Nas democracias, a mudança do poder político só é legítima pela via eleitoral. Golpe é a mudança do poder
político, de forma repentina, sem a deliberação ou o respaldo popular.
Em 1964, o movimento golpista se
deu, com violência; e o protagonismo foi dos militares. Em 2016 (com violência
simbólica), o aparente protagonismo do parlamento no golpe só foi possível pelo evidente
respaldo do judiciário. Em ambos os casos, mídia e setor financeiro foram os
avalistas das rupturas democráticas.
Vamos agora a outro ponto e sem
rodeios. Os poderes executivo e legislativo, por mais complexos e corruptos que
sejam, estão referenciados e respaldados no voto popular. Políticos estão no
poder hoje; podem não estar amanhã. Dependem e se submetem à vontade do cidadão/eleitor.
Por outro lado, juízes,
promotores, policiais não têm mandato. Chegam ao poder sem respaldo popular. Talvez, por isso, sintam-se distantes do povo (seus valores, necessidades e desejos).
Individualmente, existem excelentes juízes, promotores e policiais. Mas, aqui, a questão não se trata de uma análise individual. É uma análise institucional.
Individualmente, existem excelentes juízes, promotores e policiais. Mas, aqui, a questão não se trata de uma análise individual. É uma análise institucional.
Juízes, promotores e
policiais construíram ao longo do tempo uma "linhagem de cidadãos excepcionais". Vivem num "universo
paralelo", onde não se submetem a nenhuma forma de controle social e
político; nem prestação de contas à sociedade. Edificaram tal "império" às custas
da chantagem política e da conivência, omissão e parceria com os grupos que têm
interesses numa justiça enviesada.
Se formalmente "todos são iguais perante a lei" (CF/88, art. 5º), na "vida como ela é" (Nelson Rodrigues), esse grupo se considera acima da lei.
Se formalmente "todos são iguais perante a lei" (CF/88, art. 5º), na "vida como ela é" (Nelson Rodrigues), esse grupo se considera acima da lei.
Seus prepostos e
defensores nos outros poderes, na mídia e os donos do capital (que são os
beneficiários diretos da SELETIVIDADE do sistema de justiça), mantém esse
edifício aparentemente impoluto. Fazem-nos crer que o judiciário é isento,
justo e composto por homens e mulheres acima do bem e do mal, essencialmente republicanos e
democratas. Assim, todos esses segmentos ganham com uma justiça que age para
garantir os direitos constitucionais para os ricos e os poderosos e os direitos penais para os
pobres ou aqueles que eventualmente são eleitos como bodes expiatórios pelo
sistema (não somente de justiça, mas também o sistema econômico).
A chamada "carreira jurídica do estado" chega ao
poder por meio de concurso, de caráter meramente técnico, sem nenhuma outra exigência
ou compromisso democrático ou republicano. Essa classe de privilegiados opera tão marginalmente à lei - que é fruto dos interesses dos segmentos no poder - que um
magistrado quando comete crimes geralmente é punido com aposentadoria
compulsória. Um escárnio!
Em relação à média salarial do
funcionalismo público, juízes, promotores e as elites policiais recebem proventos acima
do teto constitucional. Ou seja, aqueles que deveriam ser um exemplo no
cumprimento rigoroso e exemplar da lei são os primeiros a violá-la.
No Brasil, desde sempre, o
segmento judiciário é um estado paralelo. O professor e catedrático
Fábio K. Comparato, de ilibada índole, escreveu célebre texto sobre o poder judiciário no Brasil,
disponível no site do IHU-on line. Nessa obra fica patente que o judiciário "sempre foi e é submisso às elites, corrupto em sua essência e comprometido
secularmente com a injustiça". Veja aqui.
Mas, principalmente após a
Constituição Federal de 1988 (por mais paradoxal que possa parecer - porque a
CF/88 não mexeu nos privilégios desse grupo) foi-se consolidando no país uma
casta jurídica. Postando-se acima do bem e do mal, a juristocracia tupiniquim,
formada pelos "filhos das elites" (sociais e econômicas), não têm
nenhum compromisso com princípios como igualdade, justiça e equidade. No exercício de suas funções (gostam de chamar de "ministério") podem decidir discricionariamente acerca do que é bom, belo e justo e, impávidos, acabam por determinar os
rumos da política e da sociedade.
Nos momentos de crise,
atuam para consolidar seu poderio. Uma das últimas grandes investidas nesse sentido se
deu nas manifestações de 2013. Promotores, aproveitando da crítica ácida ao
sistema político à época, conseguiram "vender" a ideia que estavam sendo
perseguidos e enterraram a PEC 37, ampliando ainda mais seus poderes discricionários. Todos devem lembrar dessa
história... Veja aqui.
Na sequência, o STF com a aplicação do "domínio do fato" institucionalizou um contorno à Constituição. A partir de então, nova cruzada foi implementada para a desmoralização e criminalização da política e o assoberbamento da juristocracia, com ações coordenadas, envolvendo juízes, promotores e policiais.
Na sequência, o STF com a aplicação do "domínio do fato" institucionalizou um contorno à Constituição. A partir de então, nova cruzada foi implementada para a desmoralização e criminalização da política e o assoberbamento da juristocracia, com ações coordenadas, envolvendo juízes, promotores e policiais.
A situação de deslocamento do judiciário, desequilibrando a desejável relação harmônica com os outros poderes, deteriorou muito nos últimos anos. Passamos de uma situação de "judicialização da política" para um estado de "politização do judiciário".
Agora, novamente, embalados
na onda da rejeição ao sistema político, segmentos judiciários patrocinaram essas dez
medidas contra a corrupção, tendo grande respaldo social por se tratar de um projeto de iniciativa popular. Em tempos de conservadorismo galopante, conseguir dois milhões de assinaturas é fichinha. Mas, não sejamos hipócritas: essa pseudo iniciativa popular é, na verdade, de um ente estatal, o Ministério Público. Durante meses, essa instituição usou toda a sua estrutura e poder para buscar assinaturas de
cidadãos induzidos a erro pelo título do projeto.
Todos somos contra o
corrupção. E deveríamos também desconfiar dos arautos do bem (defensores da lei e da ordem, da moral, dos bons costumes e da ética) que desejam regular a sociedade, a política e os poderes públicos e não aceitam ser regulados por nenhum mecanismo. Somente um
inocente útil ou um mal-intencionado pode acreditar nessa virginal historinha.
A Câmara dos Deputados,
aquele covil de corruptos, salvo exceções, tentou dar um golpe no projeto original do
Ministério Público. Como vivemos numa república de golpes e de golpistas despudorados,
promotores e magistrados deixaram transparecer, com veemência, que de
democratas só têm discurso. Partiram para as ameaças e conseguiram, como em 2013, despertar também aqueles "nacionalistas de camisas da CBF" que são os protegidos desse sistema injusto... Todos se armam e estão prontos para um contra-golpe.
Não nos enganemos: os
arroubos autoritários desse grupo, a juristocracia, além de uma afronta ao
estado de direito (pois produz um evidente desequilíbrio entre os poderes), são um "brado retumbante" a sinalizar a tentativa de consolidação de um poder paralelo que deseja
assumir o protagonismo das decisões políticas à fórceps, sem respaldo, respeito e deliberação popular. Trata-se do prenúncio de um golpe dentro do golpe.
Não canso de repetir Rui
Barbosa: "A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela,
não há a quem recorrer."
Atualizado em 02/12/2016, às 10h35min e
03/12, às 10h30min.
03/12, às 10h30min.
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