Reproduzo,
abaixo, reportagem de Claudio Bernabucci, publicada na Revista
Carta Capital e no IHU - On Line. Trata-se de nomear
alguns dos inimigos do Papa Francisco que operam dentro da Igreja,
especialmente na Cúria Romana.
Francisco,
com sua pregação, testemunhos e ações tem provocado furor nos poderosos de
dentro e de fora da Igreja. Sua última encíclica Laudato Sí (Louvado Seja), sobre o cuidado com a
“casa comum” provocou a ira dos conservadores porque, fidelíssima aos Evangelhos,
dá centralidade aos pobres e aos mais frágeis, como já apontara o
Concílio Vaticano II; é uma crítica radical ao antropocentrismo
moderno; conclama os cristãos para o diálogo em posição de humildade e abertura
e, de certa maneira, coloca a Igreja Católica em rota de colisão com o
capitalismo, ao denunciar a opressão e exclusão causada por esse sistema.
Francisco afirma que a "política e as empresas não estão à altura dos
desafios mundiais", depois de terem feito um "uso irresponsável dos
bens que Deus colocou na Terra". O papa argentino condena com palavras
firmes o consumismo e o capitalismo selvagem, apontados como responsáveis pela
degradação da "mãe e irmã Terra".
Na reportagem abaixo, leia um pouco mais
sobre o chamado VatiLeaks 2. Como se pode notar, a disputa não é
pelo cargo de Pastor ou chefe da Igreja Católica mas, lamentavelmente, pelo
comando das finanças do Vaticano.
O
escândalo, cujos principais atores pareciam orquestrar mais uma tentativa de
enfraquecimento de Francisco (que se propôs a fazer reformas na Cúria Romana),
começa na festividade de Todos os Santos de 2015: na noite anterior a 1º
de novembro, foi presa Francesca Chaouqui, primeira mulher a passar pelo
cárcere do Vaticano, juntamente com seu padrinho eclesiástico, Monsenhor Lucio
Angel Vallejo Balda. Dirigentes médios na Santa Sé, ambos foram acusados de
vazamento de informações reservadas.
Leiam, abaixo, na reportagem de Claudio
Bernabucci, publicada por Carta Capital, em 13 de novembro de 2015.
A
senhora Chaouqui, 32 anos, italiana com pai franco-marroquino, lobista e
ex-integrante de uma importante comissão vaticana, foi logo solta por ter
colaborado ativamente com as investigações. Glamourosa e extrovertida, mais em
sintonia com os ambientes mundanos das socialites romanas do que com a sobriedade
do entourage de Francisco, já nas primeiras declarações após a infausta
primazia, ela descarregou a maior responsabilidade sobre o companheiro de
aventura e de prisão.
Monsenhor Vallejo
Balda, espanhol de 54 anos, filiado ao Opus Dei, já foi secretário da
Prefeitura dos Assuntos Econômicos da Santa Sé, importante órgão, criado
por Francisco, para vigilância do patrimônio e do setor
econômico-financeiro da Igreja. Sobre sua cabeça cai principalmente a acusação
de ter divulgado documentos reservados e gravações do papa, que constituem a
parte mais substanciosa de dois livros a serem publicados em
breve: Avarizia (Avareza), do jornalista Emiliano Fittipaldi,
vaticanista da revista italiana l’Espresso, e Via Crucis, escrito
por Gianluigi Luzzi, autor de outro best seller de 2012, Sua
Santidade, que divulgava as cartas de Bento XVI furtadas por seu mordomo. O
escândalo dos documentos roubados ao papa, então denominado VatiLeaks,
representou o episódio final de um desgaste prolongado que induziu Ratzinger à
histórica demissão. Tudo indica que a atual tentativa de desestabilização do
papado é provavelmente inspirada por intenções semelhantes.
Em
duro comunicado, o departamento de imprensa do Vaticano denunciou:
“Publicações desse tipo não ajudam a estabelecer a verdade, mas a gerar
confusão, interpretações parciais e tendenciosas. É preciso evitar o equívoco
de pensar que esse seja um modo de ajudar a missão do papa”. Como, aliás, os
dois autores dos livros insinuaram. O porta-voz do papa sublinhou também que os
livros anunciados, “como já aconteceu no passado, são frutos de uma grave
traição da confiança concedida pelo papa”, com evidente referência às gargantas
profundas do Vaticano que vazaram informações sigilosas.
Fato
é que a antecipação desses dois livros oferece informações de absoluta
gravidade, até agora não desmentidas. Nestas horas, parece que
o Vaticano está voltando à atmosfera de conspiração que sofreu na
véspera da demissão do papa alemão e que as intrigas venenosas continuam proliferando.
Em outros termos, parece que a operação de reforma, ou limpeza, realizada
na Cúria até agora por Francisco é insuficiente.
As
indiscrições sobre os livros falam da riqueza da Igreja, da dificuldade do papa
de impor uma troca virtuosa na administração do dinheiro e da falta absoluta de
transparência em relação ao uso das doações. Não tem muito a ver com o
vazamento de documentos reservados, mas por certo o escândalo fermenta com a
notícia, divulgada pela Reuters, de uma investigação em curso entre as magistraturas
vaticana, italiana e suíça sobre operações fraudulentas e reciclagem de
dinheiro por parte da Administração do Patrimônio da Sé Apostólica (Apsa).
Aliás, os dois livros descrevem os hábitos e as residências luxuosas de muitos
cardeais, in primis de George Pell, o australiano
que Bergoglio nomeou em 2013 como chefe da Secretaria de Economia,
espécie de superministério.
Já
durante o Sínodo sobre a Família, foi evidenciada a
contradição: Pell, um dos principais colaboradores do papa, alinhava-se a
seus adversários conservadores. Agora, com a demonstração de que quem cuida das
finanças vaticanas, cultiva sofisticados hábitos (que comportariam gastos
mensais de 70 mil euros, entre roupas sob medida e outras mordomias), a posição
do poderosíssimo cardeal torna-se insustentável.
Na
narração das “contradições” que se perpetuam na Cúria, não podia faltar o
escândalo dos escândalos: o suntuoso apartamento do cardeal Tarcisio
Bertone, 350 metros quadrados com terraço, ao lado da cúpula de
Michelangelo, refinadamente reestruturado no mesmo período em
que Francisco estabelecia sua residência em modestos 70 metros
quadrados na Hospedagem de Peregrinos Santa Marta.
A
ostentação do luxo própria de Bertone (mas não só dele), por um lado,
e a simplicidade do papa, por outro, têm provocado nesses dois anos embaraçosa
incredulidade nos fiéis (e também nos infiéis). Mas agora, depois que foi
divulgado que parte dos gastos de tal reestruturação milionária foi financiada
com dinheiro do hospital pediátrico Bambino Gesù, a continuidade do ex-secretário
de Estado no principesco apartamento parece um insulto aos Evangelhos.
Completam
a litania das indiscrições algumas gravações da voz do papa, que fala aos
interlocutores de “custos fora de controle”. Avisa: “Tem armadilhas...” Em
outra circunstância: “Se não somos capazes de guardar o dinheiro, que se vê,
como cuidaremos das almas dos fiéis, que não se veem?” Constrangedoras, pelo
fato de serem reveladas traiçoeiramente, essas frases roubadas ao papa parecem
absolutamente verossímeis, porque deixam transpirar toda a sua postura simples
e sincera.
Claro
que Francisco sai dessa turbulência como a figura positiva cuja ação
reformista é prejudicada pelas forças conservadoras, mas o fato é que
esse VatiLeaks nº 2 é o primeiro escândalo da sua época e de alguma
forma o fere e talvez o desgaste. De fato, os cargos dos dois inquiridos
na Cúria não são uma herança do passado, remontam a suas nomeações de
2013, bem como a do cardeal Pell. Provavelmente, Francisco paga
agora pela inevitável inexperiência dos primeiros meses, após a chegada a Roma,
quando teve de confiar na opinião de outros prelados para definir importantes
cargos de confiança. Além disso, a confirmação estrondosa de tantos problemas
internos abala inevitavelmente a imagem de maior líder espiritual e estadista
contemporâneo, que não é forte o suficiente para alinhar todos à sua justa
causa.
De
qualquer forma, ao contrário dos meses passados, o posicionamento dos vários
protagonistas da disputa vaticana agora está manifesto, graças à habilidade
de Francisco de trazer à tona seus adversários ocultos. Igualmente, a
interpretação dos acontecimentos recentes resulta clara o bastante para deixar
antever um cenário futuro e arriscar previsões.
Em
primeiro lugar, vale evidenciar que, diferente de Bento
XVI, Francisco foi de grande firmeza e severidade. Comentários não
desmentidos relatam que, em lugar da prisão, os vértices vaticanos propuseram a
solução mais diplomática do afastamento na Espanha para monsenhor Vallejo
Balda, mas Bergoglio optou pelo rigor. Ao contrário de Francesca
Chaouqui, o prelado do Opus Dei continua atrás das grades. A
motivação de seus delitos parece muito mesquinha – ressentimento contra o papa
pela falta de promoção como número 2 de Pell –, mas muito
provavelmente ele é peça de uma conspiração de nível muito mais alto.
É
evidente que um conflito aspérrimo está em pleno desenvolvimento, tanto quanto
na luta de poder, sobretudo econômico-financeiro. O modelo de Igreja
que Francisco quer pôr em prática, uma Igreja pobre, misericordiosa,
“hospital de campo”, como ele a definiu, é antípoda da estrutura de poder
dogmática e conservadora que foi construída nos séculos passados.
Com Francisco no trono de São Pedro, não há possibilidade de
mediação entre os dois modelos, daí a reação raivosa dos adversários, numerosos
e poderosos, que ainda ocupam posições inalteradas em seus dois anos de
pontificado.
Durante
o Sínodo sobre a Família, o ataque foi também violento, não só com
intransigentes especulações doutrinárias, mas também com as armas infames da
calúnia e da conspiração. A notícia do tumor no cérebro de Francisco,
lançada com clamor nos últimos dias do Sínodo e aparentemente sem fundamento,
era nada menos que a tentativa de insinuar que o papa não tinha pleno controle
de suas capacidades intelectuais. E a iniciativa anterior da carta reservada, e
depois revelada, de 13 cardeais que escreveram ao papa insinuando um resultado
preestabelecido da discussão sinodal, representou a outra cara da mesma moeda:
macular o prestígio de Francisco, lançando a suspeita de que ele urdia mesquinhas
manipulações para forçar os resultados da reforma que desejava.
Os
fatos encarregaram-se de demonstrar que a realidade era outra e que a vitória
de Francisco sobre os conservadores foi sofrida e resultado de um
compromisso. Seus adversários visavam demonstrar que a maioria que o elegeu
no Conclave de 2013 tinha evaporado, mas o voto sobre a redação final
do Sínodo, elaborada após ásperos antagonismos, mostrou o contrário. Francisco
conseguiu, por dois votos, o consenso de dois terços dos padres sinodais, ou
seja, uma ampla maioria está disposta a segui-lo no caminho da reforma profunda
da Igreja.
A
proposta-chave que abriu a mediação final foi formulada pelo episcopado alemão,
por sua vez dividido entre uma minoria conservadora chefiada pelo
cardeal Müller e uma maioria progressista com o
cardeal Marx na cabeça. Graças também ao parecer conciliador de
Ratzinger, o papa emérito, os alemães sugeriram a fórmula de descentralizar os
poderes em nível episcopal para dirimir questões como a comunhão aos divorciados.
Daqui para a frente, serão os bispos dos vários países, com sensibilidades e
culturas diferenciadas e inspirados pelo “discernimento” sugerido por São
Tomás de Aquino, que aplicarão em cada contexto as medidas mais apropriadas.
Fonte: Claudio Bernabucci, publicada por Carta
Capital e IHU - On Line 13-11-2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário