sábado, 24 de setembro de 2016

O golpe das corporações


Infelizmente, parte da inteligência colonizada brasileira não é capaz de perceber que as teorias que têm como fulcro a democracia procedimental não dão conta de explicar certos fenômenos. Por isso, vemos, extasiados, expoentes das ciências sociais afirmarem que não houve golpe “porque as instituições estão funcionando”. Que beleza!

Como já tratamos em outros posts, a extensa coalizão política do golpe é liderada pelos caciques do PMDB e do PSDB. Não sei se nessa ordem. Aliás, na mídia, em 23/09, vimos a seguinte manchete: “PSDB é mais fiel ao governo Temer que PMDB”. Por enquanto, o desmonte das políticas públicas e sociais agrada os neoliberais tucanos, ávidos pelo poder em 2018. Vamos ver até quando esses (ajuntamentos de) interesseiros comerão na mesma panela.

Temos também o núcleo empresarial, encabeçado pela turma do pato amarelo e seus conglomerados associados.

Porém, há outros grupos que têm interesse num estado voltado à manutenção de privilégios de classe e de corporações: amplos segmentos policiais e do campo jurídico. Se voltarmos no tempo, encontraremos esses mesmos segmentos presentes nos bastidores dos golpes da proclamação da república e da ditadura civil-militar.

Já tratamos também desse núcleo da coalizão. Mas, é preciso que analisemos, mesmo que sucintamente, uma complexa engenharia política que engendra enredos jurídicos e institucionais, com o objetivo de reposicionar, contra a democracia, certas corporações estratégicas ao estado de direito.

Denominemos de campo jurídico-institucional. Os líderes desse núcleo (que também pode ser categorizado como uma coalizão - antidemocrática, antinacional e antipopular), são Rodrigo Janot (e segmentos do Ministério Público Federal), delegados da Polícia Federal (com o apoio de milhares de policiais militares e civis país afora), Sérgio Moro (e outros parceiros do Tribunal Regional Federal 4, além dos convictos procuradores ligados à 13ª Vara Federal de Curitiba) e o ministro Gilmar Mendes (o PSDB no Supremo).

Esse grupo é alavancado, apoiado e protegido seletivamente pela mídia: umbilicalmente comprometida com o capital especulativo e rentista e com os segmentos historicamente mais atrasados da nossa sociedade.

A mídia é um outro núcleo da ampla coalizão golpista. O jornalismo, transformado em tribunal inquisitorial (porque condena antes da pronúncia da justiça, ao arrepio da Constituição), produz manchetes bombásticas sobre o que é seletiva e propositadamente escolhido pelo núcleo jurídico. 

Quando, eventualmente, ficam evidentes as denúncias messiânicas, como a performance de Dallagnol, por exemplo, a mídia trata da questão como um mero erro “técnico”.

Para incriminar a esquerda e os movimentos sociais, manchetes bombásticas. Afinal, as eleições serão daqui a alguns dias. Para inocentar a direita, meros erros jurídicos.

Ademais, a grande imprensa esconde propositadamente a justiça de exceção: por exemplo, o TRF4 decidiu, nesta quinta-feira (22/9) que a operação "lava jato" não precisa seguir as regras dos processos comuns. Em outras palavras, às favas o estado de direito: a República de Curitiba está acima da lei.


Não esqueçamos: a lava-jato é uma operação judicial-policial cuja estrela-guia foi treinada nos Estados Unidos e cujo objetivo único, nos últimos tempos, é destruir um símbolo popular e, com isso, pretende-se, acabar de vez com os sonhos “de uma gente que ri, quando deve chorar e não vive, apenas aguenta”.

Essa operação, disfarçada de combate à corrupção, propiciou a assunção de um governo contra o povo: em consórcio com a mídia, a lava-jato pautou, nos últimos meses, a política institucional, principalmente no Congresso, através das manchetes seletivas produzidas todos os finais de semana (pelo núcleo jurídico). Objetivo: desestabilizar o governo que já enfrentava dura crise econômica e apear Dilma do poder a qualquer custo.

Mesmo que os analistas políticos tradicionais não queiram perceber, é evidente que os interesses (ideias/crenças) desses atores políticos articulados numa ampla coalizão de direita perverteram as regras procedimentais da democracia formal e manipularam as instituições republicanas para armar esse golpe, travestido de impeachment.

Enquanto um segmento da justiça parece tão proativo a ponto de suplantar a própria legalidade, observamos o sistema de justiça mais amplo leniente, omisso e cheio de vícios quando se trata de crimes praticados pelas elites tradicionais.

É que, no fundo, a justiça opera, também, para que os seus interesses corporativos prevaleçam sobre os interesses públicos e populares. As negociações para o aumento do Judiciário nos momentos mais nevrálgicos da crise política explicitaram essa faceta do golpe.

Já o núcleo policial, aqui inclusas as forças armadas, atua nos bastidores. Nas propostas de reformas (regressivas e inconstitucionais ) do governo de plantão, nem uma linha acerca de privilégios (trabalhistas, funcionais e previdenciários) desse segmento.

Enquanto isso, as ninfas do Supremo continuam a assistir tudo em berço esplêndido. Um estagiário de direito me perguntou: para que um tribunal constitucional numa terra sem lei? Alguém se habilita a responder?

Enquanto os torquemadas acima-da-lei perseguem uns, inclusive em hospitais (contingência que era respeitada até pela ditadura), nada (nem na mídia, nem nos tribunais, nem nas operações policiais) acerca das delações contra políticos do PSDB; não se sabe o endereço do banido da Câmara e sua esposa; não se fala mais de Daniel Dantas, do Banestado, dos sonegadores do CARF, dos titulares das contas secretas do HSBC na Suíça, da lista de Furnas, etc., etc., etc. E todos dormem na mais tranquila paz. Uma paz dos cemitérios.

Na sociedade civil, parte da classe média tradicional, outro núcleo do golpe, (entre os quais, os batedores de panelas), vomita ódio nas redes sociais e caminha em uníssono com seus negócios cujo único objetivo é eliminar os interesses dos pobres e dos segmentos socialmente vulneráveis. E há quem defenda, inclusive, eliminar os pobres.

E assim, os dias vão se passando em Pindorama: jogo jogado no congresso, na mídia e nos tribunais.


E viva o combate à corrupção! Sem panelas.