da sociedade brasileira mais diretamente atingidos pelo que ali se propõe. Trata-se, nessa medida, de uma proposta autoritária e a serviço de segmentos economicamente hegemônicos, que não representam os interesses da sociedade brasileira. 

Em segundo lugar, em razão de que a lógica que orienta a PEC 55, ao propor o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, não leva em conta os previsíveis crescimentos da população e do PIB ao longo desse longo período. Isso, irrefutavelmente, acarretará danos irreversíveis à educação e à saúde de nosso povo. A escola, pública ou privada, é do povo. 

A universidade, pública ou privada, é do povo. A educação é um direito universal e constitucional. Repudiamos, nesse sentido, as ações de censura e violência – física e verbal – que, infelizmente, insistem em ser a marca de setores que ora se encontram no poder – midiático, jurídico, governamental. 

A luta dos estudantes é também a nossa luta. Exatamente por isso, manifestamos nosso estranhamento ao pedido de reintegração de posse por parte da Reitoria da PUC Minas. A nossa luta é a luta da sociedade brasileira, heterogênea, múltipla, plural, desejosa de mais igualdade de direitos e oportunidades, e não de congelamentos que beneficiarão apenas os grandes e que calarão, ainda mais, aqueles que, historicamente, não são escutados: o povo brasileiro, sobretudo os pobres. 

Nossa luta, insistimos, é pelo direito de sermos ouvidos, de participarmos dos fóruns de discussão dos destinos da educação brasileira, razão pela qual também nos posicionamos frontalmente contrários à Medida Provisória nº 746/2016, que promove alterações no Ensino Médio, e à proposta do Programa Escola Sem partido. Tais propostas configuram-se como pontos de vista unilaterais e, nessa medida, são antidemocráticas, radicalmente contrárias à lógica da nossa própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LEI Nº 9.394), que se baseia no princípio do direito universal à educação; na liberdade de aprender, de ensinar, de pesquisar e de divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; no pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. 

Aos que nos perguntam sobre a legitimidade de movimentos de ocupação das escolas ou universidade privadas, respondemos: a educação é um bem universal. Seja promovida por escolas públicas, por instituições de ensino superior comunitárias, como é o caso da PUC Minas, ou por IES privadas, a educação é um bem social, cultural, que deve ser garantido a todos, universalmente. 

Em um contexto em que princípios constitucionais basilares, previstos pela LDB, são fortemente golpeados por uma agenda culturalmente conservadora e economicamente liberal, não cabe investir na separação de interesses entre instituições públicas e privadas de ensino, mas sim na defesa inegociável dos princípios que professamos: igualdade de direitos, inclusão de todos, compromisso com o bem comum. A escola, a universidade, a ciência, a educação e o Brasil são de todos. 

Não podemos nos omitir diante de forças que se organizam no sentido de preservar esses bens comuns na lógica do patrimonialismo, do privatismo. Mais dos que isso, neste momento de profunda crise econômica, social e política, não podemos permitir que o direito à educação seja negociado entre alguns grupos sociais, em detrimento da sua longa história de restrições orçamentárias, de lutas e de conquistas sociais. Especialmente neste momento de crise, a educação deve ser considerada uma prioridade no processo de formação humanística, científica, cultural, profissional, integral do nosso povo. 

A proposta de emenda à Constituição (PEC 55/2016), que quer instituir um novo Regime Fiscal, no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, para os próximos 20 anos, a Reforma do Ensino Médio, com base em uma medida provisória (MP 746/2016), e o projeto de lei Escola Sem Partido (PLS 193/2016) são iniciativas políticas dos poderes executivo e legislativo que, certamente, merecem do cidadão brasileiro, dos professores de todos os níveis de ensino e dos estudantes, secundaristas e universitários, uma franca e concreta oposição. 

Em função disso, reiteramos o nosso concreto apoio às ocupações estudantis, que, neste momento, de maneira corajosa, criativa e socialmente responsável, ocorrem em todo o Brasil e, particularmente, à que ocorre em nossa PUC Minas.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

A primavera estudantil e o terrorismo de estado


Um jogo perverso, urgido no submundo das disputas reais e simbólicas pela coalizão golpista, está em pleno andamento desde que os estudantes brasileiros resolveram assumir o protagonismo da disputa política em curso.

Todos sabemos que o principal objetivo da camarilha que tomou o poder e quer consolidar um governo de e para poucos é liquidar o "inimigo", ainda que sejam apenas estudantes e jovens. Nisto constitui, fundamentalmente, a empreitada golpista. 

Desde as eleições de 2014, há imenso esforço para construir um discurso da eliminação do outro, do diferente, começando pelos partidos políticos, depois os líderes populares, os movimentos sociais e, agora, os estudantes que espraiam uma onda de resistência democrática e esperança equilibrista pelo país.

A articulação perversa de viés fascista tem na mídia o principal front na batalha do discurso da eliminação do outro. Como todos sabemos, uma das principais características do fascismo é o uso da comunicação de massa como instrumento de propagação do medo para justificar a dominação e controle. Neste momento, todas as armas estão apontadas para as ocupações estudantis.

Querem transformar o movimento estudantil, o movimento dos sem-terra, os movimentos sociais, ou seja, todos os seguimentos que rejeitam o golpe em crime organizado. A partir de tal discurso, é fácil propagar o ódio, a violência e a eliminação a qualquer custo daqueles que encarnam os “males” que devem ser combatidos e extirpados pelos “bons”. E a mídia tenta legitimar esse discurso fascista para, posteriormente, justificar a barbárie do governo contra os cidadãos.

Há algum tempo, o ministro da justiça teria dito que "combaterá atitudes criminosas dos movimentos socais". Ora, excelência, depende do que se entende por crime organizado. Um passarinho me informou que há uma organização perigosíssima, que destrói nossa democracia, alocada na praça dos três poderes, com ramificações na avenida paulista, no jardim botânico e noutras células dentro do país. 

Como disse o Papa Francisco no último sábado (05/11/2016), no encontro com movimentos sociais, devemos nos atentar para um terrorismo de estado que quer governar com o chicote do medo: Quem governa então? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da desigualdade, da violência econômica, social, cultural e militar que gera sempre mais violência em uma espiral descendente que parece não acabar nunca. Quanta dor, quanto medo! Existe um terrorismo de base que deriva do controle global do dinheiro sobre a terra e ameaça toda a humanidade.

Para se sustentar, o governo impostor tenta, a todo o custo, desqualificar a ação de estudantes e professores que praticam e apoiam as ocupações, dizendo tratar-se de uma ação política. Primeiro disseram que os estudantes "invadiram as escolas". Quanta burrice! De quem são as escolas, senão dos estudantes, dos professores, dos pais, dos funcionários que lá atuam? Depois, como o discurso não "colou" nem na mídia golpista, resolveram retomar a estratégia da criminalização da política. Ora, o discurso da criminalização da política - enquanto campo legítimo das disputas - produziu, no último pleito, a maior ausência dos cidadãos do processo eleitoral. O afastamento do cidadão do espaço público,  por meio dos folhetins semanais e dos fantásticos televisivos, é o outro objetivo desse desgoverno. Neste momento, esse discurso é utilizado para colocar a população contra os estudantes.

Mas não adianta criminalizar cidadãos bem formados, informados e educados. Afinal, todos sabemos que o processo educacional é eminentemente um processo político.  A educação sempre foi e sempre será política: pela suas ações, omissões e conivências. Portanto, argumentos rasos e fascistas não obliteram a coragem e o compromisso cidadão dos estudantes. Eles não são zumbis midiotas: sabem do desmonte das políticas sociais, ambientais e de educação que estão em curso, articuladas pelo tridente elitista (afinal, não se trata somente do executivo, mas dos três poderes).

Como escreveu um colega professor, “quiçá estejamos diante de outro maio de 68, que não deixou só bons frutos, mas mudou a cara da educação no mundo, rompendo muitos lugares-comuns de elitização e blasé acadêmico”.

O movimento estudantil está conseguindo algo que as velhas estruturas políticas e sociais já não são capazes: nos mostra que uma outra educação é possível. Mais que isso: que um outro mundo é possível. Por isso ele é tão "perigoso".

Pais, cidadãos e professores precisamos ter a humildade para aprender essa lição e apoiar esse movimento.

sábado, 5 de novembro de 2016

Movimentos sociais do Brasil e do mundo encontram-se com o Papa Francisco

Lideranças brasileiras participam, nesses dias, do Encontro dos Movimentos Sociais em diálogo com o Papa Francisco. Muito simbólico o fato de o encontro ocorrer um ano depois da tragédia anunciada da Samarco/Vale/BHP, em Mariana (MG).


Cerca de 150 representantes de movimentos e organizações sociais de todo o mundo se reúnem esta semana na Cidade do Vaticano para o III Encontro Mundial dos Movimentos Populares em diálogo com o Papa Francisco. Ao final do evento, que começou nessa quarta-feira (2) e vai até o dia 5 de novembro, haverá uma audiência com o Papa Francisco. Dentre as delegações de 65 países, cinco entidades brasileiras — o Conselho de Entidades Negras (Conem), a Central dos Movimentos Populares (CMP), o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e a União Nacional Por Moradia Popular (UNMP) — representam o país no encontro. Importantes nomes de ativistas pela Justiça Social como o ex-presidente uruguaio José Mujica e o religioso italiano Luigi Ciotti, fundador do movimento anti-máfia Libera, também confirmaram presença no evento.



Segundo Beatriz Cerqueira, da CUT, foi aprovada ontem uma moção de apoio e solidariedade ao MST e de denúncia da ruptura democrática e criminalização das lutas sociais no Brasil. O documento será entregue ao Papa hoje.


A comitiva brasileira entregará ao Papa Francisco a carta aprovada em Mariana, no encontro preparatório, ocorrido entre os dias 1º e 4 de junho, passado.

Confira abaixo a íntegra do documento:


Nós, Movimentos Populares e Pastorais Sociais reunidos em Mariana, Minas Gerais, em resposta ao chamando do Papa Francisco para o diálogo com os que lutam por “terra, teto e trabalho”, aqui viemos nos solidarizar com as famílias atingidas pelo maior crime socioambiental provocado em 2015 pela mineração no Brasil e alimentar nossa esperança na construção de outro mundo possível.
Povos indígenas, quilombolas, pescadores, comunidades tradicionais, trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, agentes das pastorais sociais compartilhamos nossas experiências de lutas, dificuldades numa sociedade tão desigual. Debatemos a opressão das forças do capital, a fragmentação e criminalização dos movimentos sociais e as violências contra os pobres, negros, mulheres, jovens e LGBTs. Aprofundamos nossa reflexão e partilha das formas de resistência e luta, para enfrentar esses desafios. 
Clamamos junto com a Mãe-Terra, que o uso intensivo de agrotóxicos provoca a morte de nossos povos e rios. Denunciamos que a concentração da propriedade e o estímulo ao agronegócio geram conflitos e violências no campo e na cidade, por isso se tornam urgentes e necessárias a Reforma Urbana e a Reforma Agrária.
Queremos o fim da especulação imobiliária. Apesar dos avanços na política de moradia popular, a carência por moradia cresce a cada ano. O avanço do capital nos territórios, com estímulo ao extrativismo mineral, deixa um rastro de destruição ambiental, do qual o crime na Bacia do Rio Doce, provocado pela Vale e BHP Billiton, por meio da Samarco, com a conivência do  Estado, é um dos exemplos mais terríveis.
Neste momento de trevas no país, o encontro brasileiro surge com uma luz. Nos últimos anos, o modelo de desenvolvimentos adotado foi favorecido pelo contexto internacional, possibilitou avanços e garantias de direitos sociais, mas muito lucro para o capital.  Com a crise do capitalismo mundial iniciada em 2008, este modelo se esgotou. As forças do capital querem garantir seus interesses, mas nosso povo vem resistindo. Tomaram o governo federal por meio de um golpe, com apoio do Congresso Nacional e do Judiciário brasileiro, impondo o modelo neoliberal derrotado por quatro vezes nas urnas.
Dizemos não às privatizações propostas pelo governo interino e golpista, não ao desemprego e à terceirização que ameaçam diretos dos trabalhadores e trabalhadoras. No Brasil, a democracia sempre foi resultado da organização e da luta do povo. Uma vez mais é preciso fortalecer a aliança das classes populares. Mais do que isto, estamos desafiados a construir um novo projeto para o país. Projeto que além de garantir terra, teto e trabalho para todos e todas, com justiça social, esteja em sintonia com a Mãe-Terra.
Nós em diálogo com o Papa Francisco, reafirmamos o que está na Encíclica Laudato Si’: “Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental. A solução requer uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza.”
Quem não luta, está morto! Quem luta, educa.
Com nossa fé revolucionária, fortalecemos nossa esperança na caminhada e a certeza na chegada. É preciso lutar para derrotar o golpe no Brasil, por isso nos comprometemos a ampliar as mobilizações, fortalecendo e diversificando os trabalhos de base, o diálogo entre os movimentos e ocupando as ruas. A luta imediata deve ser fermento no processo de construção de um projeto popular de país.
Encerramos o encontro no subdistrito de Paracatu de Baixo, com nossos pés na terra devastada pela ganância do capital, e em diálogo com os atingidos reforçamos nossa solidariedade e compromisso com a luta pela justiça, reparação e empoderamento do povo da Bacia do Rio Doce.
Após estarmos reunidos em Roma (2014), na Bolívia (em 2015), queremos convidá-lo a promover em terras brasileiras o 3º Encontro Mundial dos Movimentos Populares em Diálogo com o Papa Francisco, em outubro de 2017, em Minas Gerais. O convite é para manter viva a memória e o nosso compromisso de “cuidar bem da nossa Mãe-Terra, como Casa Comum de todos.
Ao som dos sinos de Mariana, ecoando a dor dos Atingidos e atingidas, clamamos por Justiça!
 Mariana, Minas Gerais , Brasil,  4 de junho de 2016.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Exclusivo: bandido bom é bandido vivo


POR: Pe. Magno Marciete do Nascimento Oliveira

No dia de finados, dia 02, a Folha de São Paulo (aqui) divulgou pesquisa sobre uma frase que já faz parte da cultura tupiniquim (espero sinceramente estar exagerando): “bandido bom é bandido morto”. Já são mais brasileiros adeptos dessa convicção do que os contrários. Sem apreciar aqui os números da pesquisa e nos voltando para o que isso significa, não é para se assustar com o resultado, pois se trata de mais um fio de dessa trama mais complexa de construção e irradiação do social que no Brasil vige.

Como não lembrar das investidas para redução da maioridade penal, da bancada da bala e do fim da presunção de inocência? Tudo faz parte da mesma gramática que impõe uma pauta conservadora e constrói símbolos violentos para gerir a sociedade. Vemos algo, assim, bem tecido, para que o enunciado tenha força real, eficiente, que possa dar espaço para a vingança na contramão do processo civilizatório. Por essa lógica, o bandido, o criminoso deve ser extirpado. Segundo esse modo de pensar quem comete delitos não tem nenhum direito. Esquece quem pensa assim que a pena é um direito de todos, que ela resguarda a vida em todos os sentidos. O rito sumário presente na cabeça das pessoas, longe de trazer segurança, impõe mais insegurança, confere aos que detém o uso da força institucionalizada um perigoso meio contra qualquer um, inclusive contra inocentes, e avaliza a força autoritária por parte do poder estabelecido.

A partir do lugar teológico, desde nossa expertise, notamos que o espectro dessa frase assumida como consenso majoritário deixa nua a hipocrisia de uma sociedade que alimenta valores ditos cristãos. Ao que tudo indica só alguns valores são aceitos e estes não podem ser estendidos ao conjunto da humanidade. Os próximos de muitos “cristãos” são eleitos, destoando com a parábola do bom samaritano, na qual o próximo é o necessitado. O conhecido sermão da Montanha (conhecido como texto máximo da ética cristã) deveria ser rasgado em muito de suas passagens, pois como ser possível virar a face para continuarem nos batendo ou amar aqueles que nos perseguem? Talvez a memória de Jesus mandando Pedro embainhar a espada deva ser esquecido, e o princípio ético que pede outras formas de conter a violência totalmente relativizado, e mesmo desconsiderado. Definitivamente, isso concorre, nesse cristianismo de bondades para os “bons”, para adotar a violência como expediente contra a mesma violência.

“Bandido bom é bandido morto” traz, também, à baila a questão da pena de morte. Doutrinalmente, em âmbito cristão católico, o catecismo reza: “o ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de comprovadas cabalmente a identidade e a responsabilidade do culpado, o recurso à pena de morte, se essa for a única via praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto. Se os meios incruentos bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e para proteger a ordem pública e a segurança das pessoas, a autoridade se limitará a esses meios, porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão mais conformes à dignidade da pessoa humana” (Cat., nº 2267).

Só como último recurso, pensando no contexto geral de defesa da vida, a pena capital é admitida. Só e apenas se não for possível outra forma de controle do agressor contra a vida pública, pela segurança dos inocentes, aceita-se a pena de morte. No mais, só os “meios incruentos” têm conformidade com a dignidade da pessoa humana, não podendo ser alegado pelo Estado, pela sociedade, sobretudo pelos cristãos, a pena de morte como legítima defesa. Tendo o Estado e sociedade forças e meios para barrar o criminoso, usar a pena de morte como forma para conter a violência incorre em ato de vingança, de crueldade e uso desmedido da própria força.

Qualquer cristão podia ainda refletir que “bandido bom é bandido vivo”, pois a vida não rejeitada de quem seja é uma forma radical de demonstrar o amor pregado por Jesus. Nenhum humanismo será maior do que a convicção de que homens e mulheres sempre têm oportunidade de mudar de vida. Nenhum humanismo é maior do que a aposta na conversão do mais pérfido ser humano. Ainda que contra todos os prognósticos e ceticismos, o que mais condiz com o cristão, com o seguidor do galileu é a obstinada fé no ser humano, que passa pela fé no próprio Deus. A fé em Deus não está separada da fé no homem, sendo a primeira fundamento e a segunda consequência. Acreditar no homem orientado para Deus é viver da fé na bondade de Deus que nos soprou no ato da criação o seu Espírito de vida, que impregna o mais profundo do ser criatural da pessoa.


quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Finados: a certeza da vida

Por: Pe. Magno Marciete do Nascimento Oliveira

Ter domínio de alguma certeza é desejo natural do ser humano. Vivemos à cata de certezas. Elas nos tranquilizam, dão a sensação de segurança. Ter certeza é uma maneira mais branda de dizer que temos uma verdade. Daí que nos caminhos tão cheios de certezas que percorremos, por aí se costuma dizer que nossa única certeza é a morte. Todas as outras coisas, então, ficam lançadas no campo das incertezas.

A experiência comum, mais simples, mostra que tudo que tem vida morre. Morre tudo ao nosso redor, não simplesmente nós. Dos inanimados aos animados tudo se desgasta, deixar de ser. Olhar para a vida é olhar para ela passando em sua transitoriedade. No cotidiano, o olhar fixo sobre um corpo inerte traz à tona essa realidade e inculca, por isso, essa convicção. De tal forma isso acontece que, mesmo não pensado a todo instante na morte, descobrimo-nos perecíveis, frágeis e sempre a um passo dessa que seria a nossa verdade mais tangível. Conformados e inconformados, de quando em vez, dizemos para nós mesmo que tudo passa e que um dia não estaremos mais aqui.

Diametralmente em rota de colisão com essa consciência coletiva, o cristianismo afirma o contrário. Em tom firme, Paulo diz que se Cristo não ressuscitou e não ressuscitamos com ele, vã é nossa fé (Vale ler integralmente I Cor 15). Esta certeza para Paulo é carta magna. Sua defesa sobre a ressurreição é categórica e aposta nela como única forma de sentido real, depois de termos abraçado os passos de Jesus, que se revela na sua inteireza e compreensível aos seus discípulos na ressurreição, o que equivale dizer que só na ressurreição podemos compreender o sentido máximo da vida do mestre e também da nossa. A ressurreição para Paulo não é mistério depois da vida do mestre. A ressurreição é o meio pelo qual se interpreta o mistério da vida do mestre. O que estava oculto é desvelado pela ressurreição.

A ressurreição, logo, debela as incertezas que se tinham sobre Jesus. Ela não traz incertezas, as tira. É também o caminho de volta dos discípulos para o mestre. Sem ressurreição sem o fato cristão, o fato Jesus. Tão radical é para os cristãos essa chave para abrir a porta para encontrar Jesus e a vida em plenitude, que mesmo afirmando a ressurreição como centro hermenêutico para acessar o nazareno, o cristão atual médio nem se aproxima da superfície do significado dessa vultosa experiência. Essa desmonta a certeza comum de que a morte é a única certeza. Dizer que a morte é a única certeza é, na ótica cristã, uma forma de guardar uma segurança bastante frágil, que não se confronta com a ressurreição. Certeza por falta de esperança, pela aposta mais fácil na realidade atual como única realidade. O cristianismo, todavia, não entende assim. Percebe nessa certeza o maior medo humano, terror de não ter certeza alguma já que não poderia se agarrar a uma vida após a morte. Portanto, a visão cristã não vê nessa certeza a verdade sobre os desejos do ser humano, mas o afã de querer mais, um mais que está na ressurreição de Cristo.


A vida e não a morte é a certeza cristã. É a ressurreição de Cristo Jesus a base para essa certeza sobre a vida que é transformada. É o choque dado por sua ressurreição nos discípulos que faz todos olharem para sua vida e significados. A celebração de finados, então, é dentro desse viés a celebração da esperança no resgate do ressuscitado e sua promessa de vida para o ser humano. Desta forma é a desconstrução da certeza da morte, pois implode o mascaramento do medo de aceitar as incertezas, as inquietações, as perguntas sobre o viver. Por outro lado, a ressurreição, a vida que continua transformada, lança o desafio da fé, o sossego de balbúrdias interiores que diz que a vida é maior que a vida que toca nossos sentidos.