segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

O tripé republicano tupiniquim: militares, juízes e religiosos



Uma análise histórica da sociedade brasileira desde o final do século XIX até o presente nos ajuda a entender como as elites nacionais souberam se articular e utilizar de três grupos sociais como prepostos para se apropriarem do poder do estado: os militares, o sistema de justiça e os religiosos. Não à toa, toda “família de bem” sempre almeja ter na prole um militar, um juiz (promotor ou dono de banca famosa de advogados) [1] e um religioso (preferencialmente das altas cúpulas das igrejas).

Em artigo anterior, intitulado “bem-vindos à novíssima república do século XIX”, ponderamos que a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, foi um golpe de estado liderado por um militar, o marechal Deodoro da Fonseca, e apoiado por latifundiários, maçons, juristas e setores descontentes com a monarquia da cúpula do catolicismo.

Para justificar o golpe, a república se instalava a propagar a ideia de um país moderno e independente. Os republicanos conservadores aderiram ao positivismo, apresentado como a teoria social capaz de justificar a abissal desigualdade social e a aplicação de políticas públicas higienistas, segregadoras e excludentes. Afinal, a ciência também serve para justificar a opressão. Até mesmo uma política de embranquecimento da população foi colocada em prática.

Para os católicos conservadores se erigia, com a república, um regime político que continuaria a garantir aos homens de bem seus privilégios. Tudo sob o falso manto da laicidade do estado.

A união entre a alta cúpula dos militares, juristas e religiosos católicos, mediada por maçons (que transitavam e articulavam esses três segmentos sociais à época) era o elo fundacional e o sustentáculo da república brasileira. Uma república elitista, fundada sem o povo.

A precedência dos militares era (e continua sendo) a melhor solução para essa ordem sociopolítica elitista, paradoxalmente apresentada como moderna e democrática. Cruz e espada, sustentadas por uma ordem legal aristocrática, reeditavam a cena do “descobrimento” do país.

No referido artigo, lembrávamos também que durante todo o século XX o país foi tutelado por militares, sempre com o apoio do sistema de justiça e das elites religiosas conservadoras. Depois do golpe da proclamação da república, os militares voltaram ao poder em 1930, dividindo-o com Getúlio Vargas. Na sequência, ficaram mais poderosos aderindo ao golpe do Estado Novo, com Vargas; tiraram Vargas de cena em 1946, num golpe encomendado pelos Estados Unidos. Em 1961 ameaçaram virar a mesa se o vice-presidente João Goulart assumisse o lugar de Jânio e três anos depois, mais uma vez, sob a batuta do "império do norte", tiraram João Goulart do Palácio do Planalto, como o apoio de religiosos (as famosas marchas de “Deus pela Família”, lideradas por um clérigo estadunidense) e a conivência pacífica dos tribunais, dando início à segunda ditadura militar que durou 21 anos.

Definindo a sina da república conservadora e excludente tupiniquim, em todos esses momentos os segmentos de elite (empresários, latifundiários, banqueiros, donos da mídia e setores conservadores da classe média) apoiaram os sustentáculos operacionais do modelo de governança pela força: os militares.

Nesses 130 anos de república não tivemos sequer meio século de democracia. E, mesmo quando se falava em democracia era preciso adjetivar o termo: democracia de baixa intensidade.

Observemos que o tripé classista que dominou grande parte da história republicana brasileira (militares, juízes/promotores e clérigos) tem em comum vários elementos. A (b0a) vida das elites militares, judiciárias e religiosas é fruto de uma ordem social injusta e desigual, baseada, entre outras, na disciplina e na rigidez hierárquicas, com regras de conduta espartana. Esse modo de vida faz com que esses setores se coloquem como uma espécie de tutores da sociedade. Sempre se postam como os melhores, mais preparados, mais puros e mais santos para governarem e/ou imporem suas regras de conduta à sociedade.

Registre-se, por questão de justiça, que sempre existiram grupos minoritários de militares, magistrados e religiosos [2] que não se conformaram aos interesses das elites, nas suas instituições.

Um interregno desse arranjo elitista aconteceu no chamado “processo de redemocratização” a partir dos anos de 1980. No plano religioso, entre outros fatores, a teologia da libertação provocou um engajamento sociopolítico dos católicos, ao mesmo tempo que ocorria uma nova configuração religiosa no país, com o adensamento dos evangélicos. Na esfera social, os novos arranjos advindos com a Constituição de 1988 desarticulou, momentaneamente, o protagonismo da caserna e o judiciário, por um lapso temporal, passou a ser uma espécie de guardião dessa nova ordem que apontava para uma sociedade menos elitista e oligárquica. 

Porém, as altas cúpulas de militares, juízes e religiosos, por um bom tempo congregados na maçonaria [3], nunca perderam o protagonismo. Enquanto a sociedade dormia em berço esplêndido atribuindo poderes mágicos à “Constituição Cidadã” e os setores progressistas se acomodavam nos pactos entre elites e na tibieza à consecução de reformas estruturais (quando no poder), as Forças Armadas estrategicamente foram reassumindo o seu protagonismo. Por seu turno, as castas do judiciário (incluso o Ministério Público) foram vitaminadas com a vã promessa de “guardiãs da Constituição” e começaram a tutelar os demais poderes. Paradoxalmente, tudo acontecendo e sendo abençoado por governos autointitulados liberal-democráticos e de esquerda.

Por fim, o enfraquecimento do catolicismo progressista e da Igreja Católica e a ação deliberada dos neopentecostais evangélicos na disputa pelo poder (do Estado) [4] criou as condições suficientes para a rearticulação e revanche dos segmentos fundadores da república que, como bons estrategistas, contaram como os históricos apoiadores da velha ordem elitista: no plano internacional, os Estados Unidos (que nem precisaram aportar navios nas costas brasileiras; bastou treinar juízes e formadores de opinião na construção de uma narrativa potente ultraliberal e autoritária). No plano doméstico, os empresários, latifundiários, banqueiros, donos da mídia e os setores conservadores da classe média.

O golpe de 2016 e a consequente eleição do capitão Bolsonaro, em 2018 – superando o número de castrenses no centro do poder em relação ao governo ditatorial que se instalou em 1964 -, mostram que o velho arranjo republicano à brasileira continua valendo: militares, judiciário e a nova configuração religiosa brasileira protagonizada por uma espécie de cristianismo dos trópicos que congrega grupos evangélicos e de católicos conservadores: os neopentecostais da teologia da prosperidade, serva fiel do capitalismo individualista e de um modelo de sociedade no qual Deus abençoa somente aqueles que têm dinheiro e boa vida. Aos demais, os renegados, a sina da miséria, da exclusão social, da penúria ou, na melhor das hipóteses, da tutela da caridade dos “eleitos”.

Em todos os momentos da velha e da próxima ordem republicana tupiniquim os discursos de sempre, baseados na luta do bem contra o mal: lei e ordem (armas e sistema de justiça) para enfrentar o fantasma do comunismo; pela moral, bons costumes e família tradicional dos bons cristãos; contra as minorias e a perigosa ideia de justiça social, etc. O mesmo moralismo; as mesmas justificativas à intervenção institucional a fórceps; os mesmos atores; o mesmo desprezo à ordem constitucional e democrática.

Por fim, é importante registrar que a persistência do conservadorismo político-social-religioso brasileiro não é mérito somente dos setores elitistas da sociedade. É preciso reconhecer a incompetência dos setores progressistas que nunca conseguiram romper com a velha ordem oligárquica.

Se teremos, novamente, uma república tutelada por militares, respaldada por juízes e promotores e abençoada por religiosos, agora em formato mais dissimulado e violento - haja vista seu contorno ultraliberal -, lembremos que essa história não tem nada de muito novo. É tudo muito velho.


[1] Além dos “doutores” advogados, os “doutores” médicos também entram nesse rol.
[2] Muitos clérigos aderiram às Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) da Igreja Católica - que tiveram grande protagonismo na cena sociopolítica brasileira nas décadas de 1970 e 1980. Houve juízes que foram expurgados de tribunais durante a ditadura militar e militares que foram expulsos de suas corporações por não aceitaram práticas autoritárias, antinacionais e antidemocráticas. Em todas essas instituições (com mais ou menos poder a depender de várias circunstâncias), sempre há membros comprometidos com uma ordem social justa, igualitária e democrática.
[3] A proibição pela Igreja Católica da participação do clero na maçonaria, principalmente a partir do final do Império enfraqueceu momentaneamente essa organização. Como se sabe, muitas lojas maçônicas no Brasil foram fundadas no século XIX por clérigos católicos que queriam ambientes secretos para discutir suas ideologias liberais. Atualmente, os maçons congregam muitos dos líderes religiosos do neopentecostalismo, além de militares, juízes, promotores, empresários, latifundiários, etc.
[4] Registre-se que os primeiros protestantes (Luteranos, Anglicanos, Batistas, Metodistas, Calvinistas) que chegaram ao Brasil a partir do final do século XIX, vindos do sul dos Estados Unidos e marcados pela escravidão, traziam uma religião socialmente engajada. A grande guinada dos protestantes para o conservadorismo elitista se deu com a criação do neopentecostalismo à brasileira, resultado da transformação e readaptação das igrejas pentecostais, que veio à tona no final da década de 1970, e que hoje se faz presente nas mais diversas áreas do contexto nacional, da mídia ao cenário político, partidário e eleitoral. 

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Seis semanas depois... e um feliz ano velho!



As eleições, comumente, sempre renovam as esperanças de dias melhores...

Mas, desde a eleição do capitão Jair Bolsonaro, em 28 de outubro, convivemos, a cada semana, com supressas e sobressaltos. Para muitos, nada mais “natural”, em se tratando de um presidente que não tinha um plano de governo claro, nem discutiu com os eleitores suas propostas de ação. Afinal, a “facada salvadora” foi um álibi perfeito para retirar do debate quem não tinha muito a apresentar à população.

Para outros, esse “cheque em branco” ao eleito será o modus operandi do futuro governo que precisará do caos, do espanto, do medo e da distração para implementar uma agenda ultraliberal, conservadora e marcada pela violência seletiva contra grupos sociais.

Segue, abaixo, uma breve síntese do que ocorreu até agora:

O aparente todo-poderoso (cujas pernas parecem ser de ferro e os pés de barro) reclama estar doente (principalmente quando é colocado em xeque); é débil e visceralmente dependente dos filhos. Estes, por seu tuno, são encrenqueiros de criação. Não sabem conviver com as diferenças e a diversidade sociopolítica e cultural e acham que governar é entupir as redes sociais de fake news a acionar um “exército” de zumbis. Para complicar a vida de uma família que se apresentar como modelar, a mulher foi pega recebendo um cheque suspeito do motorista, cuja movimentação financeira, segundo o COAF, é incompatível com a renda do titular da transferência.

O futuro chefe da Casa Civil, um político dos mais tradicionais - no sentido pejorativo do termo -, foi descoberto como "cliente" de caixa-dois. Mas, já foi indultado, porque é amigo do futuro superministro da Justiça que o perdoou, depois do nobre deputado ter explicitado um cândido arrependimento público.

Aliás, suspeita-se que o ex-juiz que comandará a justiça e a segurança pública tenha chegado ao futuro cargo depois de usar a toga para interferir no processo político e eleitoral, retirando da disputa o candidato que tinha as melhores chances nas eleições deste ano. Revelações do WikiLeaks dão conta de uma estranha relação sua com órgãos do governo norteamericano. O futuro xerife-mor, tão viçoso quando estava sentado numa cadeira de juiz, andou correndo de perguntas de jornalistas nos últimos dias. Será que, sendo o chefe do COAF, investigará a conta do motorista do chefe, cujos valores movimentados dariam para comprar dezenas de pedalinhos ou reformar um apartamento?

O superministro da economia é um especulador de ofício. Banqueiro de profissão, só pensa no andar de cima e já foi acusado de falcatruas às custas de dinheiro público. É citado num esquema de fraude em que ganhou 600 mil reais em dois dias de operação na bolsa de valores, em 2004. Segundo a investigação, o esquema envolvia um fundo de pensão ligado a funcionários do BNDES.

O chanceler é um religioso fanático e infantil. Crê que Mao-Tsé-Tung está vivo; que comunistas, em pleno século XXI, ainda comem criancinhas e, pasmem: que Trump é um enviado de Deus para salvar a civilização ocidental.

O ministro da "educação” é discípulo de um lunático boquirroto (muito inteligente, diga-se de passagem), que se diz filósofo. Entre suas propostas inovadoras para o Ministério da Educação estão o combate à doutrinação marxista e a eliminação da “ideologia de gênero”: dois fantasmas que, simplesmente, não existem. Como se vê, é um gênio!

Em relação ao “filósofo”, que também é guru do presidente e seu núcleo de poder, segundo a própria filha, ele a impedia de estudar; cultuava a poligamia e hoje se refugia nos Estados Unidos. Especializou-se em produzir vídeos para a doutrinação ultraliberal de brasileiros.

O futuro ministro do meio ambiente, um filhote de think tank norteamericano, é réu em ações por eventuais práticas de crime ambiental; quase já foi preso por não pagar pensão alimentícia aos filhos e quando candidato à deputado federal em São Paulo propunha a eliminação de javalis, da esquerda e do MST, exibindo balas de um fuzil 30 ponto 60.

A bancada do partido do todo-poderoso, antes de tomar posse, já partiu para a baixaria. Trata-se de um bando de ególatras, panfleteiros e oportunistas, incluindo seus próprios filhos, uma "jornalista" barraqueira especializada em produção e disseminação de fake news e uma advogada tresloucada, conhecida pela “dança do fogo” – quando patrocinou o impeachment sem crime de responsabilidade de uma presidenta.

Em relação a futura ministra dos direitos humanos, seus vídeos de palestras na Igreja Batista da Lagoinha são suficientes para colocá-la no seu tempo: não estou certo se no século 13 ou 15.

O grande farol a guiar o futuro governo é o rei - cada vez mais nu - do império do Norte. Trump, um paranoico desmedido - que sapateia feito barata tonta lutando para colocar as Américas de volta ao seu quintal, enquanto a China amplia cada vez mais um novo império.

Com tanta dubiedade e esquisitice, “pela primeira vez na história deste país”, teremos um governo que, mesmo contando com a generosidade de seus patrocinadores (a mídia, os rentistas, banqueiros, latifundiários e empresários, entre outros) já se iniciará tutelado pelas Forças Armadas e pelo sistema de justiça da Casa Grande (que já tutelava a política há algum tempo).

E para completar o cenário, tudo é abençoado por um bando de caçadores de níquel disfarçados de discípulos das teologias da prosperidade e do domínio, saudosos de uma teocracia aqui nos trópicos.

A bem da verdade, o desejo mudancista de parte dos eleitores brasileiros - que desde 2013 vem cobrando novos atores e autores à altura da política -, somado ao rancor e ódio de parcela dos privilegiados desta nação acabou por lançar o país num “mato sem cachorro”.

Então, feliz ano velho...

domingo, 25 de novembro de 2018

Bancada evangélica substituirá presidencialismo de coalizão


Num país profundamente marcado pela mistura entre religião, cultura e poder, um fenômeno que precisa ser melhor estudado no Brasil é a ascensão política dos evangélicos. O crescimento e o fortalecimento do neopentecostalismo, o grupo mais aguerrido do universo evangélico, se expressam não somente no aumento quantitativo, na expansão geográfica e no decréscimo do catolicismo, mas, fundamentalmente, na ocupação do poder do estado por esse segmento religioso.

Inicialmente, o pentecostalismo no Brasil se caracterizava pela ostensiva ocupação dos meios de comunicação de massa. A partir da atual década, seus líderes foram avançando nos espaços públicos de poder: primeiramente no Legislativo, através das chamadas “bancadas evangélicas” (nas câmaras municipais, assembleias e, principalmente, na Câmara Federal), assim como no Executivo. A eleição de Marcelo Crivella, prefeito do Rio, em 2016, é sintomática. Ademais a chefia de ministérios por pastores, nos governos petistas, apontava esse alargamento da ocupação do poder.

Observa-se também que, quando começaram a disputar os espaços de poder, as bancadas evangélicas estavam mais preocupadas na obtenção de benefícios tributários e benesses do Estado. Porém, numa guinada, políticos evangélicos passaram a defender uma agenda moralista e conservadora, de cunho fundamentalista. Essa agenda foi se reverberando num contexto sociopolítico marcado por disputas reais e simbólicas: de um lado, narrativas e modos de governança que propunham a superação de um passado autoritário, patriarcal, excludente e racista. Doutro, narrativas que defendem os valores familiares e cristãos conservadores.

Há que se considerar, ainda, a gradual perda de poder da Igreja Católica. Como se não bastasse a “emigração” de católicos para os segmentos evangélicos, o afastamento da hierarquia católica das questões sociopolíticas foi marcante durante os papados de João Paulo II (1978 – 2005) e Bento XVI (2005 – 2013), com profunda repercussão nos movimentos de base e nas pastorais da igreja católica brasileira.

Os planos de ocupação político-institucional do poder pelos evangélicos não é novo. Resumindo um movimento mais recente: primeiro, aproximaram-se dos governos petistas, alargando seus espaços de poder. Simultaneamente, passaram a disputar eleições em vários partidos: hoje, há evangélicos em mais de 20 agremiações. Surfaram na onda da criminalização da política e dos partidos pela mídia. Articularam-se com think tanks norte-americanos na difusão e defesa intransigente de ideologias ultraliberais, utilizando-se da teologia da prosperidade. E, com Bolsonaro, chegaram à “crista da onda” com a distorção e a corrupção do debate político nas eleições, que deixou de lado os problemas reais do país para focar na pauta moralista e de costumes, tendo nas redes sociais o principal meio para entreter incautos e arregimentar um exército de combatentes raivosos e fundamentalistas. Afinal, combater fantasmas é mais fácil que enfrentar e resolver os problemas reais. Ademais, serve para distrair a população dos debates relevantes nas redes sociais e atiçar a ira "santa" de fundamentalistas religiosos e analfabetos políticos.

É nesse contexto que a coalizão encabeçada pela bancada evangélica (em associação com as bancadas ruralista e da bala), ao que tudo indica, será a base de sustentação do futuro governo de Jair Bolsonaro, a substituir o modelo de governança conhecido como presidencialismo de coalizão, que se organizava a partir dos partidos políticos.

A implosão do sistema partidário, a ostensiva criminalização da política e a desarticulação do campo de centro-esquerda corroboram o protagonismo dessa nova forma de sustentação do futuro chefe do executivo.

Certamente, as pautas morais (ou de costumes) cimentarão a agenda política dessa nova coalizão que está cada vez mais vitaminada, a surfar na onda ultraconservadora que espraia por amplos segmentos sociais.

Os movimentos do presidente eleito nas indicações do seu chanceler e do futuro ministro da educação, abençoados por Olavo de Carvalho (católico) e Silas Malafaia (neopentecostal), indicam que o debate de ordem moral será o núcleo do programa político do futuro governo, amparado pela bancada evangélica.

Com expoentes também no Judiciário e no Ministério Público, os evangélicos poderão auxiliar na sustentação de Bolsonaro para além do Congresso, cuja bancada evangélica na próxima legislatura será composta por 199 deputados e 4 senadores. Dois nomes desses segmentos já fazem história: o juiz Marcelo Bretas e o promotor Deltan Dallagnol. Um documento assinado por quase duzentos promotores favoráveis ao esdrúxulo projeto “escola sem partido” corroboram essa hipótese.

Registre-se a união da bancada evangélica com parlamentares católicos conservadores e outros grupos neopentecostais do catolicismo nessa coalizão. Além da pauta de costumes, essa ampla coalizão religiosa comunga de dois outros ideais: (a) o combate ao fantasmagórico “marxismo cultural” e a eliminação do Partido dos Trabalhadores.

Em relação ao PT, como o partido não foi destruído via eleitoral (dado que elegeu a maior bancada na Câmara Federal e 4 governadores), a estratégia será o uso de lawfare para a sua criminalização e de suas lideranças. Nesse sentido, há uma fusão dos três poderes da república em torno de objetivos comuns, a indicar que movimentos persecutórios e antidemocráticos se avizinham. Ademais, pela ação persecutória contra as esquerdas, os movimentos sociais e os campos progressistas, o governo Bolsonaro gozará de toda a paciência e conivência das elites e da mídia, mesmo se cometer grandes deslizes éticos, morais e de gestão (como, aliás, já se pode perceber).

Os neopentecostais têm uma imensa capilaridade no país. Como uma espécie de MDB religioso, estão em todos os rincões, com ações diretas de evangelismo marcado por pregações ultraliberais e conservadoras e pautas moralistas. Certamente, agregarão ao governo eleito o necessário apoio popular, dado que serão capazes de articular as bases sociais em torno de pautas periféricas, enquanto o núcleo duro do governo Bolsonaro atenderá seus verdadeiros credores: os militares, os pastores, as castas judiciárias, os Estados Unidos e, principalmente, os rentistas nacionais e internacionais.

Por tudo isso, a “profecia” de Silas Malafaia segundo o qual “a guinada à direita vai ser longa” não deve ser desprezada. E as análises que apontam para a formação de teocracia fundamentalista nessas bandas dos trópicos não são fake news.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Bem-vindos à novíssima república do século XIX



Um olhar comparativo no evento que originou a república brasileira, no final do século XIX, nos ajuda a entender nossa situação atual e como essa arquitetura político-institucional mal-ajambrada e elitista ressurge potente nos dias atuais.

Naquele período, a antiga nobreza, os ricos (latifundiários e empresários) e a classe média (profissionais liberais brancos) estavam amedrontados: perda de prestígio da monarquia, crise econômica do império e, principalmente, o terror advindo com a pseudolibertação dos escravizados. As alites temiam que os afrodescendentes ocupassem os espaços de privilégios desses segmentos.

Ademais, revoltas populares eclodiam em várias partes do país. As lutas por direitos das classes populares não eram interpretadas como lutas políticas legítimas de um país que excluía pobres, pretos, trabalhadores. Todos os movimentos populares organizados eram tratados como tentativas de rebelião contra “a lei e a ordem”. Por isso, contidos e reprimidos com políticas autoritárias e higienistas. 

Tudo o que era popular, até mesmo no plano da cultura, era criminalizado como algo perigoso no aspecto político e demoníaco, no plano religioso.

Em 15 de novembro de 1889, um golpe de estado liderado por um militar, o marechal Deodoro da Fonseca, e apoiado por latifundiários, maçons, ilustrados da classe média e setores descontentes com a monarquia e da cúpula do catolicismo derrubaram o imperador.

Para justificar o golpe, a república se instalava a propagar a ideia de um país moderno e independente. Os republicanos conservadores aderiram ao positivismo, que era apresentado pelos letrados das casernas e das classes médias como a teoria social capaz de justificar a abissal desigualdade social e a aplicação de políticas públicas higienistas, segregadoras, excludentes. Até mesmo uma política de embranquecimento da população foi colocada em prática.

Para os católicos conservadores se erigia um regime político capaz de garantir aos homens e mulheres de bem seus privilégios e, simultaneamente, a criminalização dos setores populares que começavam a incomodar aquela ordem social baseada na violência. Tudo sob o falso manto da laicidade do estado.

Naquele momento, a república era fundada sem o povo. E os militares eram a melhor solução para essa nova ordem elitista e segregadora, paradoxalmente apresentada como moderna e democrática. 

A espada era a única forma de conter, pela força, as insurreições populares. Aliás, mais uma vez a união da espada com uma ajudazinha da cruz, como ocorrera no processo de colonização e a dizimação dos povos originários.

Note-se que durante todo o século XX, diga-se de passagem, o país foi tutelado por militares que voltaram ao poder em 1930, dividindo-o com Getúlio Vargas; ficaram mais poderosos aderindo ao golpe do Estado Novo, com Vargas; tiraram Vargas de cena em 1946, num golpe encomendado pelos Estados Unidos; ameaçaram virar a mesa em 1961 se o vice-presidente João Goulart assumisse o lugar de Jânio e três anos depois, mais uma vez, sob a batuta do "império do norte", tiraram João Goulart do Palácio da Alvorada, dando início à segunda ditadura militar que durou 21 anos. Em todos esses momentos os segmentos de elite (empresários, latifundiários, banqueiros, donos da mídia e setores conservadores da classe média apoiaram os militares).

Agora, em 15 de novembro de 2018, parece que retrocedemos a 1889, a velha república apresentada como novíssima. O presidente eleito, um capitão reformado que sempre exaltou os militares, inclusive seus métodos lesivos aos direitos humanos durante a última ditadura, demonstra que seu futuro governo será tocado em parceria com a caserna. Seu vice, até bem pouco tempo na ativa, e os vários generais que serão nomeados para postos-chave do futuro governo não deixam nenhuma dúvida dessa estratégia.

Como em 1889, os ricos, as elites e as classes médias conservadoras e de mentalidade escravocrata estão respirando aliviados porque a ameaça da igualdade de direitos e oportunidades para os pobres, os pretos e as minorias será estancada pelo governo da força e da espada, ao que tudo indica “com o Supremo, com tudo”. Até um xerife justiceiro – que atuou politicamente quando usava toga para favorecer a Casa Grande - já foi indicado para o posto de policiamento e repressão de todos indesejáveis que, no momento atual, são os “consumidores falhos” (para se adequar ao ultraliberalismo) e os inimigos seletivamente eleitos pelos homens bons e de bem(s).

Também no campo religioso, a novíssima religião ultraliberal e excludente - que congrega católicos e evangélicos, a chamada "teologia da prosperidade" do neopentecostalismo -, garantirá a paz dos túmulos e das consciências dos bons cristãos que odeiam justiça e igualdade social nessa banda dos trópicos. Cruz e espada juntas e misturadas, novamente: "deus acima de tudo".

Tio Sam volta a ter o Brasil como seu quintal predileto nas Américas, graças ao trabalho eficiente dos think tanks que atuaram nos últimos tempos na formação dos influenciadores ultraliberais no sistema de justiça, na mídia, na academia e na classe média propagando o deus-mercado, o estado mínimo, a meritocracia, entre outros modismos que enfeitiçam mentes e corações no Brasil.

No campo educacional, o positivismo se traveste de “escola sem partido”, a pregar, como doutrina, uma ciência perfeita e pretensamente isenta que esconde toda uma ideologia a justificar a subserviência do povo às elites, como outrora.

A novíssima república, alicerçada no discurso mentiroso das fake news do mudancismo, via WhatsApp - que começou a ser alicerçada com o golpe de 2016 e se consolida com a eleição do capitão -, enterra de vez a nova república inaugurada com a Constituição Federal de 1988 e associa-se à irmã siamesa, a velha república dos coronéis, fundada por um golpe de homens brancos, ricos, ilustrados, cristãos e de bem.

Bem-vindos a 1889.

domingo, 21 de outubro de 2018

Uma competição viciada e desproporcional


Em artigo anterior, definimos as três principais características de democracias de fato, para além do mero procedimentalismo dos regimes democráticos. Democracias de verdade se caracterizam pela:
a)      criação e expansão de direitos;
b)     existência e reconhecimento dos conflitos (a possibilitarem a vocalização e a disputa das várias demandas dos diferentes grupos que compõem sociedades plurais);
c)     respeito à soberania popular. É do povo que deriva todo o poder.
No Brasil, há algum tempo, o establishment - que não aceita uma democracia de fato (para além da democracia procedimental) e se julga melhor e mais qualificado que o conjunto da população - resolveu mandar às favas o estado democrático e de direito e o (precário) pacto da Constituição de 1988 (que não rompeu com históricos vícios de uma sociedade baseada na violência estrutural).
As jornadas de 2013 capturadas pela ultradireita, a não aceitação do resultado das eleições de 2014 e o impeachment fajuto parlamentar-judiciário de 2016 são os sinais mais claros desse movimento de marcha à ré liderado pelas elites nacionais.
O segundo turno das eleições deste ano poderá (ou não) coroar esse processo de desdém à Constituição e da soberania popular.
Qualquer observador minimamente atento percebe que as eleições deste ano se transformaram num simulacro da pseudodemocracia tupiniquim. Ouvir Rosa Weber e outros capapretas falando que as instituições funcionam normalmente é patético.
E fica cada vez mais evidente que a desproporcionalidade na disputa eleitoral torna o processo viciado, fraudulento e corrompido, com as bênçãos da justiça.
Os segmentos que lideraram as rupturas anteriores não obtiveram êxito no primeiro turno das eleições, principalmente na disputa presidencial. Restou-lhes a união em torno da candidatura de extrema direita e ultraliberal que, sem nenhum pudor, com seu programa de governo afronta claramente os mais basilares princípios democráticos e constitucionais. É claro que num ambiente verdadeiramente democrático, essa candidatura não prosperaria.
A desproporcionalidade da disputa desde o final do primeiro turno, tornando-a claramente corrompida, pode ser caracterizada pela composição e pelo modus operandi da coalizão que se articulou em torno da candidatura ultraconservadora, ultraliberal e de extrema direita e que tem como principais atores:
a)     elites econômicas: empresários, o agronegócio e banqueiros despejam rios de dinheiro nessa campanha. A expedição de notícias falsas em doses cavalares através de grupos de Whatsapp e a produção deliberada de conteúdo falsos espalhados em redes sociais, com recursos financeiros não contabilizados, às vésperas do primeiro turno tutelou, sem nenhuma sombra de dúvida, a decisão do eleitor. As mensagens foram cuidadosamente pensadas para atingir o imaginário e o emocional de uma sociedade amedrontada e moralista: acusavam o candidato do PT, sem provas e sem nenhuma evidência empírica, de desrespeitar valores familiares, de práticas violentas, de alianças com “demônios” inexistentes. Guiado por um tsunami de mensagens desonestas e falsas, o eleitor não tinha instrumentos nem condições de averiguar os fatos. Formou opinião de última hora baseado em mentiras deslavadas. Isso explica o movimento abrupto do eleitorado na semana do primeiro turno, que impulsionou várias candidaturas de ultradireita nas disputas do executivo, principalmente na disputa presidencial, e do legislativo (notadamente no Congresso).
b)    Elites da burocracia estatal: juízes, promotores, policiais e outros funcionários públicos do alto escalão que são prepostos e/ou parceiros das elites econômicas e ultraliberais no aparelho estatal vêm atuando sistematicamente, por ações, conivências e omissões para o atendimento das demandas dos setores do establishment contra a ordem democrática. Segmentos do sistema de justiça - mais preocupados em perseguir e destruir biografias de políticos escolhidos a dedo -, não somente permitiram, mas foram coniventes com esse processo visivelmente maculado. Militares voltaram a atuar politicamente, ao arrepio da Constituição. Já comprometidos com todo o processo anterior de ruptura democrática e institucional, esses grupos de elites de burocratas estatais tratam de articular, nesse momento, as condições jurídicas e institucionais para a consolidação, via processo fraudulento, de uma ordem autoritária que poderá emergir do pleito.
c)     Participação de think tanks norte-americanos: são instituições que financiam formadores de opinião na mídia, em espaços acadêmicos e junto a grupos religiosos neopentecostais dentro do protestantismo e do catolicismo. Essas instituições dos EUA investem há muito tempo na formação de uma ampla rede de influenciadores que atuam em universidades, imprensa, igrejas, clubes de serviço, empresas, ONG’s, sociedades secretas, divulgando princípios ultraliberais e antidemocráticos, com impacto em amplos segmentos da vida social. Esses influenciadores criaram uma imensa rede de agentes políticos que são incapazes de defenderem valores democráticos; odeiam quaisquer políticas que visam a justiça e a igualdade e só pensam nos seus interesses privados. São contra um estado social e preferem entregar todo o patrimônio nacional aos estrangeiros desde que seus privilégios de classe sejam mantidos. Dentro do cristianismo, uma verdadeira disputa foi deflagrada, fazendo com que os grupos ultraconservadores e moralistas ressuscitassem velhos discursos de uma “guerra santa”, justificando o injustificável: a defesa fanática de uma candidatura que confronta, claramente, com todos os valores do Evangelho de Cristo. O discurso moralista de base religiosa impulsiona principalmente os segmentos ultraconservadores da classe média, formadores de opinião, que, há muito, perderam todo o escrúpulo e não se incomodam nem um pouco em demonstrar sua mentalidade e práticas escravocrata e elitista, em nome de Deus.
d)    Utilização da mídia empresarial:  que se consolidou como um instrumento de controle e manipulação da informação na tentativa de imposição de um pensamento único. De forma hermética, os grandes grupos de comunicação atuam em uníssono para favorecer o lado da disputa que atende os interesses da coalização ultraliberal.

O segundo turno é a próxima trincheira em disputa. Para consolidar a ruptura democrática e a imposição de um governo autoritário e das elites, a coalizão que se formou em torno do candidato de ultradireita usa armamento de uma guerra híbrida nessa empreitada, sem escrúpulo e ao arrepio da lei. As eleições se travestem de pseudolegalidade para consolidar o simulacro democrático.
Um importante detalhe a ser destacado. Desde a mudança radical de posicionamento do Supremo, quando se deixou o garantismo, implantado com a Constituição de 1988, para a adoção proposital e enviesada da teoria do “domínio de fato”, a inaugurar uma justiça política seletiva, o sistema judicial começou a agir deliberadamente para criar as condições de desconstrução do pacto constitucional. O Supremo, gradualmente, deixou de defender a Constituição – que em seu preâmbulo determina a instituição um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias -, e passou a responder a demandas e expectativas da mídia, de grupos políticos elitistas e  de setores ultraconservadores da sociedade.
 Por excesso de republicanismo ou ingenuidade, as esquerdas, lideradas pelo PT, apostaram na institucionalidade e no sistema de justiça. Calcularam que agradando as elites jurídicas do país, os tribunais superiores e o Supremo, no limite, defenderiam a Constituição. Ledo engano...
Paradoxalmente, os setores golpistas e de extrema-direita - que foram se avolumando e conquistando vários segmentos conservadores da sociedade - jogaram duro e sujo contra as instituições republicanas e a justiça. O filho do capitão-candidato chegou a dizer que bastam um cabo e um soldado para se fechar o Supremo.
Às vésperas do impeachment, um senador da República confessou um grande pacto nacional, com o Supremo com tudo.
O sistema de justiça, historicamente aliado da Casa Grande, mesmo atacado pelas elites e pela extrema-direita, não mediu esforços para, além de se afastar dos princípios constitucionais, atuar contra as esquerdas e os setores democráticos e progressistas.  Para tanto, uma justiça de exceção começou a agir e, em nome do combate à corrupção, a proteger, paradoxalmente, numerosos corruptos.
As esquerdas, acuadas e feridas (em parte porque se aliaram com segmentos de elite e desviaram dos anseios populares), voltaram a apostar na institucionalidade e em eleições limpas para a reconquista do poder.
Como se vê, o jogo sujo que há muito estrutura as instituições republicanas e o processo eleitoral enlameado pela corrupção e a violência estão às claras nessas eleições.
Este é um retrato-síntese da disputa eleitoral deste ano e, principalmente, neste segundo turno.
Fica cada vez mais patente que, nessas condições totalmente assimétricas e a depender dos resultados do próximo dia 28 de outubro, o pleito de 2018, caracterizado por disputas viciadas e desproporcionais, aprofundará ainda mais o processo de ruptura institucional e da democracia, lançando o país num abismo dantesco.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Pela vida e pela democracia, busquemos os ausentes!


Cerca de 30 milhões de brasileiros deixaram de comparecer às urnas no primeiro turno. São cidadãos desiludidos com a política tradicional; contaminados pela criminalização à política; desesperançados em relação ao poder público;  magoados com expectativas frustradas de melhoria de vida; afogados em dívidas;  maltratados pelo desemprego...

São pessoas que perderam a esperança na (seletiva) justiça e que repudiam as instituições democráticas porque não as vê como legítimas para atender aos interesses populares e incapazes de debelar a gravíssima crise ética, econômica e social que consome a vida da maioria dos brasileiros.

Algumas dessas pessoas estão totalmente desinformadas do abismo que se avizinha. Ficaram ausentes da disputa política no primeiro turno das eleições e não percebem que a eventual eleição, em segundo turno, de um candidato fantoche dos ricos e poderosos, serviçal da elite mais predatória do planeta; enfim, sem nenhum compromisso com a democracia, a liberdade, a justiça e a paz será o pior de todos os males e agravará, ainda mais, a violência estrutural que sustenta a nossa sociedade.

Aliás, a violência estrutural (e sua banalização e naturalização em nosso país) é um terreno fértil para brotar o autoritarismo.

É preciso enfrentar esse fantasma que, sempre presente nas microrrelações sociais, de vez em quando sai do armário com uma potência destruidora.

Estamos no meio de uma batalha entre eros (amor, potência criadora) e thanatos (morte, violência, destruição). 

Amor e ódio, sexualidade e agressividade, vida e morte, são forças que habitam o ser humano e estão presentes no cotidiano, tanto nos conflitos mais banais quanto nas mais mórbidas disputas da humanidade. Esses opostos estão misturados, amalgamados em tudo que o fazemos, pensamos e sentimos.

Nessas eleições, há pulsões pela vida e há pulsões pela morte.

As cenas de barbárie e violência protagonizadas país afora por brucutus contra militantes sociais, nos últimos dias, mostram que a pulsão pela morte espraia-se pelo país.

Porém, se trabalharmos para fortalecer eros, enfrentaremos, individual e coletivamente, a pulsão de morte e poderemos canalizar parte dessa agressividade difusa para ser utilizada em prol da vida, da justiça, da democracia.

É preciso enfrentar esse “demônio oculto” do ódio, da vingança e da violência. E o discurso do antipetismo não pode ser a desculpa para se permitir a barbárie.

As narrativas da isenção, dos que se denominam justos e bons e se omitem,  lavando as mãos, devem ser questionadas. 

Não permitamos que pouco mais de 50 milhões de eleitores contaminados pela pulsão da morte, pelo ódio, pela brutalidade da violência sociopata, pelo desejo da vingança, pelo moralismo hipócrita e pelo fanatismo religioso definam a vida de 200 milhões de brasileiros.

O momento é de união, com pulsão de amor, pela vida, envolvendo todos os setores democráticos: liberais, progressistas, esquerdas, movimentos sociais e eclesiais...

Haddad, neste momento histórico, não é o candidato do PT. É o candidato que representa a possibilidade concreta para o início da retomada da democracia.

Assim, é preciso trazer aqueles que estão ausentes da participação política e eleitoral às urnas. Um trabalho de micropolítica que pode ser realizado por cada um, cada uma, no âmbito doméstico, no trabalho, no ônibus, nas redes sociais. 

À luta!

domingo, 30 de setembro de 2018

Sobre os gritos roucos da cav(s)erna


Fica cada vez mais evidente que a extrema-direita brasileira partiu para o confronto e resolveu violar a democracia e a Constituição.

Como é incapaz de vencer as eleições, aliou-se a setores do sistema de justiça para implementar, a qualquer custo, uma agenda ultraliberal perversa e cruel num país ainda ferozmente desigual. Resolveu utilizar da violência das leis (via contrarreformas aprovadas nos últimos dois anos) e, mais recentemente, ameaça a utilização das armas para tentar silenciar o povo brasileiro.

Desde 2013, a extrema-direita (agronegócio, grande empresariado e bancos, setores da justiça e elites políticas, em associação com a mídia empresarial) começou a sinalizar a recusa à institucionalidade (constituição, poderes da república e regras procedimentais da democracia). E partiu para a ruptura...

Na ocasião, o PT estava no poder. E preferiu optar pela institucionalidade: reforçava o sistema de justiça; apoiava legislações (draconianas) que vitaminavam os setores fascistas desse sistema; apostava no Supremo como guardião da Constituição; enfim, fazia o jogo republicano do respeito às instituições que, paulatinamente, eram carcomidas pela sanha persecutória e inquisitorial de juízes, promotores e policiais, “com o Supremo, com tudo”.

A coalizão de extrema direita, com o impeachment sem crime de  responsabilidade urdido numa cruel conjuntura política (iniciada com as jornadas de junho de 2013 e aprofundada com a recusa dos resultados das eleições de 2014 pela turma de Aécio Neves) e grave crise econômica, desmontava todas as possibilidades de pactuações futuras com vistas à restauração da democracia.

Para justificar o assalto democrático, dois discursos oportunistas, usados em doses cavalares, foram cuidadosamente construídos pela mídia empresarial: o primeiro se referia à corrupção. Contra a corrupção, o Brasil foi entregue à camarilha mais corrupta da história.

O outro, mais recente, é o discurso da polarização. Para justificar o fascismo enrustido que ainda continua dentro do armário de muitos “cidadãos de bem”, essa narrativa autoritária tenta comparar um candidato fascista com outro do campo democrático.

É óbvio que o antipetismo cimenta esses dois discursos hipócritas, construído a rigor para “homens de bens” e “bons cristãos”. Não à toa, líderes religiosos, sem nenhum escrúpulo, apoiam o candidato de extrema-direita. Conhecemos muito bem essa história: 1964 é logo ali...

O fato é que as eleições de 2018 (que poderiam ser o início da saída do poço sem fundo que se encontra o Brasil) poderão se transformar num novo abismo. Isto porque as vozes roucas que ecoam das cavernas do ódio, da intolerância, do racismo, do patriarcado, enfim, da Casa Grande, retumbam de duas cornetas: da justiça e da caserna.

Em relação aos militares, é bom lembrar do malfadado pacto entre elites articulado no processo da redemocratização - que foi cantado em prosa e verso como o grande acordo nacional (também naquela época com o supremo, com tudo): como se não bastasse a lei da anistia, ainda se permitiu às Forças Armadas a responsabilidade pela garantia da Constituição e da lei e da ordem (artigo 142).  Ou seja, entregou-se de bandeja aos militares a tutela do país. Um arranjo genuinamente brasileiro.

Agora, o "coiso" não cansa de dizer nos microfones de discípulos de Goebbels da mídia empresarial que não aceita o resultado das eleições caso não seja o vencedor. Ou seja, o capitão e o seu vice (o general - que parece não aceitar qualquer insubordinação de seu comandado) sinalizam que tramam novamente contra as regras mais comezinhas da democracia, como fez Aécio, em 2014. Como diz o ditado popular, “onde passa um boi, também passa uma boiada”.

O ex-ministro Celso Amorim, figura de proa dos segmentos democráticos, garante que esses roncos não redundarão em outros jogos oportunistas e autoritários se Haddad vencer o pleito. Lembro-me que José Eduardo Cardoso também garantia que o Supremo daria um basta à quebra da institucionalidade à época do impeachment. Aliás, parte dos setores de esquerda, paradoxalmente, continuam a apostarem na institucionalidade.

Com claros sinais de manutenção da ruptura institucional pelos setores da extrema-direita - que já colocaram a democracia para escanteio faz muito tempo -, será que há espaço para um novo pacto no país, nas condições atuais?

Tomara que eu esteja redondamente enganado...


terça-feira, 25 de setembro de 2018

Eleições 2018: a hora de escolher seu candidato

Foto: Internet

Dois anos após o pleito que definiu prefeitos e vereadores, chegou a vez do Brasil escolher seu representante máximo, eleito de 4 em 4 anos. Além do Presidente da República, serão eleitos governadores, senadores, deputados federais e estaduais ou distritais. O primeiro turno acontece no dia 7 de outubro e o segundo, se houver, no dia 28 do mesmo mês. Para tratar do assunto e esclarecer alguns pontos sobre as especificidades desta eleição conversamos com o professor Robson Sávio Reis Souza, pós-doutor em Direitos Humanos e doutor em Ciências Sociais. É professor da pós-graduação PUC Minas e coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas (Nesp), além de articulista e comentarista em várias mídias e aqui ele aborda temas como fake news, pesquisas e outros assuntos.


1)       O que é imprescindível que um eleitor faça em termos de busca de informação para escolher o seu candidato?
É importante que o eleitor tenha clareza que o pleito deste ano não resolverá, como um passe de mágica, todos os problemas derivados da ruptura democrática e crise institucional havida a partir de 2016. Neste sentido, é fundamental nessas eleições o engajamento cívico de todo eleitor na escolha de candidatos comprometidos com princípios democráticos e republicanos. Não somente nas eleições majoritárias, mas também para as assembleias legislativas e o Congresso Nacional. Assim, além dos canais tradicionais de informação (partidos políticos, propaganda eleitoral, redes sociais) é preciso um esforço para conhecer cada candidato para além do marketing eleitoral. E é fundamental o acompanhamento sistemático dos eleitos. Ou seja, a cidadania política exige um eleitor comprometido com a democracia, a justiça, a igualdade e o bem comum não somente no processo eleitoral.

2)       É correto afirmar que o aumento das intenções de votos nulos e brancos se dá, neste momento, por um desgaste
e descontentamento do eleitor em relação ao sistema político brasileiro? Como estes votos, se efetivados, podem intervir nos resultados das eleições?
O desencanto do eleitor com a política tem múltiplas causas: além do descontentamento com o sistema político, há que se considerar a campanha de criminalização da política nos últimos tempos; o distanciamento entre representantes e representados e outros dilemas de uma democracia representativa. O povo se percebe cada vez mais distante das principais decisões políticas. Nessas condições, há uma evidente percepção que os representantes estão mais interessados em defender os interesses de seus financiadores e verdadeiros prepostos, ao invés de atender os interesses populares (para os quais são eleitos). É por isso que se torna fundamental, para a reconfiguração do sistema político, uma reforma política profunda que, entre outras medidas, deveria ampliar mecanismos de democracia direta e criar condições de recall para candidatos que, no exercício do mandato, contrariam suas propostas de campanha.

3)       Como conferir a veracidade de uma informação em tempos de fake news?
As fake news não são novidades nesta campanha eleitoral. Sempre fizeram parte de processos de disputa política e eleitoral. E quanto mais tensa e disputada for uma eleição, mais se utilizam de estratégias de manipulação de notícias e informações. Aliás, o marketing eleitoral se tornou o principal instrumento de produção de fake news à medida que visa a desconstrução e, em alguns casos, a destruição do adversário a qualquer custo. O que ocorre nos últimos tempos é que as redes sociais ampliaram a disputa de narrativas: por um lado se transformaram em um potente instrumento de produção de uma narrativa contrária à mídia tradicional, que sempre atuou de forma interesseira nas eleições e, por outro, também se prestam como instrumento de divulgação em massa de notícias falsas. 
Não à toa – e com financiamento nem sempre muito claro – estão sendo criadas agências de caça fake news, muitas delas associadas a poderosos grupos de mídia (que também são produtores de notícias enviesadas na cobertura política).  A pergunta é a seguinte: e quem vigiará aqueles que se dispõem a vigiar as informações sobre eleições por nós? O mais importante, nesses momentos, é checar todas as informações em múltiplas fontes. Se é verdade que há muita notícia falsa em redes sociais, também é verdade que os oligopólios midiáticos têm seus interesses, nem sempre democráticos, nas disputas eleitorais. Assim, o melhor é não se contentar com informações recebidas de quaisquer fontes.  Nesse campo vale a dica: desconfiar e checar sempre.

4)       As pesquisas realizadas no 1º turno em relação às intenções de votos no 2º turno se confirmam ao longo da história brasileira? É seguro seguir essas intenções e orientar seu voto a partir desses índices?
Pesquisas de intenção de voto refletem um dado momento de uma campanha eleitoral; ou seja, a situação no momento da pesquisa. São, simplesmente, indicadores de tendências (de voto, reprovação etc.) do momento pesquisado. Podem indicar tendências, mas em momento algum devem definir cenários eleitorais. O mais importante é o eleitor votar baseado em princípios democráticos e republicanos e não de forma pragmática. Enquanto prevalecer a democracia representativa, mesmo com seus vários vícios e defeitos, o eleitor é o responsável pelos eleitos, ou seja, pelos que definem os rumos de nossos municípios, estados e país. O eleitor não pode delegar para ninguém esse direito que também é um dever cívico.

Fonte: Boletim Com Você, IEC/PUC Minas, nº 108. (Disponível em: http://portal.pucminas.br/iec/informativo/materia.php?codigo=1955&materia=27242).