À medida
que o poderio econômico foi dominando a mídia, muitos “profissionais da pena” foram
se subjugando aos interesses patronais e outros se transformando em animadores
de auditório. Parte do jornalismo, ator político relevante na formação da
“opinião pública”, tem se contentado com o apequenado papel de ventríloquo.
Presenciamos
no Brasil uma incestuosa relação no universo da comunicação de massa: de uma
maneira geral, o jornalismo domado às conveniências do grande capital sucumbe
aos ditames dos donos dos oligopólios empresariais e midiáticos que determinam
o que deve ser pautado, como, quando, de qual forma, com qual recorte e viés,
assim como o que deve ser publicado (melhor dizendo, publicizado — dado que a
produção da notícia se transformou ora em mercadoria, ora em produto de
entretenimento). Assim, o jornalismo dos grandes veículos de comunicação decompõe-se
em espetáculo, muitas vezes grotesco, a ser vendido de forma sensacionalista, eivado
de interesses de classe, para o deleite do telespectador-consumidor desavisado.
Numa afronta colossal ao direito humano à
comunicação, as grandes redes de mídia e as poderosas agências noticiosas
escolhem, selecionam, manipulam e determinam o que deve ser divulgado e sob
qual ótica os fatos são apresentados à opinião pública.
Há muito
se questiona a isenção e a imparcialidade dos meios de comunicação. Por um
lado, em virtude das relações imbricadas e promíscuas que envolvem os donos dos
veículos (muitos dos quais, editores de suas empresas de comunicação; outros
tantos, políticos herdeiros da velha estrutura colonial e familiar) com setores
conservadores, elitistas e golpistas; por outro, pela fragilidade de parte de
seus quadros profissionais, submissos (e impotentes) frente às determinações
patronais. Quem perde com essa situação é a democracia que deixa de ter na
imprensa o contraponto às mazelas sociais, econômicas e políticas.
Acompanhamos,
com perplexidade e surpresa, a cobertura que a mídia tem dado às denúncias de
corrupção que assolam frequentemente nossa República. A imprensa tem desprezado
o aprofundamento das informações e demonstrado discricionariedade e
seletividade na cobertura. A guerra do bem versus o mal reproduz o velho estilo maniqueísta (uma
forma de pensar simplista em que o mundo é visto como que dividido em dois,
reduzindo os fenômenos humanos e sociais a uma relação de causa e efeito, certo
e errado, isso ou aquilo; sendo que a simplificação nasce da intolerância ou
desconhecimento em relação a verdade do outro e/ou da pressa de entender e
refletir sobre a complexidade de tais fenômenos.). Quase não se
fala, por exemplo, sobre os corruptores, os donos do capital e os interesses econômicos
por detrás dos políticos e empresários corruptos. E que a corrupção não é obra brasileira. Trata-se de uma grande
engenharia multinacional, construída para manter e fazer funcionar o
capitalismo rentista.
Somos
bombardeados com um vendaval de informações pontuais, muitas vezes
descontextualizadas, passando a (falsa) impressão, por exemplo, de que todos são,
essencialmente, corruptos e desonestos quando, na verdade, o discurso do combate à corrupção funciona como lenitivo de salvaguarda
da elite empresarial-midiática-política, historicamente envolvida até o pescoço
com os malfeitos. Os brasileiros e
brasileiras não são corruptos por essência, como a mídia quer que acreditemos.
Mas nossas elites o são. Esse é o ponto. Essa mentira vendida como verdade (de
que todos são, indistintamente, corruptos) tem provocando um misto de histeria
coletiva de caça às bruxas, expressa na raiva, ódio e desilusão em relação ao
sistema político e provocado um imobilismo cívico – a ideia de que este país
não tem conserto. Portanto, entreguemo-lo para os ratos.
Outro
fenômeno que ressurgiu a partir das manifestações de 2013 e se recrudesceu nas
últimas eleições, em 2014, foi um misto difuso de ódio e vingança, fazendo da
disputa eleitoral uma verdadeira guerra, quando o processo democrático da
escolha dos representantes deveria ser tão e somente um embate civilizado e
respeitoso de ideias, opiniões e pontos de vista sobre os rumos do país. A quem interessa um país no qual os
cidadãos têm nojo da política?
Frente a
tanta (des)informação parece que estamos perdidos; que ninguém é honesto; que
não vale a pena lutar pela ética, a verdade, a justiça. A mensagem subliminar seria, então, que
vale a pena ser desonesto e chafurdar-se nas pequenas corrupções do dia a dia?
É essa a mensagem sub-reptícia que nos é passada por essa mídia venal e
fascista?
O pior
dos mundos é quando os cidadãos não reconhecem na ética, na verdade, na
mobilização social e na luta política os caminhos para as mudanças.
O
filósofo e cientista político esloveno Slavoj Žižek nos ajuda a
pensar algo muito importante: a unificação de todos os nossos medos (e/ou
discursos do medo) numa (falsa) verdade é o grande objetivo que sempre moveu os
ideais dos mais conservadores. Essa estratégia justificou o nazismo (os
nazistas tinham horror dos judeus, dos homossexuais...) ou o golpe
civil-militar de 1964 (medo do comunismo), por exemplo. E, agora,
justifica a assunção de uma quadrilha ao poder. Depois de transformar uma
mentira numa verdade (que somente o PT e seus quadros são corruptos), a mídia
brasileira liderou a gangue que estuprou nossa democracia. Não é mera
coincidência o fato de o sistema de justiça desdenhar os estupros reais, como o
ocorrido no Rio de Janeiro, daqueles simbólicos, não menos violentos, como o
ocorrido com nossa democracia. A justiça,
enquanto sistema, não existe para produzir justiça; senão, para corroborar os
intentos e perversões dos poderosos.
O fato, é
que a soma dos muitos medos (os verdadeiros ou aqueles construídos no
imaginário social) é o ambiente propício para se criar um clima de pânico,
instalar a desconfiança generalizada, propagandear uma insatisfação irracional.
A partir daí, pode-se construir os pseudo-heróis "salvadores da
Pátria"; justifica-se o injustificável; elegem-se os bodes expiatórios
lançando-os à fogueira, na condenação midiática para o gozo sempiterno de uma
massa amorfa, porque sempre apartada da política.
Mesmo nos
regimes ditos democráticos, a construção orquestrada do medo pelos segmentos
cujos privilégios são colocados à prova pavimenta atalhos fáceis para o
golpismo. Mas, voltemos a Žižek: a partir da unificação dos medos é
fácil acatar como verdade inequívoca o discurso do ódio, da violência, da
eliminação a qualquer custo daquele que encarna os males e seus seguidores.
Outro
problema político vergonhoso, camuflado nesse cenário, é a intolerância, o
racismo, o sectarismo religioso, o preconceito – principalmente de matrizes étnica
e socioeconômica -, o fascismo disfarçado de nacionalismo. Esses
"demônios" saíram do armário (porque lá sempre estiveram) e seus
adeptos (que comportam como massa acéfala) querem se impor, afrontando a
democracia.
Infelizmente, alguns privilegiados de ontem e
de hoje não aceitaram uma sociedade que caminhava, a passos lentos, na
construção da igualdade de fato, para além da igualdade de direito. Querem se
manter como diferentes, ostentando os velhos privilégios da Casa Grande. Por
isso, preferem morar em Miami. Não conhecem a verdadeira história deste país,
porque a conquista de direitos, mesmo lenta e gradual, é irreversível em
qualquer sociedade minimamente democrática e plural.
A
igualdade de direitos faz parte do processo de consolidação da cidadania e é
fundamento da democracia. Não há
democracia numa sociedade estamental, como era o Brasil até bem pouco
tempo. E não há democracia quando a mídia se transforma em partido
político a fomentar e dar suporte ao golpe e, agora, transformando-se em
porta-voz do governo golpista.
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