quarta-feira, 17 de maio de 2017

Será que Temer pensa que a Igreja Católica é como um partido de aluguel da sua base política?


Foto: Beto Barata/PR
Desde o posicionamento firme da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) contra as reformas trabalhista e previdenciária (e o questionamento assertivo da entidade sobre a legitimidade dos atuais governo e Congresso de processarem tais reformas), há uma investida de Temer e seus emissários para o convencimento de bispos, principalmente do campo mais conservador,  a apoiarem as iniciativas da coalizão política que está no poder.

Recordemos: no fim de março, o Conselho Permanente da CNBB aconselhou e motivou a população a se mobilizar contra as chamadas reformas, principalmente a previdenciária. Em nota, o órgão criticou duramente a proposta (de reforma da Previdência), afirmando que o governo “escolheu o caminho da exclusão social” e que “nenhuma solução para equilibrar um possível déficit pode prescindir de valores ético-sociais e solidários”. E mais, que a reforma tratava a Previdência sob a ótica “estritamente econômica” e o governo utilizava de informações “inseguras, desencontradas e contraditórias” para impor esse sacrifício aos trabalhadores.

Foto: Beto Barata/PR
A primeira tentativa de enquadramento do episcopado (e essa é a melhor palavra, porque ao que tudo indica se deu através de convocação), foi de iniciativa do próprio Temer. Ainda durante a realização da Assembleia Geral do episcopado brasileiro, em Aparecida (entre os dias 26/04 e 04/05), aquele que se apossou do Palácio do Planalto convocou o Núncio Apostólico (representante diplomático da Santa Sé no Brasil), Dom Giovanni d'Aniello, para uma conversa.

Durante a Assembleia Geral dos Bispos, Antônio Imbassahy (da Secretaria de Governo) e o secretário da Previdência, Marcelo Caetano, foram pessoalmente a Aparecida para apresentar aos bispos católicos as mudanças feitas no texto durante a 55ª Assembleia-Geral da entidade tentando angariar o apoio dos bispos. 

Como foi amplamente divulgado nas mídias sociais, com o desdém retumbante da mídia nativa, na semana anterior ao início da Assembleia, padres, bispos, arcebispos e outros religiosos convocaram os cristãos para participarem da greve geral do dia 28 de abril e a rejeitarem as propostas de reformas do governo golpista.

O fato é que a convocação do representante do Papa no Brasil não surtiu o efeito esperado. Logo depois da visita de dom Giovanni d’Aniello, a CNBB divulgou um comunicado ainda mais duro contra as reformas (desta vez incluindo a reforma trabalhista) e aproveitou da ocasião para criticar a degradação da política nacional. A nota de encerramento da Assembleia Geral da CNBB afirma que o Brasil é um “país perplexo diante de agentes públicos e privados que ignoram a ética e abrem mão dos princípios morais, base indispensável de uma nação que se queira justa e fraterna”.

 Não deixando de propor uma reflexão mais ampla sobre a realidade política atual, os bispos do Brasil afirmaram, no documento, que “o desprezo da ética leva a uma relação promíscua entre interesses públicos e privados, razão primeira dos escândalos da corrupção”. E chamou à responsabilidade os que tripudiam da democracia e da conquista de direitos: “O Estado democrático de direito, reconquistado com intensa participação popular após o regime de exceção, corre riscos na medida em que crescem o descrédito e o desencanto com a política e com os Poderes da República cuja prática tem demonstrado enorme distanciamento das aspirações de grande parte da população.”

Conectando-se às preocupações do Papa Francisco, a nota da CNBB apontava que “intimamente unida à política, a economia globalizada tem sido um verdadeiro suplício para a maioria da população brasileira, uma vez que dá primazia ao mercado, em detrimento da pessoa humana e ao capital em detrimento do trabalho, quando deveria ser o contrário.”

Aliás, noutra frente Temer tentou, em vão, convencer o Pontífice de visitar o Brasil neste ano. Francisco, como divulgamos com exclusividade e em primeira mão no Brasil 247, em 22 de outubro do ano passado (veja aqui), reiterou a emissários de Temer que não virá ao país.  Noutra ocasião, o Papa já havia sinalizado a bispos da Conferência Episcopal Latino-Americana que conhece bem os golpes brandos que acontecem na América Latina (Veja aqui).

Voltando à relação de Temer com a CNBB, não obstante as investidas realizadas durante a Assembleia Geral, o chefe do executivo federal não se deu de vencido e parece não ter se convencido que a ampla maioria do episcopado brasileiro escolheu caminhar junto dos trabalhadores, dos desempregados, dos órgãos e das viúvas e afastar-se de qualquer apoio ao governo golpista.

Em entrevista à Rede TV!, Temer quis implantar a cizânia entre os bispos, afirmando que apenas setores da Igreja e “parte da CNBB” se opõem publicamente às reformas.

Acontece que a nota emitida pela Conferência foi ratificada pelo conjunto esmagador do episcopado nacional. E as pouquíssimas defecções dentro do episcopado não se pronunciaram publicamente.

Mas, o bom católico de casaca não se deu por convencido. Disse, na entrevista à emissora que enviaria informações aos bispos e conversaria pessoalmente com alguns cardeais, entre eles dom Odilo Scherer e dom Orani Tempesta, dois purpurados da ala conservadora da Igreja e que, inclusive, já tinham visitado Temer quando ele se apossou por definitivo do Palácio do Planalto (no dia 10 de outubro do ano passado).

No último dia 08 de maio, um desses cardeais apareceu na mídia que funciona como porta-voz do governo golpista. Em entrevista à Folha de São Paulo, o arcebispo Odilo Scherer disse que os comunicados da CNBB não falam em nome de todos os bispos, a corroborar a afirmativa do presidente usurpador à Rede TV!

Mas, o fato é que há um grupo pequeno abertamente reacionário e conservador (como é o grupo dos bispos progressistas, diga-se de passagem). Esse grupo de bispos conservador - e que parece não se incomodar com uma sociedade altamente desigual e injusta como a nossa, por mais paradoxal que isso possa parecer -, é liderado pelos cardeais do Rio, dom Orani Tempesta, e de São Paulo, dom Odilo Pedro Scherer.  Nem eles, nem qualquer dos bispos auxiliares das duas maiores metrópoles brasileiras se manifestaram a favor da greve geral, por exemplo. E noutras ocasiões já apoiaram publicamente o governante golpista.

Agora, nessa terça, dia 16/05, a jornalista Daniela Lima, da Folha de S. Paulo, informou que Antonio Imbassahy e Marcelo Caetano embarcaram para Diamantina para conversarem com o arcebispo daquela arquidiocese, Darci Nicioli, outro bispo da ala conservadora.

Em março de 2016, Dom Darci, numa missa no Santuário Nacional de Aparecida, depois de falar em pisar a cabeça da serpente durante a homilia, concluiu a oração dos fiéis dizendo: “Peça, meu irmão e minha irmã, a graça de pisar na cabeça da serpente. De todas as víboras que insistem e persistem em nossas vidas. Daqueles que se autodenominam jararacas. Pisar a cabeça da serpente. Vencer o mal pelo bem por Cristo nosso senhor. Amém”.

Na ocasião, todos interpretaram que se tratava de clara alusão ao ex-presidente Lula. Dois dias antes da pregação do bispo, Lula havia se comparado a uma jararaca ao comentar a operação da Polícia Federal que o impôs uma condução coercitiva. Ironizando o fato, Lula afirmou que não mataram a “jararaca”, pois teriam acertado o rabo e não a cabeça.

O fato é que dias depois dessa homilia, Dom Darci foi transferido de Aparecida para Diamantina.  Curiosamente, essa Arquidiocese ficou muito conhecida no Brasil durante o episcopado de Dom Geraldo de Proença Sigaud – que empreendeu uma enorme cruzada contra o que denominava “a influência das ideias comunistas no Brasil”. Tal empreitada levou-o a escrever uma Carta Pastoral, intitulada “Catecismo Anticomunista”. (Será que estamos assistindo um filme do passado?)

Juntamente com Dom Antônio de Castro Mayer e Plínio Corrêa de Oliveira escreveram o livro "Reforma Agrária, Questão de Consciência". Segundo os autores, uma reforma das estruturas sociais levaria o Brasil rumo ao comunismo.

Dom Sigaud foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP). Nas décadas de 1960 e 1970 era um crítico ferrenho do chamado clero progressista, confrontando-se em várias ocasiões com Dom Hélder Câmara, chamado pela imprensa brasileira de “o arcebispo vermelho”.

Tudo isso registrado fica a seguinte pergunta: será que Temer pensa que a Igreja no Brasil é como um partido político de aluguel, da sua base de governo?

Será que o golpista acha que com algumas esmolas à emissoras católicas comprará o apoio da institucional da Igreja? Que convencendo alguns amigos bispos calará todos os demais? Que chantageando o episcopado ganhará o apoio de uma instituição que, por vocação e mandato de Cristo, deve estar ao lado dos pobres?

Temer precisa entender que nem todas as instituições da república são como o Congresso, os partidos ou o STF.



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