domingo, 18 de dezembro de 2016

A atual fase do golpe e suas faces


Charge: Laerte Coutinho
Um golpe sempre produz gravíssimas rupturas de ordens institucional, jurídica, econômica e social. E esse golpe tem um agravante: diferentemente da ditadura civil-militar, quando os militares assumiram o controle, enquadrando as demais instituições (para gerar alguma estabilidade, pela força), o que vemos agora é uma luta fratricida entre os três poderes pelo controle do golpe.

As consequências das rupturas democráticas aparecem de variadas formas (disputa entre poderes, instabilidade das instituições, experimentos de golpes dentro do golpe...). Nas tentativas de contorna-las, os golpistas sempre abrem novas frestas a indicarem que “remendos novos em panos velhos” só servem para tamponar momentaneamente o caos.

Todos sabemos que o golpe no Brasil é patrocinado pelos Estados Unidos, especificamente pela Wall Street (o rentismo financeiro internacional). Apesar de as eleições americanas terem consagrado justamente a Main Street (o setor produtivo), na figura de Donald Trump, o capital especulativo internacional, concentrador de renda e riqueza, precisa manter nosso país como uma colônia extrativista (haja vista nossos abundantes recursos naturais) e de mão-de-obra precarizada. Ademais, para a geopolítica estadunidense, o Brasil não tem o direito de dar voo solo em nenhuma hipótese.

Para conseguir golpear nossa democracia de baixa intensidade, os rentistas internacionais optaram por patrocinarem um tipo de ruptura diferente. Ao invés de invasão externa (impossível num país da nossa dimensão) ou na aliança com os setores militares (metodologia utilizada na América Latina na segunda metade do século passado), resolveram apostar em figuras autóctones para tocar a empreitada.

Há características psicopatológicas comuns, perceptíveis nos principais líderes golpistas brasileiros: desejo incontido de poder, prestígio e bajulação e uma imensa fraqueza moral e ética, própria de personalidades pueris.

Investir nesse tipo de personalidade - de pessoas que não têm limites; vivem num mundo paralelo; postam-se como cidadãos acima do bem e do mal e são obcecados pelo poder a qualquer custo -, foi o tiro certeiro e bem orquestrado para a implementação do golpe. No momento adequado, serão descartados do jogo.

Fundamentalmente, duas estratégias foram utilizadas para criar as condições para o golpe: a primeira, treinar pessoas cuidadosamente escolhidas para executarem milimetricamente o enredo golpista. E, depois, utilizar da grande mídia para endeusar esses “salvadores da pátria”, distorcer fatos, eleger bodes expiatórios, criar um clima de instabilidade, ódio e manipulação da realidade.

As principais faces autóctones do golpe são: no campo político, Aécio Neves e Cunha (já descartado) e no campo jurídico, Gilmar Mendes, Janot, Moro e os procuradores da Lava-jato. Vejam que essas personagens têm em comum as mesmas características mencionadas acima: desejo incontido de poder, prestígio e bajulação e uma imensa fraqueza moral e ética, própria de sujeitos pueris. As cenas amistosas entre Aécio e Moro, recentemente, foram mais uma evidência da trama golpista, entre tantas outras.

Temer, como já discutimos em outro post, é uma espécie de mamulengo. Está, literalmente, nas mãos dos nominados acima e de outros de igual extirpe aninhados no seu partido, o PMDB. Muito provavelmente continuará dançando conforme a música tocada pelos verdadeiros líderes golpistas ou será solenemente descartado quando sua “missão” tiver sido devidamente cumprida.

Na atual fase do golpe importa consolidar as condições para devolver o Brasil à sua condição de colônia do capitalismo rentista. Portanto, aniquilar os direitos sociais conquistados na Constituição Federal de 1988 (antiga PEC 55 e as “reformas” da previdência e trabalhista). Para tanto, há uma orquestração das ações nos campos político (poderes executivo e legislativo) e jurídico-constitucional (STF).

Porém, devido a onda crescente de insatisfação popular (capturada nas pesquisas de avaliação do governo) e a disputa figadal entre os três poderes (cujo objetivo comum é a autopreservação de seus quadros, dado a evidente corrupção sistêmica e estrutural que os dominam), resta agora apelar para estratégias de comunicação de massa com o objetivo de dissuadir uma revolta popular. Registre-se que somente uma revolta poderá deter o golpe; afinal, o enfraquecimento e as disputas entre os campos progressistas e de esquerda não impõem qualquer perigo.

Para tentar contornar um possível caos social, uma avalanche de anúncios e programas midiáticos otimistas estão em curso. O objetivo é contrapor o clima policialesco que domina os noticiários – sempre à caça de culpados seletivamente escolhidos - e tamponar o saque ao erário e a guerra entre os golpistas. O encontro ocorrido entre o presidente e o dono da emissora oficial do golpe, a Rede Globo, nesses dias, evidencia parte dessa estratégia.

Por outro lado, para aplacar a ira dos setores econômicos, que perceberam que o golpe está aprofundando seus prejuízos, o governo anunciou um pacote de bondades para as áreas financeira e empresarial e de maldades para os trabalhadores.

Imaginem os lucros estratosféricos que serão auferidos pelos setores farmacêutico, hospitalar, de seguros e de planos de saúde com o desmonte da previdência e da saúde pública, por exemplo. Esses são alguns dos ganhadores do golpe. Nem os militares tiveram tanta ousadia. O custo dessa aventura será alto...

Acontece que, nas economias capitalistas, a somatória de golpe com recessão econômica gera, inevitavelmente, além da incerteza, uma avalanche de temor, medo difuso e “salve-se quem puder”. Preocupados com a sobrevivência, os trabalhadores (parte mais fraca) se recolhem num primeiro momento. Por isso, o esvaziamento das ruas. Mas a recessão impõe condições de vida tão precarizadas que os grupos rancorosos, racistas, fascistas e movidos por medo e ódio, de todos os segmentos sociais, aparecem, derivando numa situação sem controle, mais cedo ou mais tarde. Já começamos a viver essa situação.

Enganam-se aqueles que pensam em futuro promissor nessas condições, ainda mais num país onde a justiça sempre foi seletiva e desacreditada e as instituições referenciais, como as igrejas, também são objeto de desconfiança pública.

Ou o país retoma os rumos de uma democracia (o arranjo menos ruim), pelo voto popular, ou cairemos numa situação de barbárie.