POR: Pe. Magno Marciete do Nascimento Oliveira
No dia de finados, dia 02, a
Folha de São Paulo (aqui)
divulgou pesquisa sobre uma frase que já faz parte da cultura tupiniquim
(espero sinceramente estar exagerando): “bandido bom é bandido morto”. Já são
mais brasileiros adeptos dessa convicção do que os contrários. Sem apreciar
aqui os números da pesquisa e nos voltando para o que isso significa, não é
para se assustar com o resultado, pois se trata de mais um fio de dessa trama
mais complexa de construção e irradiação do social que no Brasil vige.
Como não lembrar das investidas
para redução da maioridade penal, da bancada da bala e do fim da presunção de
inocência? Tudo faz parte da mesma gramática que impõe uma pauta conservadora e
constrói símbolos violentos para gerir a sociedade. Vemos algo, assim, bem
tecido, para que o enunciado tenha força real, eficiente, que possa dar espaço
para a vingança na contramão do processo civilizatório. Por essa lógica, o
bandido, o criminoso deve ser extirpado. Segundo esse modo de pensar quem
comete delitos não tem nenhum direito. Esquece quem pensa assim que a pena é um
direito de todos, que ela resguarda a vida em todos os sentidos. O rito sumário
presente na cabeça das pessoas, longe de trazer segurança, impõe mais insegurança,
confere aos que detém o uso da força institucionalizada um perigoso meio contra
qualquer um, inclusive contra inocentes, e avaliza a força autoritária por
parte do poder estabelecido.
A partir do lugar teológico,
desde nossa expertise, notamos que o espectro dessa frase assumida como
consenso majoritário deixa nua a hipocrisia de uma sociedade que alimenta
valores ditos cristãos. Ao que tudo indica só alguns valores são aceitos e
estes não podem ser estendidos ao conjunto da humanidade. Os próximos de muitos
“cristãos” são eleitos, destoando com a parábola do bom samaritano, na qual o
próximo é o necessitado. O conhecido sermão da Montanha (conhecido como texto
máximo da ética cristã) deveria ser rasgado em muito de suas passagens, pois
como ser possível virar a face para continuarem nos batendo ou amar aqueles que
nos perseguem? Talvez a memória de Jesus mandando Pedro embainhar a espada deva
ser esquecido, e o princípio ético que pede outras formas de conter a violência
totalmente relativizado, e mesmo desconsiderado. Definitivamente, isso
concorre, nesse cristianismo de bondades para os “bons”, para adotar a
violência como expediente contra a mesma violência.
“Bandido bom é bandido morto”
traz, também, à baila a questão da pena de morte. Doutrinalmente, em âmbito
cristão católico, o catecismo reza: “o ensino tradicional da Igreja não exclui,
depois de comprovadas cabalmente a identidade e a responsabilidade do culpado,
o recurso à pena de morte, se essa for a única via praticável para defender
eficazmente a vida humana contra o agressor injusto. Se os meios incruentos
bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e para proteger a
ordem pública e a segurança das pessoas, a autoridade se limitará a esses
meios, porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão
mais conformes à dignidade da pessoa humana” (Cat., nº 2267).
Só como último recurso, pensando
no contexto geral de defesa da vida, a pena capital é admitida. Só e apenas se
não for possível outra forma de controle do agressor contra a vida pública,
pela segurança dos inocentes, aceita-se a pena de morte. No mais, só os “meios
incruentos” têm conformidade com a dignidade da pessoa humana, não podendo ser
alegado pelo Estado, pela sociedade, sobretudo pelos cristãos, a pena de morte
como legítima defesa. Tendo o Estado e sociedade forças e meios para barrar o
criminoso, usar a pena de morte como forma para conter a violência incorre em
ato de vingança, de crueldade e uso desmedido da própria força.
Qualquer cristão podia ainda
refletir que “bandido bom é bandido vivo”, pois a vida não rejeitada de quem
seja é uma forma radical de demonstrar o amor pregado por Jesus. Nenhum
humanismo será maior do que a convicção de que homens e mulheres sempre têm
oportunidade de mudar de vida. Nenhum humanismo é maior do que a aposta na
conversão do mais pérfido ser humano. Ainda que contra todos os prognósticos e
ceticismos, o que mais condiz com o cristão, com o seguidor do galileu é a
obstinada fé no ser humano, que passa pela fé no próprio Deus. A fé em Deus não
está separada da fé no homem, sendo a primeira fundamento e a segunda consequência.
Acreditar no homem orientado para Deus é viver da fé na bondade de Deus que nos
soprou no ato da criação o seu Espírito de vida, que impregna o mais profundo
do ser criatural da pessoa.
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