terça-feira, 1 de setembro de 2020

Fascismo galopante: Bolsonaro é bode que repele e agrada

Observando o cenário sociopolítico e religioso no Brasil, nos últimos tempos, deparamos frontalmente com fatos que demonstram a urgência de se questionar o modelo que articula visceralmente o capitalismo (poder econômico) e uma democracia iliberal (poder político) com uma sociedade patriarcal-cristã-elitista.

No campo político-institucional, um governo militar-miliciano coligado com o que há de pior dos setores do cristianismo, empresariado, agronegócio e rentismo. Impulsionado por usurpadores de bens públicos e arrombadores, sem escrúpulos, das cercas e porteiras da Constituição e das leis, com forte apoio em segmentos moralistas e de mentalidade escravocrata da classe média privilegiada, em lideranças e instituições religiosas que depõem contra a ética cristã, em corporações judiciárias e outras semi-castas (profissionais liberais que se julgam elite), a coalizão no poder central soma-se ao fenômeno global da rearticulação da extrema-direita que, como uma ideologia autoritária sempre à espreita, ganha fôlego toda vez que são acentuadas as tensões e fragilidades sociais, notadamente num contexto de crise estrutural do capitalismo. 

Como analisa Robert Kurz, a direita radical é filha legítima da democracia, porque “toda democracia produz como reação imanente ao fim do processo de modernização, com regularidade lógica, o novo radicalismo de direita em qualquer de suas variações”. (A democracia devora seus filhos. Robert Kurz. Rio de Janeiro: Editora Consequência, 2020, 172 pp). Assim, o extremismo de direita no centro do capitalismo, neste momento histórico, corresponde ao aprofundamento da crise estrutural do capitalismo, sendo o novo radicalismo de direita filho legítimo da democracia de mercado, não uma excrescência.

Portanto, para além das questões conjunturais, trata-se de um processo histórico que se agudiza em sociedades periféricas marcadas por desigualdades e violências estruturais sempre maquiadas, naturalizadas e ratificadas pelas elites e setores conservadores da sociedade (como é o caso do Brasil).

É preciso superar o velho maniqueísmo que opõe o bem versus o mal e elege bodes expiatórios para purgar fenômenos sistêmicos, ao invés de enfrentá-los. Assim, Bolsonaro, em certa medida, não passa de um “bode malcheiroso na sala” que por um lado aponta à podridão de estruturas carcomidas por vícios históricos tolerados e compartilhados socialmente e que, mesmo assim, a exalar o odor putrefato, continua a mobilizar vários setores da sociedade, da política e da religião a comprovar que o “bode” não está sozinho. Ele, simplesmente, é o amálgama do velho (travestido de novo) que insiste em não morrer. Ou seja, Bolsonaro encarna o que parte significativa da sociedade, da política, da religião e da cultura sempre foi e continua sendo. Autoritarismo, racismo, misoginia, violência, vingança estão no ethos da nossa cultura; de todos os segmentos e classes. E esse é o monstro a ser enfrentado.

Isto posto, poderíamos apresentar, e não o faremos, um rosário de perguntas acerca dos limites do nosso modelo de sociedade, democracia, cultura política e religiosa.

Cidadãos e instituições poderiam fazer um esforço e pensar sobre isso...