Não pretendo ser mais realista que o rei. Mas, não adianta entrarmos nesse clima infantilizado de final de ano. Achar que num passe de mágica as pessoas, o mundo, os golpistas mudarão. Acreditar que com crendices, rezas e rituais teremos a intervenção cósmica, ou divina, a resolver milagrosamente os nossos problemas sociais, políticos, econômicos...
Entendo
que um pouco de ilusão, fantasia e fuga da realidade tornam-se ingredientes
importantes para suportar a dureza da vida e dos fatos.
Nessa
época, o final de ano, há uma “tentação” de acharmos que os milagres existem (a
começar pelo fantasioso papai Noel). Ou que vale apostar todas as fichas numa
esperança de esperar (que tudo mude para melhor, sem esforço pessoal e
comunitário) ao invés de esperançar-se (ou seja, juntar-se com os outros para
fazer algo diferente). Esse clima produz sujeitos passivos, poliqueixosos e
irresponsáveis, à medida que a solução para os problemas do cotidiano são
transferidos para o outro; ou são direcionados para o além.
Porém, tudo
indica que a curto prazo, no campo da política, não há razões para sermos
otimistas. E só não vê quem não quer:
1. Temer e
sua camarilha implementaram um golpe imprevisível e, desde então, iniciaram um
programa de desmonte do estado sem precedentes.
2. Para
atenderem as expectativas dos rentistas e do Tio Sam, os verdadeiros ganhadores
do golpe, estão a implementar uma agenda que inclui violentos cortes nas áreas
sociais (a garantir o superávit,
visando o pagamento da dívida aos especuladores); de entrega do patrimônio
público a alienígenas (privatizando a preço de banana os bens públicos, como
fizera anteriormente FHC); de desmonte da indústria e da pesquisa nacionais
(para manter o país na condição de colônia eternamente explorada); e, ainda, a
imposição de regras trabalhistas e previdenciárias similares ao capitalismo do
século XIX (cuja mentalidade dos burgueses à época era a exploração máxima da
classe trabalhadora, de maneira que pudessem garantir o lucro absurdo e manter
a massa operária dependente). Realmente,
a começar pelo lema do governo golpista, “ordem e progresso”, parece que
retornamos ao século XIX, quando a classe dominante, na Europa, se manteve
insensível às condições de precarização e deterioração da vida do trabalhador,
preferindo ignorar a imensa dívida social, pois não se sentia atingida pelas
desventuras dos pobres. Era mais cômodo e fácil fingir que nada acontecia e
tratar os trabalhadores e os pobres como se não fossem seres humanos. Esse é o
retrato do Brasil sob Temer.
3. Para
navegar em céu de brigadeiro, Temer, o decorativo, estará alinhado aos tucanos
– que formam o núcleo duro de seu governo -, e aos setores do banditismo
político incrustados no Congresso Nacional: o centrão, aquela facção forjada
por Cunha para chamar de sua; a bancada BBB e a turma do PMDB, os
coronéis da velhaca política nacional.
4. O
golpista continuará tendo o apoio amistoso da juristrocracia nacional. Para
tanto, contará com um Ministério Público Federal que, nos dizeres de Eugênio
Aragão, “se ideologizou, se apaixonou pelo fetiche criminalista, e relegou
muitas de suas funções mais preciosas em nome de um fortalecimento da
perseguição penal. Com isso, ele deu uma guinada para a direita e hoje é
profundamente conservador”. Sob o atual
ministro da justiça, terá uma Polícia Federal transformada numa polícia
política, sem controle e de ação enviesada e não-republicana. A partir do STF terá um
judiciário que confirma a sina da justiça desse país: sempre serviçal da casa
grande.
5. Com a
patrocinadora do golpe, a mídia antidemocrática, manipuladora, sem controle
social e alçada à condição de produtora da agenda política brasileira, Temer
será generoso, despejando dinheiro público, com faz em doses cavalares neste
final de ano. Até capa de princesa já ganhou para a sua “bela, recatada e do
lar”.
6. No
próximo ano, pelo andar da carruagem, mais uma vez em parceria com a
juristocracia, há condições ideais para que a mídia continue a exercer seu
papel de chantagista e definidora da produção da tal agenda política nacional.
7. Por outro
lado, Moro e Gilmar Mendes, os parceiros queridinhos da mídia tupiniquim e dos
verdadeiros ganhadores do golpe, continuarão no centro das disputas políticas.
Essa é a república brasileira atual: o centro das decisões políticas foi
deslocado dos poderes que têm no voto a referência e se instalou num poder
autocrático, hermético e distante daqueles que são a origem e a razão do poder:
o povo. A instabilidade provocada por esses atores do judiciário e policiais é
proposital para manter o sistema político frágil e poroso, permeável ao
controle e às chantagens dos interesseiros, numa democracia de baixíssima
intensidade.
8. As
imensas perdas de patrimônio e da renda do empresariado nacional serão
compensadas com o arrocho salarial e a precarização das condições de vida dos
trabalhadores. Como nossos empresários e comerciantes sempre pensam no
imediato, nas férias em Miami e no próprio umbigo, continuarão incapazes de
prever o tamanho do fosso no qual estão sendo lançados. Os capitalistas
exógenos terão condições ideais, em pouco tempo, de comprar a preço de banana os restos, ou seja, os despojos da indústria e do patrimônio nacional dilapidados pela sanha dos
golpistas.
É pouco
previsível, a curto prazo, que esse cenário dantesco sofra alterações
substantivas, ainda mais se considerarmos que no plano internacional grassa o
recrudescimento da direita conservadora, cuja “onda azul”, aqui bem caracterizada
pela cor do tucanato, espraia-se mundo afora.
Não se
sabe se esse alargamento do conservadorismo é refluxo de um capitalismo que
urra para sobreviver. Afinal, o capitalismo rentista produziu um esgotamento que
pode ser percebido em várias dimensões: do ecossistema, da política, da economia
baseada na especulação e no rentismo, das instituições tradicionais - incapazes
de dar respostas a uma sociedade cada vez mais complexa. Além disso, em seu
formato especulativo e rentista da atualidade, o capitalismo destrói as
comunidades e as minorias étnicas e sociais.
Portanto,
é preciso inscrever o golpe ocorrido no Brasil dentro dessa dimensão político-econômica
mais ampla para que possamos perceber suas dimensões e consequências e escaparmos
das análises minimalistas ou panfletárias, que não dimensionam perspectivas
mais amplas e complexas para o seu enfrentamento.
Ademais, haja
vista nosso tipo de sociedade (proposital e culturalmente despolitizada, com uma cidadania
pouco ativa, acostumada com um estado assistencialista e “naturalmente”
patrimonialista e elitista) é pouco provável que uma reação surja através de grandes
mobilizações sociais.
Como o
imprevisível é componente real das disputas em curso pelo controle do golpe
(envolvendo os três poderes e outros atores interessados nos desmonte do
estado), restará alguma perspectiva de mudança do cenário, a médio prazo, se
houver a (pouco provável) união dos campos progressistas.
Mas, não
nos enganemos. Não é pulando ondas, orando tresloucadamente ou queimando fogos de artifício que teremos
um 2017 melhor...
Então,
pelo menos por enquanto, feliz ano velho!
Nenhum comentário:
Postar um comentário