A decisão de excluir dados sobre violência policial de relatório sobre
violação de direitos humanos é mais um capítulo da inclinação antidemocrática
da atual gestão federal
Causou perplexidade à sociedade brasileira a decisão do
governo Bolsonaro de excluir a violência policial do balanço anual sobre
violações de direitos humanos no Brasil, divulgado anualmente no relatório do
Disque 100 (o disque direitos humanos). Apesar de uma nota ambígua do
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos negar que esconde tais
dados, o fato concreto é que o relatório omitiu por completo as informações
sobre violência policial.
Como se sabe, o Brasil é um dos campeões mundiais em
violência e letalidade policial. Segundo o Monitor da Violência, elaborado
em parceria pelo site G1, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o
Núcleo de Estudos da Violência da Universiadde de São Paulo, pelo menos
5.804 pessoas foram mortas por policiais em 2019. No Rio de Janeiro, segundo o
Observatório da Segurança, ligado ao Centro de Estudos de Segurança e Cidadania
(CESeC), a letalidade da polícia fluminense aumentou 92% em 2019 em relação a
2018.
O relatório “Direitos Humanos nas Américas: retrospectiva
2019”, da Anistia Internacional, não deixa dúvidas: “as autoridades federais e
estatais adotaram um discurso de linha dura que alimentava a crescente
violência contra a população em geral e contra as pessoas defensoras dos
direitos humanos em particular” (p. 24); “o ano também foi cenário de um
aumento do número de homicídios cometidos por polícias em serviço ativo.”
(p.22).
No momento em que se discute globalmente a violência
policial, depois do covarde assassinato de George Floyd nos Estados Unidos –
que desmascarou a truculência e o racismo de departamentos de polícias naquele
país --, o governo brasileiro opta por políticas de maquiagem e sonegação de
dados justamente de um segmento estatal que, histórica e sistematicamente,
dificulta a transparência das informações, obstaculizando o acesso a dados de
interesse público que são fundamentais para a gestão estatal da segurança
pública, além de corroborarem as legítimas demandas sociais por políticas
correcionais, de aperfeiçoamento e de controle da atividade
policial.
Aliás, é importante registrar que a sonegação de dados sobre
violência policial se inscreve numa série de medidas obscurantistas e
autoritárias do atual governo que “tenta tapar o sol com a peneira” em termos
de transparência e accountability.
Recordemos, sumariamente, que estratégias similares são observadas nas
tentativas de manipulação e/ou sonegação de dados sobre a pandemia, o
desmatamento na Amazônia e outras informações públicas sobre meio ambiente,
desigualdades sociais, drogas, racismo, dados demográficos, gastos
presidenciais com cartão corporativo, entre outras áreas e políticas públicas.
Um governo que oculta e/ou dificulta o acesso a dados públicos não pode ser
considerado democrático.
No caso específico da violência policial, o governo
Bolsonaro já sinalizou, repetidas vezes, seu projeto político baseado no
incentivo à arbitrariedade de agentes do Estado. A posição dúbia no motim
policial do Ceará, as reiteradas tentativas de institucionalizar o “excludente
de ilicitude”, as manifestações públicas de aplauso e congratulações a
policiais que praticam violência, o incentivo explícito ao armamento (sem
controle estatal) da população e as denúncias que ligam o mandatário e sua
família às milícias são sinais nada republicanos das tentativas do presidente
em cooptar as polícias, alinhando-as ao seu projeto político autoritário.
O Brasil, na esteira dos acontecimentos mundiais, precisa
urgentemente discutir a questão da violência policial. Mais que isso,
precisamos debater sobre o mandato policial, tão obscuro, e retomar um debate
nacional, sempre interrompido, sobre a função das polícias na nossa democracia.
Nesta quadra da vida sociopolítica, marcada por profunda
instabilidade democrática, com um Executivo que constantemente flerta com o
autoritarismo, o papel das instituições de segurança pública é crucial. Não é
possível, nos marcos da democracia, que instituições policiais e as Forças
Armadas sirvam a projetos de poder de grupos políticos, contra os interesses do
povo e da Nação.
A tentativa de maquiar e esconder dados de violência
policial só serve a interesses escusos, que devem ser rechaçados por todos
aqueles que defendem os cânones do Estado Democrático de Direito.
Fonte: “Fonte Segura”
– informativo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 16 a 22 de junho de 2020
– Edição 42.
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