Foto: Beto Barata/PR |
Desde o posicionamento firme da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) contra as reformas trabalhista e
previdenciária (e o questionamento assertivo da entidade sobre a legitimidade
dos atuais governo e Congresso de processarem tais reformas), há uma investida de Temer e seus emissários para o convencimento de bispos,
principalmente do campo mais conservador, a apoiarem
as iniciativas da coalizão política que está no poder.
Recordemos: no fim de março, o Conselho
Permanente da CNBB aconselhou e motivou a população a se mobilizar contra as chamadas
reformas, principalmente a previdenciária. Em nota, o órgão criticou duramente
a proposta (de reforma da Previdência), afirmando que o governo “escolheu o
caminho da exclusão social” e que “nenhuma solução para equilibrar um possível
déficit pode prescindir de valores ético-sociais e solidários”. E mais, que a
reforma tratava a Previdência sob a ótica “estritamente econômica” e o governo
utilizava de informações “inseguras, desencontradas e contraditórias” para
impor esse sacrifício aos trabalhadores.
Foto: Beto Barata/PR |
A primeira tentativa de enquadramento do
episcopado (e essa é a melhor palavra, porque ao que tudo indica se deu através
de convocação), foi de iniciativa do próprio Temer. Ainda durante a realização
da Assembleia Geral do episcopado brasileiro, em Aparecida (entre os dias 26/04
e 04/05), aquele que se apossou do Palácio do Planalto convocou o Núncio
Apostólico (representante diplomático da Santa Sé no Brasil), Dom Giovanni
d'Aniello, para uma conversa.
Durante a Assembleia Geral dos Bispos, Antônio Imbassahy
(da Secretaria de Governo) e o secretário da Previdência, Marcelo Caetano,
foram pessoalmente a Aparecida para apresentar aos bispos católicos as mudanças
feitas no texto durante a 55ª Assembleia-Geral da entidade tentando angariar o
apoio dos bispos.
Como foi amplamente divulgado nas mídias
sociais, com o desdém retumbante da mídia nativa, na semana anterior ao início
da Assembleia, padres, bispos, arcebispos e outros religiosos convocaram os
cristãos para participarem da greve geral do dia 28 de abril e a rejeitarem as propostas de reformas do governo golpista.
O fato é que a convocação do
representante do Papa no Brasil não surtiu o efeito esperado. Logo depois da
visita de dom Giovanni d’Aniello, a CNBB divulgou um comunicado ainda mais duro
contra as reformas (desta vez incluindo a reforma trabalhista) e aproveitou da
ocasião para criticar a degradação da política nacional. A nota de encerramento
da Assembleia Geral da CNBB afirma que o Brasil é um “país perplexo diante de
agentes públicos e privados que ignoram a ética e abrem mão dos princípios
morais, base indispensável de uma nação que se queira justa e fraterna”.
Não deixando de propor uma
reflexão mais ampla sobre a realidade política atual, os bispos do Brasil
afirmaram, no documento, que “o desprezo da ética leva a uma relação promíscua entre
interesses públicos e privados, razão primeira dos escândalos da corrupção”. E
chamou à responsabilidade os que tripudiam da democracia e da conquista de
direitos: “O Estado democrático de direito, reconquistado com intensa
participação popular após o regime de exceção, corre riscos na medida em que crescem
o descrédito e o desencanto com a política e com os Poderes da República cuja
prática tem demonstrado enorme distanciamento das aspirações de grande parte da
população.”
Conectando-se às preocupações do Papa Francisco,
a nota da CNBB apontava que “intimamente unida à política, a economia
globalizada tem sido um verdadeiro suplício para a maioria da população
brasileira, uma vez que dá primazia ao mercado, em detrimento da pessoa humana
e ao capital em detrimento do trabalho, quando deveria ser o contrário.”
Aliás, noutra frente Temer tentou, em vão,
convencer o Pontífice de visitar o Brasil neste ano. Francisco, como divulgamos
com exclusividade e em primeira mão no Brasil
247, em 22 de outubro do ano passado (veja aqui),
reiterou a emissários de Temer que não virá ao país. Noutra ocasião, o Papa já havia sinalizado a
bispos da Conferência Episcopal Latino-Americana que conhece bem os golpes
brandos que acontecem na América Latina (Veja aqui).
Voltando à relação de Temer com a CNBB, não obstante as
investidas realizadas durante a Assembleia Geral, o chefe do executivo federal não se deu de vencido e parece não
ter se convencido que a ampla maioria do episcopado brasileiro escolheu
caminhar junto dos trabalhadores, dos desempregados, dos órgãos e das viúvas e afastar-se
de qualquer apoio ao governo golpista.
Em entrevista à Rede TV!, Temer quis implantar a
cizânia entre os bispos, afirmando que apenas setores da Igreja e “parte da
CNBB” se opõem publicamente às reformas.
Acontece que a nota emitida pela Conferência foi
ratificada pelo conjunto esmagador do episcopado nacional. E as pouquíssimas
defecções dentro do episcopado não se pronunciaram publicamente.
Mas, o bom católico de casaca não se deu por
convencido. Disse, na entrevista à emissora que enviaria informações aos
bispos e conversaria pessoalmente com alguns cardeais, entre eles dom Odilo
Scherer e dom Orani Tempesta, dois purpurados da ala conservadora da Igreja e
que, inclusive, já tinham visitado Temer quando ele se apossou por definitivo do
Palácio do Planalto (no dia 10 de outubro do ano passado).
No último dia 08 de maio, um desses cardeais apareceu
na mídia que funciona como porta-voz do governo golpista. Em entrevista à Folha
de São Paulo, o arcebispo Odilo Scherer disse que os comunicados da CNBB não
falam em nome de todos os bispos, a corroborar a afirmativa do presidente
usurpador à Rede TV!
Mas, o fato é que há um grupo pequeno abertamente
reacionário e conservador (como é o grupo dos bispos progressistas, diga-se de
passagem). Esse grupo de bispos conservador - e que parece não se incomodar com
uma sociedade altamente desigual e injusta como a nossa, por mais paradoxal que
isso possa parecer -, é liderado pelos cardeais do Rio, dom Orani Tempesta, e
de São Paulo, dom Odilo Pedro Scherer. Nem eles, nem qualquer dos bispos
auxiliares das duas maiores metrópoles brasileiras se manifestaram a favor da
greve geral, por exemplo. E noutras ocasiões já apoiaram publicamente o governante golpista.
Agora, nessa terça, dia 16/05, a jornalista
Daniela Lima, da Folha de S. Paulo, informou que Antonio
Imbassahy e Marcelo Caetano embarcaram para Diamantina para
conversarem com o arcebispo daquela arquidiocese, Darci Nicioli, outro
bispo da ala conservadora.
Em março de 2016, Dom Darci, numa missa no
Santuário Nacional de Aparecida, depois de falar em pisar a cabeça da serpente
durante a homilia, concluiu a oração dos fiéis dizendo: “Peça, meu irmão e
minha irmã, a graça de pisar na cabeça da serpente. De todas as víboras que insistem
e persistem em nossas vidas. Daqueles que se autodenominam jararacas. Pisar a
cabeça da serpente. Vencer o mal pelo bem por Cristo nosso senhor. Amém”.
Na ocasião, todos interpretaram que se tratava
de clara alusão ao ex-presidente Lula. Dois dias antes da pregação do bispo,
Lula havia se comparado a uma jararaca ao comentar a operação da Polícia
Federal que o impôs uma condução coercitiva. Ironizando o fato, Lula afirmou
que não mataram a “jararaca”, pois teriam acertado o rabo e não a cabeça.
O fato é que dias depois dessa homilia, Dom
Darci foi transferido de Aparecida para Diamantina. Curiosamente, essa
Arquidiocese ficou muito conhecida no Brasil durante o episcopado de Dom
Geraldo de Proença Sigaud – que empreendeu uma enorme cruzada contra o que
denominava “a influência das ideias comunistas no Brasil”. Tal empreitada
levou-o a escrever uma Carta Pastoral, intitulada “Catecismo Anticomunista”.
(Será que estamos assistindo um filme do passado?)
Juntamente com Dom Antônio de Castro Mayer e
Plínio Corrêa de Oliveira escreveram o livro "Reforma Agrária, Questão de
Consciência". Segundo os autores, uma reforma das estruturas sociais
levaria o Brasil rumo ao comunismo.
Dom Sigaud foi um dos fundadores da Sociedade
Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP). Nas décadas de
1960 e 1970 era um crítico ferrenho do chamado clero progressista,
confrontando-se em várias ocasiões com Dom Hélder Câmara, chamado pela imprensa
brasileira de “o arcebispo vermelho”.
Tudo isso registrado fica a seguinte pergunta:
será que Temer pensa que a Igreja no Brasil é como um partido político de
aluguel, da sua base de governo?
Será que o golpista acha que com algumas esmolas
à emissoras católicas comprará o apoio da institucional da Igreja? Que
convencendo alguns amigos bispos calará todos os demais? Que chantageando o
episcopado ganhará o apoio de uma instituição que, por vocação e mandato de
Cristo, deve estar ao lado dos pobres?
Temer precisa entender que nem todas as
instituições da república são como o Congresso, os partidos ou o STF.
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