domingo, 28 de maio de 2017

Idiota é quem não participa da política


A Ágora era o nome que se dava às praças públicas na Grécia Antiga. Nessas praças ocorriam reuniões onde os gregos, principalmente os atenienses, discutiam assuntos ligados à vida da cidade (pólis). A democracia grega não é uma cartilha a ser seguida. É uma semente a ser pensada, plantada e construída coletivamente. 
É preciso falar sobre política nesses tempos de individualismo exacerbado, pós-verdade, paralisia decisória frente aos grandes problemas políticos nacionais.

Voltemos à Grécia antiga. Há 2500 anos, os gregos “inventaram” a democracia. Em Atenas, por exemplo, a vida pública interessava a todos os cidadãos e os politikos eram aqueles que se dedicavam ao governo da polis (a cidade), colocando o bem comum acima de seus interesses individuais.

Os gregos entendiam que o idiota era a pessoa que não estava integrada na polis; aquele que não se interessava ou não participava dos assuntos públicos (de grande importância naquela época) e só se ocupava de si próprio. Desta concepção vem a raiz da palavra idiota, o termo “idio”, que significa próprio. 

Ou seja, o idiota é aquele que só vive a sua vidinha privada, que só pensa no seu umbigo, nos seus interesses; que recusa a política; que diz não à política. Sua expressão generalizada é: “não me meto em política”. Ou, nos termos das últimas campanhas eleitorais no Brasil, “chega de política”.

Ao contrário do idiota, o “político” era o cidadão que se envolvia com os assuntos públicos, ou seja, possuía os atributos para construir para si um estatuto de cidadania (participação na vida pública). Este estatuto exigia de cada polites um envolvimento direto na condução coletiva dos assuntos da cidade. O político era aquele cujos interesses estavam expressos em ações com vistas à coletividade, igualdade, participação e democracia.

Para os antigos gregos, portanto, não havia liberdade fora da política. Ou seja, o idiota – que é um ensimesmado e não se preocupa com o bem comum, colocando-se como o centro do universo -, não é livre porque só é livre aquele que se envolve na vida pública, na vida coletiva.

Esse modo de envolvimento coletivo nos assuntos públicos transformou Atenas numa cidade próspera. Seu porto era cosmopolita, possibilitando o encontro e o embate com outros povos, assim como a discussão de problemas relativos à cidade. Isso possibilitava mais autonomia ao cidadão, que era livre para discutir, decidir, se posicionar. Tratava-se de uma cidadania ativa e participativa, à medida que o cidadão era ativo dos assuntos e das decisões coletivas, a beneficiar toda a comunidade política.

Voltemos ao Brasil. Nesse momento político no qual o individualismo nos lança na indiferença, na violência contra o outro ou na desresponsabilização em relação ao exercício da cidadania é preciso lembrar dos antigos gregos.

O que está acontecendo por aqui tem a ver com nossas ações e omissões enquanto cidadãos; enquanto políticos.

Não podemos nos amesquinhar frente a esse totalitarismo da indiferença (Josep Romaneda). Não podemos nos afastar da noção de bem comum e do princípio da res publica (coisa pública; de responsabilidade de todos).

A criminalização da política pela mídia (sempre interessada em afastar os cidadãos da vida pública) está a fabricar cada vez mais idiotas, que são aqueles que se afastam da política e se gabam dessa postura infantil e descomprometida com os rumos da vida pública.  São  também conhecidos como “midiotas”.

Vejamos o que ocorre nesses dias: a indecisão das elites na escolha do substituto de Temer, por exemplo, comprova cabalmente que não há políticos ocupando os cargos de poder. O que temos no governo e no Congresso são “profissionais da política”, serviçais do dinheiro, e idiotas, que só se preocupam com os interesses próprios e não cuidam do bem-comum.

Os golpistas não encontram dentre seus quadros nenhum político de fato, ou seja, nenhuma pessoa comprometida com o bem-comum, empenhada com os interesses públicos, para ser apresentada à sociedade nesse momento de crise institucional, a gerar legitimidade para um futuro governo.

Aliás, os golpistas só se preocupam com os interesses privados. Afinal, o foco atual do poder (mundial, diga-se de passagem) não está na política, mas na economia e quem comanda a sociedade é o complexo financeiro-empresarial internacional. Neste sentido, os donos do poder não são os políticos. Leia mais sobre isso, aqui .

Temer, um fantoche nas mãos dos donos do poder, só continua na chefia do governo, como um zumbi, porque a coalizão que o sustenta, formada por idiotas e não por políticos, não tem consenso acerca de um nome para apresentar à sociedade.

Por outro lado, há omissão, medo, covardia e divisão dos setores progressistas comprometidos com a cidadania em torno de um nome e de um programa (de governo) que possam ser apresentados à sociedade como contraponto ao grupo que usurpa o poder. Isso também é sinal de idiotice!

Abundam idiotas. Há poucos políticos. 

Para superarmos a crise política que vivemos precisamos de mais políticos e menos idiotas, tanto no exercício do poder, quanto nas várias instâncias de mobilização, articulação a ação política da nossa sociedade.



quarta-feira, 24 de maio de 2017

Temer só se sustenta pela violência

Agora é oficial. O golpista que:
(a) não tem nenhum  apoio popular;
(b) que perdeu o apoio da globo golpista;
(c) que assiste sua base de malfeitores pragmáticos derretendo no congresso;
(d) que começa a perder apoio da justiça da casa grande;
(e) que sabe que sua única tábua de salvação é viabilizando as malfadadas reformas para agradar os donos do mundo (bancos, conglomerados financeiros e empresariais), convocou as Forças Armadas para tentar mais uns suspiros...

Ele sabe que só lhe resta usar a violência para continuar no poder.

O uso desse expediente filhote da ditadura, chamado "garantia da lei e da ordem" (GLO), só é permitido em casos excepcionalíssimos, como prevê a CF e legislação de 2013.

O que ocorreu em Brasília não pode ser enquadrado dentro desse tipo de excepcionalidade, pois a PM do DF tinha todas as condições operacionais para agir dentro da lei, garantindo direitos e inibindo eventuais excessos.

Lembremos que em 2013 as manifestações em Brasília foram muito mais tensas e intensas, sem utilização desse pretexto autoritário.
Logo, o ato de Temer é, além de desespero, ilegal, arbitrário e inconstitucional.

A  ação das Forças Armadas como instrumento de suporte ao presidente morto-vivo, um verdadeiro zumbi político, agrava sobremaneira o quadro político-institucional e nos lança num precipício.

Se até agora tínhamos situações que poderiam levar a quebra da ordem institucional, com esse tipo de medida ficamos reféns de (possíveis) criminosos no poder,  que usam do aparato de Estado para se imporem pelas vias da violência institucional.

Isso é inadmissível e derruba o último pilar do Estado de Direito cambaleante desde o golpe fajuto arquitetado pelos setores atrasados, antidemocráticos e antinacionais, à serviço do rentismo internacional.

Ademais, usar a GLO por uma semana, enquanto o Congresso vota as reformas que acabam com direitos, é impor violência institucional para garantir à fórceps a usurpação legislativa (porque sem nenhum respaldo popular) e a viabilidade de um governo ilegítimo. Escárnio!

Se ainda há um pingo de hombridade e de defesa da Constituição no STF espera-se uma ação enérgica da Corte antes que a barbárie tome conta do país...

sábado, 20 de maio de 2017

Para entender o atual momento político nacional: os donos do mundo, os golpes e o que podemos fazer



Não nos enganemos. Quem manda no mundo ultimamente são as corporações. Os governos são serviçais dos donos do capital.

A partir da crise financeira de 2008 recrudesceu a concentração econômica planetária. Atualmente, 28 grandes grupos financeiros manejam quase dois trilhões de dólares por ano. O balanço desses megaconglomerados financeiros que tem, entre outros, o Goldman Sachs, o JP Morgan Chase, o Bank of America, o Citigroup, o Santander mostra um patrimônio (não produtivo) de 50 trilhões de dólares, sendo que o PIB mundial está na casa dos 75 trilhões. Esses conglomerados detém cerca de 68% do fluxo  mundial do capital.

E como esses conglomerados controlam os governos, a economia, as políticas e as agências multilaterais? Dois exemplos: o orçamento da ONU no biênio 2014-2015 foi composto de 5,5 bilhões de dólares de doações dos estados membros e 14,1 bilhão de orçamentos extrais, leia-se doação de grandes grupos financeiros e empresariais. Quando o FMI, um órgão da ONU, por exemplo, é chamado para “socorrer” um país a fatura dessa “benemerência” é cobrada. É o mesmo processo que vicia a representação política, com o financiamento ou o caixa dois das campanhas eleitorais.

No plano das Nações, o controle do capital se dá não somente através desses organismos multilaterais como também através dos chamados “quadros técnicos” que compõem os governos dos países. Por exemplo, os ministros da Fazenda e/ou da Economia são, na atualidade, funcionários dos bancos; ou seja, são treinados no mundo das finanças. Dito de outra forma: lá estão para defender os interesses das corporações; nunca os interesses dos povos. Só um mal intencionado não percebe isso...

Vejamos no Brasil: o atual ministro da Fazenda veio do Banco de Boston e o atual presidente do Banco Central é cria do Banco Itaú. Aliás, Henrique Meireles também trabalhou na JBS.  E é candidatíssimo da coalizão golpista para suceder Temer, o impostor, tão logo ele renuncie ou seja deposto.

Ademais, CEO’s de bancos estão em outros cargos estratégicos dos governos. Henry Paulson, secretário do Tesouro dos EUA, por exemplo, à época da crise de 2008 era executivo do Goldman Sachs. Ele conseguiu que o rombo provocado pela crise gerada pelo mercado imobiliário fosse transferido para os governos. Ou seja, fosse paga com dinheiro dos impostos dos contribuintes. Sob Trump, essa relação promíscua entre público e privado ainda é mais explícita.

Esse sistema funciona graças à corrupção generalizada; um fenômeno internacional. Nada menos de 25% do PIB mundial são remetidos a paraísos fiscais por grandes empresas e instituições financeiras.  Estima-se que a cada ano 18 trilhões de dólares seguem o caminho da sonegação de impostos. No Brasil a estimativa de evasão fiscal entre 2003 e 2012 foi de 220 bilhões de dólares. E a turma do pato amarelo vive falando de carga tributária. Quanta desfaçatez!

Tudo isso para dizer que a corrupção é a mola propulsora do capitalismo rentista e concentrador de renda e riqueza que viceja nos últimos tempos. A concentração de poder em pouquíssimas empresas e a fusão ou compra de grandes bancos desencadeados pela crise de 2008 determina o modo de funcionamento de um sistema apodrecido e que precisa corromper governos (agentes públicos) para subsistir.

Registramos, também, a política de criação de megaempresas brasileiras durante os governos petistas, a corroborar o adensamento do já histórico processo endêmico de corrupção que assola nosso país. Certamente, essa política agravou o quadro de corrupção no Brasil.

É assim que precisamos entender o atual momento político nacional. Portanto, a visão distorcida pela mídia mostrando diuturnamente que a corrupção está associada exclusivamente a agentes políticos corruptos, incriminando o sistema político, é propositalmente falsa e manipuladora. A corrupção generalizada praticada por grandes empresas e bancos, inclusive com sistemática sonegação de impostos, é estratégia utilizada para a maximização de lucros de forma criminosa.
No caso brasileiro o escárnio beira o imponderável. Nas eleições de 2014, dez grandes grupos [bancos, empresas (empreiteiras e agronegócio) e fundos de investimento] gastaram 5 bilhões de reais e elegeram 70% do congresso nacional. Um congresso pra chamar de seu...

Esse grupo tocou o impeachment fajuto para implantar a pinguela para o passado de Temer: uma receita neoliberal que protege rentistas e destrói qualquer possibilidade de construção de um país minimamente justo.

Mas, como foram com muita sede no pote, o remédio amargo estava levando o paciente ao óbito. E como golpe começou a correr riscos era preciso reação. Ou alguém acha que as organizações globo estão preocupadas com democracia, justiça e paz?

Aqui, entra o terror dos conglomerados financeiros nacionais nos últimos dias com o adensamento da resistência popular a exigir o resgate da democracia real; ou seja, exigirem que os cidadãos voltem a decidir que o estado deve mediar as relações entre capital e trabalho, a criar mecanismos de controle do fluxo de capitais, retomando o controle político e democrático sobre a economia; uma economia a serviço do povo e não de meia dúzia de abastados.

É dentro desse complexo quadro que é preciso entender a luta fratricida das elites político-financeiras, nesse momento histórico nacional, frente à resistência popular em crescimento,no atual estágio do golpe.

Temer já cumpriu o roteiro que lhe fora atribuído pelo capitalismo rentista: vendeu e/ou destruiu o patrimônio e as grandes empresas públicas e encaminhou as políticas restritivas de direitos a garantirem o orçamento público para pagamento da dívida pública aos rentistas credores. Agora, pode ser descartado.

A briga, neste momento,  é um golpe dentro do golpe:  colocar no lugar de Temer um “homem de confiança do mercado” , a ser apresentado à sociedade como probo e eficiente, criando condições para que o grupo no poder consiga implementar as  malfadadas reformas em curso, além de viabilizar um candidato palatável em 2018, tendo em vista a derrocada dos caciques tucanos.

Usando da velhaca estratégia de respeito à constituição (que não foi respeitada quando impicharam Dilma), a ideia da ampla coalizão golpista é insistir nas eleições indiretas, mas uma vez expurgando o povo, origem e fonte do poder nas democracias, das decisões.

Em uníssono tentarão vender a ideia que o país está no rumo do crescimento com as reformas temerosas.

Mas, esquecem que o povo já começa a perceber que desenvolvimento não é crescimento (econômico, concentrador de riqueza); que crescimento só é eticamente justo e aceitável se for com distribuição de renda, inclusão e justiça social.

Portanto, é preciso unir forças para, primeiramente, retomarmos a democracia, mesmo que de baixa intensidade, com eleição diretas para presidente. Na sequência, utilizar a potente energia viva das ruas para elegermos um novo Congresso que poderá ter condições de legitimidade para promover as mudanças estruturais, como uma profunda reforma de todo o sistema político, a mãe de outras reformas como a tributária, a de comunicação, a do judiciário, a da segurança pública, dentre outras.

É hora dos movimentos sociais, sindicais e eclesiais olharem para a sociedade. É da sociedade que brotarão as forças capazes de liberarem os processos de mudanças estruturais.

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Nota: os dados utilizados nesse texto são das seguintes fontes: DOWBOR, Ladislau, “El capitalismo cambió las reglas, la politica cambió de lugar”, Nueva Sociedad; CACCIA-BAVA, Silvio, “A corrupção e o impasse político”, encontro do Movimento Nacional de Fé e Política (maio 2017); Ministério das Relações Exteriores, “Temas orçamentários e administrativos da ONU”.

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Será que Temer pensa que a Igreja Católica é como um partido de aluguel da sua base política?


Foto: Beto Barata/PR
Desde o posicionamento firme da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) contra as reformas trabalhista e previdenciária (e o questionamento assertivo da entidade sobre a legitimidade dos atuais governo e Congresso de processarem tais reformas), há uma investida de Temer e seus emissários para o convencimento de bispos, principalmente do campo mais conservador,  a apoiarem as iniciativas da coalizão política que está no poder.

Recordemos: no fim de março, o Conselho Permanente da CNBB aconselhou e motivou a população a se mobilizar contra as chamadas reformas, principalmente a previdenciária. Em nota, o órgão criticou duramente a proposta (de reforma da Previdência), afirmando que o governo “escolheu o caminho da exclusão social” e que “nenhuma solução para equilibrar um possível déficit pode prescindir de valores ético-sociais e solidários”. E mais, que a reforma tratava a Previdência sob a ótica “estritamente econômica” e o governo utilizava de informações “inseguras, desencontradas e contraditórias” para impor esse sacrifício aos trabalhadores.

Foto: Beto Barata/PR
A primeira tentativa de enquadramento do episcopado (e essa é a melhor palavra, porque ao que tudo indica se deu através de convocação), foi de iniciativa do próprio Temer. Ainda durante a realização da Assembleia Geral do episcopado brasileiro, em Aparecida (entre os dias 26/04 e 04/05), aquele que se apossou do Palácio do Planalto convocou o Núncio Apostólico (representante diplomático da Santa Sé no Brasil), Dom Giovanni d'Aniello, para uma conversa.

Durante a Assembleia Geral dos Bispos, Antônio Imbassahy (da Secretaria de Governo) e o secretário da Previdência, Marcelo Caetano, foram pessoalmente a Aparecida para apresentar aos bispos católicos as mudanças feitas no texto durante a 55ª Assembleia-Geral da entidade tentando angariar o apoio dos bispos. 

Como foi amplamente divulgado nas mídias sociais, com o desdém retumbante da mídia nativa, na semana anterior ao início da Assembleia, padres, bispos, arcebispos e outros religiosos convocaram os cristãos para participarem da greve geral do dia 28 de abril e a rejeitarem as propostas de reformas do governo golpista.

O fato é que a convocação do representante do Papa no Brasil não surtiu o efeito esperado. Logo depois da visita de dom Giovanni d’Aniello, a CNBB divulgou um comunicado ainda mais duro contra as reformas (desta vez incluindo a reforma trabalhista) e aproveitou da ocasião para criticar a degradação da política nacional. A nota de encerramento da Assembleia Geral da CNBB afirma que o Brasil é um “país perplexo diante de agentes públicos e privados que ignoram a ética e abrem mão dos princípios morais, base indispensável de uma nação que se queira justa e fraterna”.

 Não deixando de propor uma reflexão mais ampla sobre a realidade política atual, os bispos do Brasil afirmaram, no documento, que “o desprezo da ética leva a uma relação promíscua entre interesses públicos e privados, razão primeira dos escândalos da corrupção”. E chamou à responsabilidade os que tripudiam da democracia e da conquista de direitos: “O Estado democrático de direito, reconquistado com intensa participação popular após o regime de exceção, corre riscos na medida em que crescem o descrédito e o desencanto com a política e com os Poderes da República cuja prática tem demonstrado enorme distanciamento das aspirações de grande parte da população.”

Conectando-se às preocupações do Papa Francisco, a nota da CNBB apontava que “intimamente unida à política, a economia globalizada tem sido um verdadeiro suplício para a maioria da população brasileira, uma vez que dá primazia ao mercado, em detrimento da pessoa humana e ao capital em detrimento do trabalho, quando deveria ser o contrário.”

Aliás, noutra frente Temer tentou, em vão, convencer o Pontífice de visitar o Brasil neste ano. Francisco, como divulgamos com exclusividade e em primeira mão no Brasil 247, em 22 de outubro do ano passado (veja aqui), reiterou a emissários de Temer que não virá ao país.  Noutra ocasião, o Papa já havia sinalizado a bispos da Conferência Episcopal Latino-Americana que conhece bem os golpes brandos que acontecem na América Latina (Veja aqui).

Voltando à relação de Temer com a CNBB, não obstante as investidas realizadas durante a Assembleia Geral, o chefe do executivo federal não se deu de vencido e parece não ter se convencido que a ampla maioria do episcopado brasileiro escolheu caminhar junto dos trabalhadores, dos desempregados, dos órgãos e das viúvas e afastar-se de qualquer apoio ao governo golpista.

Em entrevista à Rede TV!, Temer quis implantar a cizânia entre os bispos, afirmando que apenas setores da Igreja e “parte da CNBB” se opõem publicamente às reformas.

Acontece que a nota emitida pela Conferência foi ratificada pelo conjunto esmagador do episcopado nacional. E as pouquíssimas defecções dentro do episcopado não se pronunciaram publicamente.

Mas, o bom católico de casaca não se deu por convencido. Disse, na entrevista à emissora que enviaria informações aos bispos e conversaria pessoalmente com alguns cardeais, entre eles dom Odilo Scherer e dom Orani Tempesta, dois purpurados da ala conservadora da Igreja e que, inclusive, já tinham visitado Temer quando ele se apossou por definitivo do Palácio do Planalto (no dia 10 de outubro do ano passado).

No último dia 08 de maio, um desses cardeais apareceu na mídia que funciona como porta-voz do governo golpista. Em entrevista à Folha de São Paulo, o arcebispo Odilo Scherer disse que os comunicados da CNBB não falam em nome de todos os bispos, a corroborar a afirmativa do presidente usurpador à Rede TV!

Mas, o fato é que há um grupo pequeno abertamente reacionário e conservador (como é o grupo dos bispos progressistas, diga-se de passagem). Esse grupo de bispos conservador - e que parece não se incomodar com uma sociedade altamente desigual e injusta como a nossa, por mais paradoxal que isso possa parecer -, é liderado pelos cardeais do Rio, dom Orani Tempesta, e de São Paulo, dom Odilo Pedro Scherer.  Nem eles, nem qualquer dos bispos auxiliares das duas maiores metrópoles brasileiras se manifestaram a favor da greve geral, por exemplo. E noutras ocasiões já apoiaram publicamente o governante golpista.

Agora, nessa terça, dia 16/05, a jornalista Daniela Lima, da Folha de S. Paulo, informou que Antonio Imbassahy e Marcelo Caetano embarcaram para Diamantina para conversarem com o arcebispo daquela arquidiocese, Darci Nicioli, outro bispo da ala conservadora.

Em março de 2016, Dom Darci, numa missa no Santuário Nacional de Aparecida, depois de falar em pisar a cabeça da serpente durante a homilia, concluiu a oração dos fiéis dizendo: “Peça, meu irmão e minha irmã, a graça de pisar na cabeça da serpente. De todas as víboras que insistem e persistem em nossas vidas. Daqueles que se autodenominam jararacas. Pisar a cabeça da serpente. Vencer o mal pelo bem por Cristo nosso senhor. Amém”.

Na ocasião, todos interpretaram que se tratava de clara alusão ao ex-presidente Lula. Dois dias antes da pregação do bispo, Lula havia se comparado a uma jararaca ao comentar a operação da Polícia Federal que o impôs uma condução coercitiva. Ironizando o fato, Lula afirmou que não mataram a “jararaca”, pois teriam acertado o rabo e não a cabeça.

O fato é que dias depois dessa homilia, Dom Darci foi transferido de Aparecida para Diamantina.  Curiosamente, essa Arquidiocese ficou muito conhecida no Brasil durante o episcopado de Dom Geraldo de Proença Sigaud – que empreendeu uma enorme cruzada contra o que denominava “a influência das ideias comunistas no Brasil”. Tal empreitada levou-o a escrever uma Carta Pastoral, intitulada “Catecismo Anticomunista”. (Será que estamos assistindo um filme do passado?)

Juntamente com Dom Antônio de Castro Mayer e Plínio Corrêa de Oliveira escreveram o livro "Reforma Agrária, Questão de Consciência". Segundo os autores, uma reforma das estruturas sociais levaria o Brasil rumo ao comunismo.

Dom Sigaud foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP). Nas décadas de 1960 e 1970 era um crítico ferrenho do chamado clero progressista, confrontando-se em várias ocasiões com Dom Hélder Câmara, chamado pela imprensa brasileira de “o arcebispo vermelho”.

Tudo isso registrado fica a seguinte pergunta: será que Temer pensa que a Igreja no Brasil é como um partido político de aluguel, da sua base de governo?

Será que o golpista acha que com algumas esmolas à emissoras católicas comprará o apoio da institucional da Igreja? Que convencendo alguns amigos bispos calará todos os demais? Que chantageando o episcopado ganhará o apoio de uma instituição que, por vocação e mandato de Cristo, deve estar ao lado dos pobres?

Temer precisa entender que nem todas as instituições da república são como o Congresso, os partidos ou o STF.