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Precisamos problematizar o papel estratégico desempenhado por promotores e juízes na consolidação da ruptura democrática, ou seja, do golpe parlamentar de 2016 em diante.
Inúmeros episódios
têm demonstrado, sistematicamente, a postura cambiante do nosso sistema
judicial. Como se não bastasse a falta de isonomia da justiça criminal brasileira,
tolerante com a Casa Grande e feroz com a Senzala, temos assistido nos últimos
anos um processo de protagonismo do judiciário em detrimento dos outros dois
poderes.
Esse processo de
centralidade do judiciário iniciou com a judicialização
da política (no mensalão), derivando na politização da justiça (nas posturas e decisões de Sérgio Moro,
Rodrigo Janot e Gilmar Mendes, na lavajato) e, agora, culmina com a partidarização da justiça (com a nomeação
de Moraes para o STF). Fala-se, inclusive que a presidente do Supremo estaria
sendo preparada para chefiar o executivo, num novo golpe dentro do golpe.
Lembremos que esse
processo acontece simultaneamente à ampla campanha de criminalização da política, notadamente dos partidos e seus
quadros. Ou seja, à medida que todos os políticos e partidos são lançados na
fogueira, o poder judiciário vai tendo sua musculatura reforçada.
Sintomático, também,
o fato de, justamente quando o voto popular e de segmentos da classe média
passou a eleger políticos e partidos de esquerda no nível central, os grupos de
direita, com apoio e metodologia norteamericana (já testados em Honduras e
Paraguai), se articularam para surrupiar do povo o direito de escolher seus
governantes e recolocaram as elites jurídicas no centro da vida política
nacional.
É verdade que os
poderes executivo e legislativo, nos três níveis de governo, passam por um
processo de deslegitimação: a promiscuidade no financiamento das campanhas
eleitorais mostra a podridão do sistema político. Mas, em democracias
consolidadas os desvios de rota poderiam ser corrigidos com uma ampla reforma do sistema político,
legitimando os poderes que têm no voto popular sua razão de ser e não
destruindo tais poderes para entregar a Nação a elites de um poder
historicamente comprometido com a Casa Grande.
No momento atual, é
kafkiana a relação incestuosa que propicia uma estabilidade política baseada na chantagem entre o Judiciário
(leia-se STF, PGR e lavajato) – que controla processos, delações e inquéritos
-, o Parlamento e o Executivo, atolados na corrupção.
Entre inúmeros
exemplos possíveis desse protagonismo exacerbado da justiça, utilizemos algumas
das ações do juiz Sérgio Moro que, mesmo sendo juiz, nunca teve nenhum
escrúpulo de explicitar sua afeição e proteção ao PSDB (como Mendes e Moraes,
diga-se de passagem). A cena entre o juiz e Aécio Neves, megadelatado, durante
uma premiação da mídia golpista causou indignação até mesmo de cidadãos
acostumados a relativizar a promiscuidade entre políticos e magistrados.
Conta-se que Moro
foi para os Estados Unidos aprender com os agentes da CIA e FBI como, através
do sistema de justiça, dar respaldo a um golpe gestado no parlamento, com apoio
empresarial, midiático e de segmentos conservadores da sociedade. As relações
amistosas de cooperação entre a operação lavajato e órgãos norteamericanos, sem
o crivo das instâncias definidas para esse tipo de colaboração, colocam em
xeque a soberania nacional e isso não é objetivo de espanto.
Há mais de três
anos, em parceria com a PGR, o TRF4 e Mendes, o togado curitibano tornou uma
espécie de inquisidor oficial república. Persegue uns (Lula, o PT, etc.);
protege outros (Aécio, a mulher de Cunha, etc.).
Ao mesmo tempo,
Moro recebe prêmios e tratamento especial da TV globo. Assim, foi assunto à
categoria de herói nacional, o exterminador do PT.
É convidado para palestras por grupos de direita no Brasil e no exterior e surfa garboso na onda conservadora que invade violentamente o mundo...
Moro, sendo juiz,
já afrontou por mais de uma vez a constituição, como fez no episódio do vazamento
do áudio da conversa entre Lula e uma presidenta, sem autorização do STF
(apesar de se tratar de diálogo privado de quem tinha foro privilegiado). E,
pasmem, os guardiões da constituição, no Supremo, nada fizeram. Aliás, Teori
Zavascki, que explicitou descontentamento acerca do arbítrio do togado da
república de Curitiba, morreu num misterioso acidente aéreo - que a plebe já
esqueceu, porque na república das bananeiras o escândalo de hoje é divulgado
seletivamente para apagar o escândalo de ontem.
Usando
discricionariamente as prisões preventivas e as delações (como instrumentos de
tortura psicológica, como demonstrou em artigo recente o subprocurador geral da
república, Eugênio Aragão), Moro ouve dos réus aquilo que deseja ouvir e
descarta o que lhe desagrada ou corrompe seus intentos higienistas...
Agora, o inquisidor
dos trópicos está com uma encomendada complicada: precisa inviabilizar a
candidatura da jararaca para manter Temer, tucanos e demais partícipes da camarilha
golpista no comando da proa. Mesmo sabendo que o barco vaza água por todos os
lados.
Moro hoje, como Joaquim
Barbosa ontem, cumprem um papel crucial para a manutenção do empreendimento da
Casa Grande: manter o sistema de justiça no centro das decisões políticas da
república. E usar de seu cargo ou do poder da chantagem (porque toda a
república está em suas mãos) para manter de joelhos todos os atores políticos,
condenando seletivamente uns e redimindo a seu critério outros.
É sintomático o
fato de, recentemente, questionado por um advogado de defesa de um dos réus da
lavajato, Moro ter dito: “faça concurso para juiz”. É como se ele dissesse para
todos nós: somos juízes; podemos tudo.
Tomemos um outro
exemplo para falar de como o poder judiciário se posta acima do bem e do mal:
em 2012, quando foi preso Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, acusado de
operar um caixa 2, a então ministra, hoje presidente do Supremo, Carmen Lúcia
vociferava: “Caixa 2 é crime; é uma agressão à sociedade brasileira"; etc,
etc.
Agora, que foi
escancarado o Caixa 2 do seu amigo, o Mineirinho, parece que Carmen Lúcia e
seus pares no STF não se revoltam mais. Não vi nem ouvi nenhum ministro do
Supremo aparecer indignado na TV ou nos jornais revoltados com as revelações
da turma da Odebrecht...
Até o príncipe,
FHC, admitiu que o também "menino do rio" recebeu recursos
provenientes de Caixa 2. Afinal, ao afirmar que “há uma diferença entre quem
recebeu recursos de caixa dois” e quem “obteve recursos para enriquecimento
pessoal, crime puro e simples de corrupção" fica óbvio que o cacique
tucano não somente admite a corrupção (recebimento de caixa 2), como também expõe
mais uma vez seu cinismo envernizado e acadêmico ao diferenciar a
"corrupção do bem" do PSDB, da "corrupção do MAL" (com
letras garrafais) do PT.
Mas, nessas alturas
do campeonato, temos perguntas e não respostas: será que o Supremo (ou pelo
menos a presidenta do Olimpo) admitirá que caixa 2 sendo crime é uma agressão à
democracia, independente de quem praticou a falcatrua?
Ou devemos
continuar dormindo em berço esplêndido, crentes que a justiça é isonômica na
república das bananeiras?
Se a justiça agisse
com isonomia a lava jato poderia ser um divisor de águas no combate à corrupção
e teríamos uma república onde os três poderes poderiam coexistir em prol dos
cidadãos e não para a autoproteção de seus quadros.
Mas, ao que tudo
indica, e para a alegria dos verdadeiros interessados no golpe, a justiça está
cada vez mais no centro do poder.
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