Como explicar a permanência do
ministro que foi desmentido duas vezes pela governadora de Roraima (depois de
negar ajuda federal ao estado prestes a conviver com uma carnificina nas
prisões, como ocorrera de fato); de mostrar total desconhecimento sobre o caos
na penitenciária de Manaus [1]; que
é o responsável pela militarização da política de drogas; que se usa da Lava
Jato como degrau político [2] e
que pretende desviar recursos do Fundo Penitenciário para atividades
policiais? [3]
Alexandre de Moraes faz em
Brasília o que fazia com desenvoltura em São Paulo, quando secretário estadual
de segurança pública. Naquele estado, a política de segurança pública é tida
como exitosa pela exponencial redução dos homicídios.
Porém, o custo da redução é
questionável. Pairam graves suspeitadas, levantadas por qualificados
pesquisadores e operadores de segurança pública, sobre o papel do PCC – que
nasceu nas prisões paulistas -, na regulação das disputas geradoras de
homicídios.
Segundo minha colega do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, a professora Camila Nunes, da UFABC, uma das
maiores estudiosas do PCC, além de
ocupar um lugar de destaque na economia criminal, sobretudo no tráfico de
drogas, o PCC se constitui como uma instância de mediação e regulação de
conflitos – principalmente, mas não só, daqueles relativos às atividades
ilícitas. Regulando disputas, dirimindo contendas, mediando acordos, julgando e
estabelecendo punições, o PCC acaba por exercer o controle sobre práticas
individuais e coletivas e é neste sentido que a posição hegemônica que ocupa no
cenário criminal paulista pode estar relacionada com a acachapante queda das
taxas de homicídios a partir do início da década de 2000. Contudo, a manutenção
da hegemonia do PCC é dependente de um equilíbrio precário que envolve relações
tensas e ambíguas com o poder público, sobretudo com as forças policiais e a
administração prisional. A “pacificação” (drástica redução dos homicídios) das
prisões e da periferia paulista tem forte conexão com este equilíbrio precário
e dele é dependente.
É importante dizer, também, que
São Paulo, governado há duas décadas pelo tucanato, é um dos estados com as
maiores taxas de letalidade policial. Segundo Philip Alston, que foi relator
especial da ONU para execuções sumárias, as polícias de São Paulo utilizam a
força letal e não a inteligência para controlar o crime; mais do que isso, esta
força letal é utilizada para a proteção do patrimônio e não da vida. [4] Isso sem considerar uma polícia
que, geralmente, é truculenta em relação a manifestações de movimentos sociais
e dócil quando se trata de manifestações de grupos de direita.
Ou seja, há hipóteses razoáveis a
atribuírem que a redução dos homicídios em São Paulo é fruto de pelo menos três
custos altíssimos: a criação e consolidação do PCC, depois da política de
encarceramento em massa; o controle das prisões por essa facção criminosa e o
aumento da violência policial.
Na condição de secretário de
segurança de São Paulo, Moraes pontificava sem ser incomodado. Nunca admitia
críticas, principalmente se os questionamentos originavam de pesquisadores e
estudiosos, qualificados pelos brucutus da segurança pública como inexperientes
e palpiteiros.
Recentemente, já como ministro da
justiça, Moraes protagonizou uma dessas cenas de ataques descabidos a quem
ousou criticar sua “política de drogas”. A convite do Ministério da
Justiça, um grupo de especialistas da área da segurança pública participou de
uma audiência com o ministro para analisar a proposta do Plano Nacional de
Segurança pública, em meados de dezembro de 2016. Uma das participantes, minha
colega Julita Lemgruber - referência nacional e internacional na área da
segurança pública; a primeira mulher a dirigir o sistema prisional do País, no
Estado do Rio de Janeiro; ex-ouvidora de polícia do mesmo Estado, com
inestimável produção acadêmica e trajetória admirável -, criticou a proposta do
plano nacional de segurança, principalmente em relação à guerra às drogas. Na
ocasião escreveu: estive na última
segunda, dia 12 (de dezembro), com outros especialistas em segurança pública
(éramos cinco pessoas) em reunião para ouvir o Ministro da Justiça apresentar
seu Plano Nacional de Segurança Pública. Já me sentei, ao longo dos meus mais
de 30 anos trabalhando nessa área, com vários ministros e ouvi vários planos.
Este, definitivamente, é o pior de todos. Ao invés da promessa de focar na
redução de homicídios, o que já seria uma tarefa hercúlea, o plano quer até
erradicar as plantações de maconha no Paraguai. Seria cômico se não fosse
trágico. E, pior, o Ministro está querendo desviar o Fundo Penitenciário
para aumentar sete vezes o contingente da Força Nacional, mesmo levando em
conta que seu plano vai contribuir para agravar a superlotação do sistema
penitenciário. Muito grave!
Em redes sociais oficiais e no
site do Ministério da Justiça, Moraes desqualificou a estudiosa de forma
violenta. Várias entidades, entre elas o Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
o Instituto Sou da Paz, o Instituto Igarapé e o Centro de Estudos de
Segurança e Cidadania do Rio de Janeiro (Cesec), publicaram nota pública
repudiando as declarações do ministro contra uma pesquisadora que “é uma
referência ética que honra e orienta aqueles que buscam um Brasil mais seguro e
pacífico”.
Aliás, sobre o Plano Nacional de
Segurança Pública, lançado às pressas nessa sexta (06/01), mapeei jornais neste
fim de semana e percebi uma quase unanimidade nas críticas ácidas por parte de
especialistas, estudiosos, operadores, promotores e até magistrados [5]. Somente alguns lambe-botas dessa imprensa
venal fizeram elogios, mesmo assim, envergonhados. Será que todos - que
estudamos e trabalhamos na área (no meu caso, inclusive já tendo presidido
entidade [não empresa, diga-se de passagem] gestora de unidade prisional) -
estamos errados e o ministro é o único certo? Em tempos de pensamento único é
possível que ele, Temer e seus serviçais pensem assim. Curiosamente, Temer
também foi secretário de Segurança Pública em São Paulo. Há 30 anos, policiais
paulistas pediam sua demissão do cargo, chamando-o de "secretário
sinistro". Não é à toa que muitos chamam Moraes de "sinistro da
justiça".
Aliás, o Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária antecipará reunião para aprovar uma moção de
repúdio ao referido Plano. [6]
Portanto, o que explicaria a
intocabilidade de Moraes à frente do Ministério da Justiça? Para mim a
resposta é óbvia: Moraes pertence ao grão-tucanato, os verdadeiros governantes
dessa república das bananeiras, sob os quais Temer ocupa o posto de mamulengo.
Ademais, Moraes é a encarnação de um segmento poderoso da política tucana de
segurança pública, cuja experiência real se concretiza em São Paulo.
[1] Ignorando um relatório feito pelo próprio
poder público sobre uma possível rebelião motivada pelo confronto entre as
facções, dado que em dezembro de 2015, representantes do Mecanismo Nacional de
Prevenção e Combate à Tortura – órgão então vinculado ao extinto Ministério dos
Direitos Humanos e que agora está sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça –
estiveram no Compaj e em outras três penitenciárias amazonenses e num documento
de 45 páginas informaram aos seus superiores e ao Ministério Público Federal
que havia um forte contexto de disputas e tensionamentos entre os grupos no
sistema penitenciário estadual e concluíram que “a ação da administração
penitenciária é limitada e omissa diante da ação das facções criminosas”.
[2] Na noite de domingo 25 de setembro de 2016,
o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, usou informações sigilosas a
respeito do andamento das investigações para fazer campanha para seu partido, o
PSDB, no interior de São Paulo.
[3] Michel Temer baixou no dia 20 de dezembro
uma medida provisória que transfere parte de recursos destinados ao Fundo
Penitenciário Nacional (Funpen), verba prevista para construir e reformar
unidades prisionais, para a Segurança Pública. De forma abrangente, o texto
informa que será possível usar recursos para políticas de “redução da
criminalidade e da população carcerária”, além de “atividades preventivas, até
de inteligência policial”. A medida ainda alterou a distribuição do dinheiro
arrecadado em loterias, principal fonte do Funpen. Antes, 3% da verba ia para o
fundo, cujo saldo era de R$ 3,3 bilhões em outubro, segundo levantamento da ONG
Contas Abertas. Agora, o repasse será de 2,1%, enquanto 0,9% vai para o Fundo
Nacional de Segurança Pública (FNSP).
[4]
Sobre esse tema ver relatório de Philip
Alston, Relator Especial da ONU para Execuções Sumárias, quando da sua visita
ao Brasil em 2007 (Relatório ONU – A/HCR/11/2/Add.2, 29/08/2008).
[5] Até Gilmar Mendes, pasmem!, criticou
o plano. Veja aqui: http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/273885/Gilmar-critica-plano-Temer-solu%C3%A7%C3%A3o-n%C3%A3o-%C3%A9-mais-cadeia.htm
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