Penitenciária de Manaus, onde foram executados 56 presos no início deste ano. |
“POBRES E NEGROS SÃO AS PRINCIPAIS VÍTIMAS DO SISTEMA
PRISIONAL”, AFIRMA ESTUDIOSO
VIOLÊNCIA: Percentual
de aprisionados no país cresce 15 vezes mais que a população
Wallace Oliveira - BdeF Minas
A população carcerária
no Brasil já ultrapassou mais de 600 mil pessoas. A cada dia um preso é
assassinado. Só em 2016, foram mais de 370 mortes violentas nesses
estabelecimentos, segundo dados públicos. Nos últimos dias, no Amazonas e em
Roraima, o país presenciou o maior massacre em unidades prisionais desde a
chacina de Carandiru. Entretanto, governos, meios de comunicação e a maioria da
população insistem em apontar como solução medidas que, aplicadas ao longo de
décadas, já se mostraram fracassadas: aumento das prisões, punição e violência
promovida pelo Estado, em um modelo que atinge seletivamente os mais pobres,
negros e jovens da periferia. Para discutir esse assunto, o Brasil de Fato MG conversou com o cientista
social Robson Sávio, coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC
Minas, o NESP, e associado pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Sávio também é membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos de Minas Gerais
e coordenador-adjunto da Comissão da Verdade em Minas.
Brasil de Fato MG: O
que se pode dizer sobre os presídios em funcionamento em Minas Gerais
atualmente? Qual a condição das pessoas que estão nesses presídios? Eles são
adequados à recuperação?
Robson Sávio: A população carcerária cresce absurdamente no
Brasil. Entre 2005 e 2012, portanto em sete anos, esse aumento foi 74%, enquanto
a população brasileira cresceu apenas 5,3% no mesmo período, segundo o IBGE. Em
Minas Gerais, o número de presos foi multiplicado por sete: cresceu 624% nesse
período. Hoje, o estado tem quase 70 mil presos, sendo que mais de 40% sequer
tem uma sentença definitiva (os chamados presos provisórios). A superlotação do
sistema prisional de Minas é da ordem de 111%. Ademais, temos problemas
estruturais, como a questão da qualificação dos agentes prisionais. Com exceção
dos presos que estão abrigados nas Associações de Proteção e Assistência ao
Condenado, as Apacs, a situação do sistema tradicional reproduz o caos do
sistema prisional brasileiro. Nessas condições precárias, com vínculos
familiares e sociais rompidos, entregues às facções que comandam as prisões,
não há que se falar em “recuperação”. As taxas de reincidência criminal no país
chegam a 80% e Minas não foge à regra.
Brasil de Fato MG: O
primeiro presídio privado do país, gerido por PPP, está em Ribeirão das Neves
(MG). O modelo foi anunciado como forma de se promover a segurança, eficiência
e uma condição digna para os detentos. Justificativas semelhantes aparecem no
PLS 513/2011, sobre a contratação de parceria público-privada para construir e
gerir estabelecimentos penais. Como você vê esse modelo?
Robson Sávio: O presídio administrado por PPP de Neves tem a
função de ser uma espécie de fotografia bonita para justificar a sanha
privatista que ronda o sistema prisional mineiro e brasileiro. Nele, não há
superlotação; os presos são seletivamente escolhidos, porque têm que trabalhar.
Há condições para o exercício laboral, assistência médica, jurídica e social.
Ora, se essas mesmas condições, determinadas pela Lei de Execução Penal (e não
cumpridas pelo Estado), fossem implementadas nas prisões do sistema
tradicional, não teríamos esses locais transformados em quartéis-generais do
crime organizado. Ademais, os presos do presídio privado de Neves são
monitorados por sistemas eletrônicos dos mais modernos; tudo para controlar a
unidade prisional e evitar fugas e rebeliões. E o custo, muito mais alto que o
sistema tradicional. Ou seja, o estado investe muito no seu cartão-de-visita a
justificar a privatização dos presídios e deixa à míngua uma imensa quantidade
de presos. Como temos uma expansão da
indústria do preso com o adensamento da massa carcerária - e muitos homens de
bens e empresas ganham com isso (inclusive com o caos e o descontrole estatal
do sistema) -, os presídios privados estão se transformando num novo filão para
o ganho de capitalistas que só pensam em dinheiro; nunca nas pessoas. A
carnificina de Manaus prova que prisões terceirizadas tendem a complicar ainda
mais a questão prisional.
Brasil de Fato MG: Na
última semana, Temer e o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, anunciaram medidas
para amenizar a crise no sistema prisional. A principal ação seria um gasto de
mais de R$ 400 milhões para construir novos presídios e aumentar a segurança
dos que já existem. Qual a sua avaliação sobre essas medidas?
Robson Sávio: Há uma máquina de aprisionamento no país. A sociedade, vingativa e mal informada,
acha que a prisão é o lenitivo para todos os crimes; o poder judiciário (cujos juízes, promotores e advogados sequer
conhecem a realidade prisional) age seletivamente, entupindo as cadeias de
usuários e microtraficantes de drogas e ladrões de galinhas - que serão as
presas fáceis das organizações criminosas que comandam o sistema. Aliás, dos
quatro países com as maiores populações carcerárias do mundo, o Brasil é o
único que desde 2008 aumentou seu número de presos. Este dado revela que existe
uma clara preferência do Judiciário brasileiro pelo encarceramento em massa e
que os juízes que prendem não se sentem responsáveis pela tragédia que é o
nosso sistema penitenciário. Por fim, o poder
executivo colabora com essa máquina do aprisionamento, seja através da ação
seletiva das polícias (que prendem
muito e prendem mal) ou não tomando as medidas necessárias para uma gestão e
controle eficientes do sistema. Ora, construir mais prisões nessas condições é
colaborar com o adensamento das facções criminosas, com a indústria do preso e
da insegurança (que enriquece muitas pessoas e instituições) e não resolve
absolutamente em nada a situação atual nem futura.
Brasil de Fato MG: Quando se discute o combate à
criminalidade no Brasil, por que tantas pessoas preferem vingança e punição à
reeducação?
Robson Sávio: Temos uma cultura punitiva, que começa dentro
de casa, espraia-se nas relações interpessoais e sociais, passa pela educação
formal e ratifica a crença segundo a qual a punição é melhor que a prevenção, a
negociação, a mediação de conflitos, etc. Ademais, nosso modelo educacional não
educa para a solidariedade, responsabilidade, cidadania. É cada um por si e
Deus por todos. Nessas condições, com um sistema de justiça altamente seletivo,
polícias violentas e poderes públicos sem credibilidade, parece que a única
solução é tentar de todas as maneiras se dar bem e torcer para que a lei valha somente
para o outro que, quando erra, deve ser severamente punido. De uma maneira
geral, todos achamos que o outro é perigoso e que nós e os nossos somos os
bons. Acontece, que o outro também pensa assim sobre nós. Quem entra, então,
para o sistema de justiça criminal? Primeiro critério de entrada, a renda;
segundo, a etnia e terceiro o acesso à justiça. Assim, pobres, negros e jovens
da periferia sem advogados são as principais vítimas desse sistema. Quem tem
bons advogados, é branco, classe média serve-se dessa legislação
propositalmente confusa e com inúmeros recursos e conseguirá, na maioria das
vezes, se livrar das armadilhas do sistema de punição e vingança social,
concretizado no sistema prisional.
Brasil de Fato MG: Que
alternativas podemos pensar ao atual sistema prisional?
Robson Sávio: São medidas de médio e longo prazo: separar os
membros de facções criminosas para evitar novos massacres; reformar nossas
polícias e a justiça; controlar as prisões; tirar os presos condenados das
delegacias; separar presos perigosos dos demais; ampliar as vagas no sistema
prisional (não com a criação de mais prisões, mas com a liberação de vagas
ocupadas por presos provisórios); estimular a participação da comunidade nos
processos de ressocialização; ampliar programas de prevenção ao uso de drogas,
oferecendo oportunidades a jovens em situação de vulnerabilidade fora das
prisões e de tratamento de dependentes dentro das prisões; criar programas de
acompanhamento e orientação para egressos; intensificar a aplicação das penas e
medidas alternativas, com fiscalização eficiente do poder público; oferecer
acompanhamento jurídico dos processos dos condenados; manter os condenados no seu local de origem,
visando o não rompimento de vínculos familiares e sociais; proporcionar a todos
os presos com sentença definitiva a oferta de trabalho e educação. A empreitada
é grande. Mas, precisa ser enfrentada. O resto é conversa pra boi dormir.
Fonte: Brasil de Fato MG, edição 168, de 13/01/2017, página 11.
Nenhum comentário:
Postar um comentário