Depois da
votação da Câmara dos Deputados no último dia 02/08, ficou claro para os brasileiros
que estamos submetidos a uma latrocracia; ou seja, um governo de ladrões. Ou, cleptocracia, se preferirem essa expressão.
Os recursos do erário são manipulados criminosamente à luz do dia para comprar gângsters
(que definitivamente não representam os clamores e os interesses do povo) – como vimos
nas cenas grotescas a explicitarem a corrupção passiva dentro do Congresso -, visando a manutenção no poder do síndico sem votos. Tanta vilania, urdida com estratégias
das mais perversas, corruptas e violentas sem temor, nem pudor.
Observamos
que na cleptocracia tupiniquim, além do erário, também são furtados desavergonhadamente:
(a) Os direitos
trabalhistas e previdenciários (duramente conquistados em 1988), à medida que
se promove uma minirreforma constitucional sem delegação popular para esse fim, a atender exclusivamente expectativas dos ricos e dos poderosos;
(b) As riquezas
minerais e naturais do país, que são entregues aos interesses alienígenas;
(c)
O futuro das atuais e novas gerações, à medida que se
coloca o país dependente e submisso ao capital especulativo
internacional; portanto, na velha condição de colônia a ser eternamente explorada;
(d) A possibilidade
de autonomia e soberania nacionais, dado que se destroem criminosamente a ciência e os
setores estratégicos das indústrias de ponta, reposicionado o Brasil na
condição de sabujo dos países desenvolvidos, notadamente dos Estados Unidos, o
mentor do golpe;
(e) E, final
e dramaticamente, se rouba a esperança de um povo que caminhava a passos lentos,
mas constantes, na construção de uma democracia inclusiva.
Como
escreveu o professor Luis Felipe Miguel, cientista político da UnB:
Nunca
tivemos um país justo. Estamos agora perdendo até a esperança de construí-lo. Os
derrotados somos muitos: a classe trabalhadora, as mulheres, a população negra,
os povos indígenas, a juventude, as lésbicas, gays e travestis, as periferias,
a intelectualidade. Em cada um desses grupos, somos vítimas das ações do
governo golpista, seja por mudanças na legislação, seja pela reversão de
políticas públicas, seja ainda pela crescente espiral repressiva.
A
coalizão golpista (no executivo, no legislativo e em parceria com castas do
poder judiciário e do Ministério Público) tem implementado uma agenda neoliberal
perversa, que agrada somente os donos da banca internacional e os setores
nacionais de elite (empresariado, banqueiros e latifundiários) que atuam nessas
terras com mentalidade escravocrata e colonial-extrativista.
É verdade
que um bando de midiotas da classe média, trabalhadores bem remunerados que
sempre tiveram privilégios e acham que são burgueses, também apoia os latrocratas
tupiniquins: uma cleptocracia que pratica absurdos sem escrúpulos ou pudor e não
consegue sequer perceber que há algo estupidamente agonizante num governo quando
nem mesmo as aparências são preservadas.
Todos
estamos estupefatos com o que ocorre na Praça dos Três Poderes em Brasília.
Nunca se imaginou que um antro de criminosos do colarinho-branco pudesse se
apropriar dos poderes do estado com tamanha voracidade e vilania, contra o povo e a Nação.
Porém, vários
pensadores têm alertado que esse estado de estupefação social não deve ser confundido
com alienação e comodismo. Há fadiga, descrença e aparente desânimo, é verdade.
Um sentimento difuso de impotência da nossa incapacidade em resistir a tantos
ataques aos direitos sociais e trabalhistas e ao desmonte do Estado de proteção
social.
Bertold
Brecht tem uma frase, entre outras, espetacular: “Do rio que tudo arrasta se
diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.” Ou
seja, quando as águas caudalosas da insatisfação popular, represadas pelos
golpistas, romperem as margens comprimidas e reprimidas desse rio de desilusão, uma força
incalculável transbordará e fará surgir algo novo.
Leonardo
Boff alerta sobre o perigo desse represamento das tensões sociais. Os golpistas
estejam certos que essa aparente conformação se transformará:
estamos
indo ao encontro de alguma convulsão social porque a desfaçatez e a
sem-vergonhice do atual governo de tentar desmontar todos os benefícios que os
dois governos do PT realizaram para milhões de cidadãos, não poderá perdurar.
Haverá um momento de dizer: “Agora basta. Que
se vayan todos”, como disse o povo argentino e pôs a correr um governo
corrupto. O Brasil cresceu aos nossos próprios olhos, enchendo-nos de orgulho e
também aos olhos do mundo de tal forma que ganhou o respeito e a admiração. Não
vamos tolerar que isso se desfaça por aqueles que Darcy Ribeiro dizia: “temos
as oligarquias mais reacionárias e com falta de solidariedade do mundo
inteiro”.
Até mesmo
um analista político de um órgão de comunicação que é o baluarte do pensamento
conservador brasileiro, o Estadão, José Roberto Toledo, tem afirmado que a explosão virá:
(...)
governar despreocupado com a opinião pública é mais um luxo a que os
encastelados no poder se acostumaram. (...) A falta de protestos – a despeito
das sucessivas quebras do recorde de impopularidade – não deveria ser alívio
para Temer e sua turma, mas o contrário. A insatisfação não é um fenômeno que
se manifesta linearmente. É engano pensar num roteiro de novela que constrói o
fim inescapável aos poucos. O Brasil virou filme de suspense. (...). A calma
aparente de 2017 se assemelha à de 2013. Quando junho virá, ninguém sabe. Mas
multiplicam-se sinais de que a pressão social está se acumulando, se
reprimindo, sem saída: medo em alta, confiança em baixa, falta de perspectiva.
(...) O cenário que se arma é comparável ao que antecede um grande incêndio
florestal ou uma avalanche. Enormes quantidades de energia vão comprimindo a
neve no alto da montanha ou se acumulando em bilhões de folhas ressecadas pela
falta de chuvas. Sem sucessivos deslizamentos ou fogos menores que dissipem a
pressão, a energia aprisionada cresce até o ponto de ruptura. Quando explode, a
única escapatória é tentar sair da frente. (...). Pode ser que exploda amanhã,
por causa de inocentes 20 centavos, pode ser que se acumule até outubro de
2018. Quanto mais tempo demorar para ser liberada, maior será o estrago – e
maior a quantidade de vítimas.
O bando
que assalta o poder e momentaneamente impõe sua agenda neoliberal, institucionalizando uma latrocracia
nessas plagas, não deve confiar numa futura “lei de anistia” que perdoe suas
malfadadas e lesivas práticas aos interesses nacionais e populares.
Aprendemos com a experiência da ditadura que não fazer acertos de contas com a
história é um erro que não deve ser repetido. Jogar uma pá de cal sobre o arbítrio só
serve para propiciar a recriação de filhotes do autoritarismo que sempre ressurgem
viçosos, como ocorre no atual momento.
Aprendemos
também que confiar exclusivamente no nosso sistema de justiça como contrapeso às vinganças
arquitetadas pela Casa Grande é mera ilusão. Afinal, tal sistema existe, também, para
salvaguardar os interesses das elites.
Resta-nos,
agora, confiar na capacidade do povo e dos atores sociais progressistas de
romperem as amarras que os separam e caminharem juntos na reconquista de um
estado que seja para todos.
Que as
margens do rio sejam rompidas por uma descomunal força que vem da união do povo
contra os assaltantes que estão momentaneamente no poder.
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