terça-feira, 17 de agosto de 2021

7 de setembro: independência ou morte?


Bolsonaro-desfile

Sete de Setembro será mais uma tentativa de demonstração de força rumo à ruptura democrática. (Foto: Marcos Corrêa/PR)

Tudo indica que Bolsonaro e grupos bolsonaristas preparam para o dia sete de setembro, em Brasília, uma manifestação que pode se transformar num dos atos mais violentos contra as instituições democráticas da República.

Há muito circula nas redes sociais uma série de vídeos do cantor sertanejo Sérgio Reis, juntamente com lideranças de grupos empresariais, convocando os "patriotas" caminhoneiros, o movimento sertanejo e "homens de bens" para uma megamanifestação e um acampamento em Brasília a partir do dia 5 setembro em apoio ao ex-capitão.

Note-se que nas redes sociais do cantor há uma série de posts da rede Sest/Senat, indicando a ligação do ex-deputado com empresas do segmento de transportes no Brasil. 

Nas convocações de Sérgio Reis, sempre ladeado por empresários e apoiadores do bolsonarismo, fica clara a intenção de transformar o evento militar numa demonstração do apoio de setores radicais da sociedade a Bolsonaro, utilizando como método a afronta às instituições democráticas, como por exemplo, ecoando o pedido para que o Exército interfira (ainda mais) nas instituições que freiam os arroubos autoritários do trainee de ditador de plantão. 

Como se não bastasse, para o mesmo evento começa uma mobilização de religiosos ultraconservadores, a partir de convocação feita pelo empresário da religião, Silas Malafaia.

Acrescente-se que as redes sociais bolsonaristas estão ainda mais  alvoroçadas depois que o estrategista de Donald Trump, Steve Bannon, declarou recentemente que as eleições de 2022 no Brasil serão estratégicas para a extrema-direita global, porque "Jair Bolsonaro irá enfrentar o esquerdista mais perigoso do mundo, Lula".

Como sabemos, acontece em 7 de Setembro, em Brasília, a tradicional parada militar das Forças Armadas. Neste sentido, o cenário que se projeta na capital federal é de uma conjunção de vários setores da extrema-direita, apoiadores de Bolsonaro e do bolsonarismo, a saber: segmentos do militarismo que resolveram bandear para a política; grupos da extrema-direita, representados por caminhoneiros e corporações; associações religiosas ultraconservadoras (e reacionárias) e parcelas radicais da sociedade, difusas na classe média.

O cenário que se projeta será propício para que outros apoiadores do bolsonarismo do campo da política institucional se associem a esse ato de afronta as instituições democráticas e à democracia.

O evento em Brasília tem ingredientes atrativos para outras adesões. Por exemplo, lideranças políticas poderão se somar aos radicais da extrema-direita direita, potencializando o ato. Na disputa pelo voto impresso, na Câmara dos Deputados, por exemplo, além dos parlamentares já identificados com a extrema-direita, uma parte significativa de parlamentares do chamado centro e da direita inclinou-se ao bolsonarismo, evidenciando um claro descolamento daquilo que tradicionalmente classificamos como a direita democrática e "civilizada".

Isto mostra claramente que, somando-se aos setores radicais da sociedade, Bolsonaro ainda goza do respaldo de parcelas do mundo político, militar, empresarial, religioso e corporativo, além do apoio canino de Lira. Uma coalizão que lhe sustenta e torna pouco provável o avanço de um processo de impeachment, neste momento.

Bolsonaro deixa claro que não aceitará os resultados das eleições do próximo ano se o pleito não lhe for favorável. Vislumbrando a derrota eleitoral, a única saída que lhe resta é o fortalecimento das suas bases radicais de apoio na sociedade e em setores do Estado para uma ruptura (à força). 

A parada militar coincidindo com o ato popular convocado para o dia 7 de Setembro poderá ser um divisor de águas em termos de radicalização das pretensões de Bolsonaro (e do bolsonarismo) e mais uma tentativa de demonstração de força rumo à ruptura democrática. A depender dos "resultados" norteará  o futuro da República. 

De fato, a corda está sendo esticada à exaustão. Mais cedo ou mais tarde arrebentará. As instituições democráticas insistem no bordão que "estão funcionando". A radicalização próspera. Sinais de ruptura abundam... E paira a dúvida, nessa altura: quem sairá vitorioso dessa insana disputa, o bolsonarismo e a extrema-direita ou a democracia.

Portanto, nunca o lema da independência foi tão atual: independência do Brasil (de Bolsonaro) rapidamente, ou morte agônica (da democracia).

Arthur Lira é, no momento, o maior avalista de Bolsonaro

 

Jair Bolsonaro e Arthur Lira

Jair Bolsonaro e Arthur Lira (Foto: Alan Santos/PR)


Até  os jornalões --  que representam os interesses das elites econômica e política do Brasil -- chegam a uma conclusão óbvia: se o presidente da Câmara, Arthur Lira, continuar negando a abertura do processo de impeachment, ele se reafirma como o grande avalista do governo mortífero e corrupto de Bolsonaro e, nesse caso, precisa ser responsabilizado. 

No último dia 1° de julho foi protocolado um superpedido de impeachment que apontava imputações de 23 crimes de responsabilidade contra Bolsonaro.

Listo, abaixo, dez infrações claramente praticadas e documentadas com imagens, declarações, lives, documentos e outras fontes, por Bolsonaro:

  1. Negligência com o direito à saúde da população (fartamente documentada pela CPI da Covid-19);
  2. Suspeita de negligência e/ou participação em atos de corrupção na compra de vacinas pelo Ministério da Saúde;
  3. Charlatanismo no incentivo ao uso de medicamentos ineficazes para tratamento da Covid-19;
  4. Exercício ilegal de profissão (por receitar medicamentos) em atos de governo;
  5. Participação em atos antidemocráticos;
  6. Incitação ao descumprimento de leis e decisões judiciais;
  7. Interferências abusivas em instituições de Estado;
  8. Ataques sistemáticos contra o Supremo Tribunal Federal;
  9. Levantamento de suspeitas infundadas de fraude eleitoral;
  10. Dezenas de atentados ao decoro exigido para o exercício do cargo.

Estas, entre outras infrações gravíssimas, configuram fartas razões jurídicas (e políticas) para que o presidente da Câmara coloque de lado os interesses politiqueiros  do "centrão" e inicie, tardiamente, o processo de impeachment de Bolsonaro. 

Segundo o professor da PUC Minas Marcelo Campos Gallupo, autor do livro "Impeachment — O que é, como se processa e por que se faz", a jurisprudência do STF ampliou os poderes do presidente da Câmara na análise do início de um processo de impeachment, previstos na Lei 1.079/50. Assim, Lira pode rejeitar denúncias patentemente ineptas ou desprovidas de justa causa (materialidade delitiva e indícios de autoria).

Em artigo publicado na Conjur, Galuppo informa que ainda assim "o presidente da Câmara não pode fazer um juízo político, de conveniência e oportunidade, sobre o mérito da denúncia. "Não existe, juridicamente, margem para que o presidente de Câmara faça essa análise política sobre se é conveniente ou não aceitar ou rejeitar uma denúncia", afirma o constitucionalista Luiz Fernando Gomes Esteves. "Uma vez que a denúncia apresente todas as formalidades, o presidente da Câmara deveria, sim, aceitá-la, e consequentemente formar a comissão para analisá-la", conclui.

No caso de Bolsonaro as denúncias são abundantes em materialidade delitiva e indícios de autoria.

Portanto, é preciso que a pressão política e jurídica neste momento seja dirigida ao presidente da Câmara para que cumpra seu dever, sob pena de responder criminalmente pela sua omissão, negligência e cumplicidade com Bolsonaro e seus crimes.

Extrema-direita: religião, militarismo e neoliberalismo

Apoiadores fazem gesto em direção a Bolsonaro em frente ao Palácio da Alvorada

Apoiadores fazem gesto em direção a Bolsonaro em frente ao Palácio da Alvorada (Foto: Reprodução)

A extrema-direita global desfruta de símbolos do cristianismo para formar uma "milícia religiosa", a reeditar a guerra do bem contra o mal. 

O bem seria tudo aquilo associado ao pensamento conservador (religião, família tradicional, propriedade privada, meritocracia, precedência do individual sobre o público). O mal, por sua vez, está associado à modernidade, ciência, feminismo, esquerdismo, luta de classe,  estado social, etc...).

Montada, como numa CRUZADA RELIGIOSA, em tradições da "família/moral conservadora", a extrema-direita une líderes como Bolsonaro; extremistas norte-americanos, incluindo grupos supremacistas (e lideranças religiosas evangélicas e católicas, até mesmo junto ao episcopado); Viktor Orban (Hungria); Vladimir Putin (que se aliou à Igreja Católica Ortodoxa Russa); Le Pen (França); extremistas da Espanha, Inglaterra e até neonazistas alemães. 

No Brasil, além de lideranças evangélicas neopentecostais (principalmente das grandes igrejas midiáticas - muitas delas verdadeiras empresas religiosas), a extrema-direita goza de prestígio junto a  membros do clero e do  episcopado católicos, vários padres midiáticos, instituições religiosas (algumas midiáticas), youtubers famosos e uma bancada de ultraconservadores no Parlamento (de câmaras de vereadores ao Congresso Nacional.

Essa aliança une o conservadorismo RELIGIOSO, o poder político ancorado no MILITARISMO (no caso esse governo militarizado -- que se vangloria na defesa de moralismos à la Olavo de Carvalho) e  no poder econômico alicerçado no ULTRALIBERALISMO, essa nova versão do neoliberalismo (à la Paulo Guedes e figuras esdrúxulas, do tipo o Véio das megalojas de produtos variados, Wizzard e outros negociantes que, segundo dizem, para alcançarem o sucesso INDIVIDUAL E PRIVADO vendem até a mãe).

Portanto, a base social que agrega essa massa difusa precisa de um discurso MORALISTA, CRISTÃO,  CONSERVADOR para manter mobilizada uma legião religiosa que tem em líderes carismáticos radicais, como Bolsonaro, Putin e outros, e para defender radicalmente uma visão salvacionista e redentora do mundo. Uma recristianização global, que é  a base da Teologia do Domínio presente nos discursos desses grupos religiosos (a crença segundo o qual a religião deve dominar o poder político, a cultura, a educação, as artes,  os comportamentos...).

A RELIGIÃO é o principal elemento de constituição dessa base social da extrema-direita global. Mas, são o MILITARISMO e o ULTRALIBERISMO que caracterizam o domínio do poder estatal (da extrema-direita) em níveis nacionais, com intentos globais. Não por coincidência, governos teocráticos, militares e ultraliberais são formas distintas de autoritarismos.

Por isso, na ausência momentânea de Trump, Bolsonaro é um dos candidatos à liderança da extrema-direita global conforme ficou claro na visita de uma liderança neonazista alemã ao presidente brasileiro nesta semana.

Uma observação final: o Papa Francisco é a principal liderança global no enfrentamento à extrema-direita. Por isso, é tão perseguido, inclusive dentro da Igreja Católica.  Estima-se,  por exemplo, que dos 240 bispos norte-americanos, somente uns 40 apoiam explicitamente Francisco. Não ouso afirmar sobre a situação no Brasil. Mas, certamente o apoio do episcopado brasileiro ao papa Francisco é bem maior e mais explícito. Vide manifestações da CNBB nos últimos tempos.