No
Brasil vivemos da falta de sentido. Isso é bastante sério. Isso significa que
não temos muita coisa em que acreditar, que a vida na melhor das hipóteses
segue sem ânimo e sem destino, mendigando sobras de sentido pelas ruas de uma
história escrita por quem nunca se preocupou realmente por constituir uma
nação. Sim. Desde a chegada das caravelas por aqui, a questão do sentido foi
relegada a segundo plano. O que se poderia querer dar para uma terra que enchia
os olhos da ganância e alimentava a sede de explorar.
Não
se oferece sentido para quem se deseja explorar. Ao explorado se procura, na
verdade, tirar tudo. E assim essa terra foi sugada, dilapidada, desconstruída
em seus símbolos até sangrar e chegar a ter como signo máximo a própria
exploração, e um complexo de inferioridade do qual se padece hoje de forma
medular. No interior do brasileiro se articulam falas e imagens de um Brasil
que jamais dará certo. É o famoso complexo de vira-lata. E ele está mais
enraizado na percepção do indivíduo brasileiro do que se imagina.
Por
princípio, por aqui, todo brasileiro é preguiçoso. O Brasil não cresce segundo
essa imagem porque não trabalhamos. E o tal do “jeitinho”? O jeitinho
brasileiro é a prova maior de uma identidade estruturada, segundo os
brasileiros, para fazer funcionar o mundo dos mais espertos e caras-de-pau. E
como todos são dados ao jeitinho, atávico em nós como o carnaval e a alegria, a
guerra constante de todos os espertos se constitui em algo fratricida, num
boicote social de larga escala. Nada funciona com essa situação jeitosa. Todo
mundo que dar um jeitinho em algo e aí todos ficam desajeitados.
E o
brasileiro de classe média gosta de declamar seu desejo de ir para fora dessas
terras. Aqui nada funciona, pensa. Inclusive, fica procurando saber quais são
suas raízes europeias. Afinal é bonito ter ligação com alguém, que veio de lá
do outro lado, desde que não seja português. Melhor que sejam raízes buscadas
na Itália, na Espanha, enfim, entre os que são menos culpados pela tragédia
brasileira, farta de piadas. Tudo isso culmina num prato antidemocrático. Os
ingredientes do patrimonialismo, do racismo negado, do elitismo mais pobre do
planeta (cópia caricata de tudo do exterior, sem conteúdo), do fundamentalismo
religioso e do preconceito de toda ordem dão um caldeirão tenso e denso de
contradições.
Ora, a
esquerda golpeada nos últimos tempos, para ser significativa, precisaria
encarar e pesada tarefa de encontrar um sentido para o Brasil. Isso seria um
sentido para a esquerda e suas lutas. Aliás, esse sempre foi o seu sentido, mas
nem sempre explorado como sentido orgânico de sua performance social, teórica,
também dependente de fora, de ideias burladas sem originalidade necessária para
desencadear a revolução precisa para o homo
brazilis.
As lutas
sociais no Brasil não terão efeito se a democracia buscada não tiver em si a
concreção do sentido, por estranho que isso pareça em tempos de afirmação da
globalização, de uma nacionalidade que se entenda como possibilidade de ver uma
imagem própria da nação, não ufanista, mas apreensível para o homem e a mulher
destas terras. O Brasil ainda não se contempla no espelho, não arruma a própria
roupa ao ver-se ou pentear o cabelo. Não consegue ter nenhuma vaidade. Por isso
não se defende, se entrega logo e prefere, quando muito, entrar destrutivamente
em processo autofágico.
Apesar da
historiografia já ter tentado pensar nisso, no fundo ninguém sabe o que é o
Brasil. Ninguém se identifica com o Brasil. Qualquer crise já é suficiente para
todos pedirem para descer do Brasil e passar a compará-lo com o que parece ser ideal
nos outros. Não se encontra um sentido dentro, só fora. Desta sorte, a questão
para esquerda é política e cultural em suas intersecções profundas no terreno
da ética. Da mesma forma que age politicamente, por outro lado o desafio é fazer
da luta uma trajetória pelo direito de ser brasileiro, de ter pertença a uma
cultura, que já possui significados latentes, mas sempre reiteradamente
negados, por isso não patentes, claros para abraçar como bandeira a hastear
contra tiranias.
O
brasileiro ainda não brasileiro amarga não ser nada. Sente náuseas de não ter
significado, um sentido, de ser visto como espécime rara para aos olhos do
mundo. Sente seu pedaço de terra como uma velha choupana. Só de vez em quando
sente alegria, não orgulho, por algum fato inusitado. Os exploradores destas
terras, do passado e do agora, só aprofundaram isso. A esquerda precisa
entender que a contramão desse aprofundamento é o seu ir de encontro ao Golias.
Se isso não acontecer a esquerda sempre se digladiará contra uma cultura do
oportunismo, da mais valia da falta de caráter, facilmente assimilável pelas
massas, elas duplamente sem caráter: sem características de fundo cultural
enquanto identidade a defender e sem vergonha na cara. A questão não é só de
direitos sociais, mas também de direitos culturais. É agir, pensar e agir.
(Pe. Magno Marciete do
Nascimento Oliveira)
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